Revisão do texto, que deve
incluir ortotanásia, aborto e criminalização do preconceito contra
homossexuais, pode tornar a legislação ainda mais branda
Gabriel
Castro
Perto de completar 72 anos, o Código Penal
brasileiro está em fase de revisão. Um grupo de 16 juristas convocados pelo
Senado devem concluir em maio a elaboração de uma proposta para o novo texto. A
comissão é presidida por Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça.
Quando o colegiado encerrar seus trabalhos, começa o dos senadores. A mudança
na legislação pode passar por temas controversos. E a discussão carrega um
risco: o de tornar a legislação ainda mais liberal do que a atual – que já não
combate o crime com eficácia.
O texto redigido pelos juristas ainda está em
elaboração, mas as linhas gerais estão traçadas. As sugestões podem ser
divididas em três eixos principais: modernização da lei, incentivo às penas
alternativas e maior rigor no regime de progressão das penas. A primeira parte
inclui tipificação de novos crimes. É o caso do terrorismo. Ao mesmo tempo,
toca em pontos historicamente controversos, como a liberação da ortotanásia, a
criminalização da chamada homofobia e a ampliação dos casos em que o aborto é
permitido.
O mais provável é que, a partir de maio, a
discussão sobre o Código Penal force o Congresso a debater três temas
explosivos de uma só vez. A ortotanásia (interrupção do tratamento médico de um
paciente sem chances de recuperação) nunca havia chegado à pauta do Parlamento.
A tipificação do crime de homofobia já causa um acirrado debate envolvendo
lideranças religiosas, que se dizem tolhidas.
No caso do aborto, a ideia dos juristas é permitir
que a interrupção da gravidez seja autorizada, por exemplo, quando o bebê tiver
um tipo grave de má-formação. Além disso, a prática pode ser liberada quando
houver risco para a saúde da mãe, mesmo que não haja perigo de morte. Hoje, o
aborto só é permitido em casos de estupro e risco de vida para a mãe.
O segundo eixo do texto elaborado pelos juristas
trata da redução de benefícios. Entre eles, a prisão aberta, que permite a
condenados viver livremente fora da cadeia e, na prática, sem qualquer
monitoramento. Outra proposta é aumentar o tempo necessário para a obtenção da
progressão da pena: de um sexto para um terço em crimes comuns. Em crimes
hediondos, o benefício só seria obtido com metade da pena (hoje, bastam dois
quintos).
O terceiro eixo é o aumento da aplicação de penas
alternativas. A ideia é ir além do pagamento de cestas básicas, que mal
funciona como punição. O objetivo é tornar essas medidas mais coerentes com o
crime praticado e deixar a pena de encarceramento para os criminosos mais
perigosos. "Nós precisamos fazer uma lipoaspiração no Código Penal",
diz Pedro Taques (PDT-MT), um dos relatores da proposta no Senado.
Mais rigor - Tornar o código mais objetivo e
eficiente é uma missão essencial. Mas, ao priorizar esse aspecto, os
parlamentares podem perder uma oportunidade rara: a de aumentar as brandas
penas previstas para alguns crimes. Aqui, um assassino pode pegar de 6 a 20
anos de cadeia. Na Argentina, por exemplo, um homicídio rende de 8 a 25 anos.
Na Suécia, a pena mínima é de 10 anos. Na Venezuela, de 12. No Canadá, não há
pena mínima e o castigo máximo é a prisão perpétua. Nos Estados Unidos, a
punição pode chegar à pena de morte.
Fora uma proposta do senador Pedro Taques, que
pretende criar uma pena de até 40 anos para condenados por desaparecimento de
pessoas (como integrantes de grupos de extermínio que somem com os corpos das
vítimas), praticamente não há sugestões de aumento das penas. Os parlamentares
também não podem perder a chance de aumentar o rigor sobre a reincidência, para
evitar os esdrúxulos episódios em que presos com uma ficha quilométrica continuam
soltos e atuando no mundo do crime.
É possível que, no saldo final, a lei saia mais
branda do que a atual. Um risco do qual o senador Demóstenes Torres (DEM-GO)
está ciente. Assim como Pedro Taques, o democrata é promotor de Justiça e diz
que o Congresso não pode amenizar o peso da legislação. "Acho que seria
temerário. A adoção de penas baixas, que é um caminho do direito moderno no
Brasil, acaba sendo um atraso em relação ao mundo", diz o democrata. Ele
garante: "O Pedro Taques, eu e outros senadores estamos afinados: o que
sair da comissão de juristas e for na linha do abrandamento, nós vamos
modificar".
Mas há um obstáculo. O governo petista e seus
aliados no Congresso são uma poderosa força no sentido oposto: de forma geral,
a bancada do PT é contra a redução da maioridade penal, pelo fim da pena a
usuários de drogas e a favor do aborto. A Câmara dos Deputados também discute
alterações no Código Penal. Escolhido relator do texto, o petista Alessandro
Molon (RJ) adota por ora um discurso pragmático: "As questões polêmicas
podem impedir que a reforma avance”, acredita. “Vamos optar por uma reforma pé
no chão".
A discussão deve ganhar força no fim do primeiro
semestre. Mas, com as eleições municipais, o debate pode acabar se estendendo
para 2013.
Obsolescência - O texto do Código Penal
brasileiro é de 1940, quando o país vivia o governo autoritário de Getúlio
Vargas. A legislação não faz qualquer referência a crimes eletrônicos, por
exemplo. E, como foi alterado diversas vezes ao longo das décadas, o texto traz
incongruências: a pena por falsificação de cosméticos, por exemplo, é maior do
que a punição por formação de quadrilha.