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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Estudo sobre o culto, o direito e s instituições da grécia e de Roma


Historiador francês, Fustel de Coulanges nasceu em Paris a 18 de Março de 1930 e morreu em Massy a 12 de Setembro de 1889. Em 1850 matriculou-se na École Normale Supérieure de Paris, transferindo-se em 1853 para a Escola francesa de Atenas. Entre 1853 e 1858, esteve ocupado em estudos e pesquisas arqueológicas na ilha de Quio. Em 1858, doutorou-se, defendendo a tese Polybe ou La Grèce conquise par lês romaim (Políbio ou a Grécia conquistada pelos romanos), e em 1860 foi nomeado professor de história na faculdade de letras de Strasbourg, onde permaneceu até 1870. Lecionou a seguir na faculdade de letras de paris e em 1878 assumiu a cadeira de história medieval na Sorbonne. Seu último cargo importante foi o de diretor da École Normale Supérieure, a partir de 1880.
Fustel de Coulanges reformou o método dos estudos históricos na França, sendo responsável por uma abordagem mais científica dos temas da história antiga. Opunha-se à mera erudição livresca, preferindo valorizar o testemunho dos fatos históricos, fornecido pelos textos da época e pelas tradições, de modo a imprimir maior objetividade aos seus estudos. Pretendia assumir uma total imparcialidade diante dos fatos, em atitude bem diversa da dos historiadores românticos que o precederam, como Michelet, sobretudo pela determinação de evitar a confusão entre o estudo histórico e outros interesses. Seu método, bem como suas concepções da história antiga e da história francesa, suscitaram muitas polêmicas e acusações. Aqueles que o defendem asseguram o respeito e a confiança que inspiram as obras de Coulanges por terem sido baseadas em documentos e na análise direta dos textos. Em contraponto, seus críticos ferrenhos o acusam de demonstrar pouco conhecimento paleográfico, o que o teria induzido a numerosos erros de interpretação. Além disso, para estes, sua filologia era duvidosa e sua concepção de história mecanicista. Apesar das críticas, sua obras possuem uma imensa riqueza de informações. A maior parte dos estudos de Coulanges versa sobre as instituições feudais da França antiga, entre eles o mais importante, a Histoire dês institutions politiques de l´ancienne France (1875; História das instituições políticas da França antiga), em que minimizou o papel das invasões germânicas na organização política e no estabelecimento das instituições feudais, cujas origens procurou entre as antigas instituições gaulesas. Essa obra e várias outras em que sustentou as origens do sistema feudal provocaram acirradas polêmicas.
Contudo, o trabalho que o consagrou foi La cite antique (1864; A cidade antiga), em que estuda a evolução política e social das antigas Grécia e Roma. Nesta obra o historiador dá singular destaque às crenças religiosas e seu papel ímpar como causa de um processo evolutivo ocorrido tanto em Roma quanto na Grécia. Josep Fontana em a Historia dos homens style. Para este autor, a cidade antiga serve à visão da direita francesa, pois defende a propriedade privada como eterna e combate a quem imagine que tenha existido alguma vez o comunismo. No fim de sua vida Fustel extremou sua atitude nacionalista, defendeu “a erudição francesa” contra a crítica hermenêutica e filosófica alemã e, além disso, estudou as instituições políticas da antiga França para combater a visão liberal. Contudo, Fontana observa que Fustel não foi apenas o historiador da direita, estimado pela corte de Napoleão III, onde deu cursos especiais para a imperatriz Eugênia foi, pelo contrário, muito influente em outros meios. A cidade Antiga até hoje é citada em inumerosas obras realizadas por filósofos, sociólogos e, claro, historiadores, além das influências diretas como a transmissão da preocupação pelo religioso aos sociólogos Durkheim e Mauss.
 A Cidade Antiga é escrita de forma linear progressista, forma que vai ao encontro dos conceitos e hipóteses defendidas pelo autor. Na obra há uma clara concepção progressista de história, a sociedade humana está num processo de evolução e desenvolvimento. Assim o autor inicia sua explicação desta evolução a partir das instituições gregas e romanas, instituições resultantes das crenças religiosas destas sociedades. A tese de Fustel centra-se no papel das crenças religiosas para a formação dos diferentes tipos de organização social e instituições políticas de um grupo humano. A partir desta concepção traça-se um paralelo entre o processo histórico de diferentes sociedades com base em uma classificação das crenças religiosas, ou seja, crenças semelhantes resultam em instituições e processo histórico semelhantes. Apesar da obra possuir um grande volume sua linguagem e forma didáticas de expor seu raciocínio tornam a leitura fácil e prazerosa, por isso A Cidade Antiga também é considerada uma obra literária. Por ter um grande volume foi dividida pelo autor em cinco livros ou partes, onde cada livro destes se subdivide em pequenos capítulos. Pelos títulos destes livros pode-se perceber a linearidade da obra e o papel protagonista dado às crenças religiosas e à família. Além disso, vê-se a concepção da idéia de causa e efeito, por isso a idéia linear teleológica da história.
Os títulos de tais livros são os seguintes: o primeiro livro se chama Crenças Antigas, o segundo A Família, o terceiro A cidade, o quarto As revoluções e o quinto Desaparece o regime municipal. Assim, Fustel inicia a obra caracterizando as crenças dos antigos, pois para ele são delas que resultam as formas de instituições e a leis que regulam estas sociedades. As leis e o direito ganham nesta obra grande destaque na medida em que estes são reflexos das crenças e das formas de organização política e social de uma sociedade humana. O historiador busca no passado a explicação para o presente, nas suas palavras “o homem é o produto e o resumo de todas as suas épocas anteriores”. E, a maneira de se de se compreender uma sociedade, incluindo a que vivemos, é conhecer suas crenças e relações familiares a partir de suas leis e regulamentos, pois não são as regras que impõem os comportamentos, mas, pelo contrário, surgem como necessidade de especificar e organizar os costumes em um corpo unificado de leis. “Se as leis da associação humana já não são as mesmas das da antiguidade, o motivo está em que algo do próprio homem se transformou.”
Pelas razões acima informadas Fustel de Coulanges atribui significativa importância às constituições e conjunto de leis. Além de usar obras de autores da época como fonte, as leis e a própria língua são importantes meios de reunir informações sobre uma sociedade, ou seja, são também fontes indispensáveis para a compreensão de uma sociedade de determinado contexto histórico. A forma, as linhas gerais da obra e seus objetivos são definidos e expostos já na introdução pelo autor, assim suas concepções são apontadas e deixadas bem claras para o leitor. Ao longo da obra se percebe o uso freqüente da citação das fontes utilizadas e, o que é elogiável e impressionante, a variedade delas, vão desde Aristóteles e Platão até as leis das constituições de tais povos.
A Cidade Antiga, como o título informa, é a história das origens, do ápice da cidade e do desaparecimento delas no mundo grego e romano. Grécia e Roma são analisadas sob a mesma perspectiva, por isso os processos históricos de ambas são narradas concomitantemente como se fossem um único. Isso se deve a tese do autor que se sustenta na compreensão das crenças para se entender a formação das instituições. Em algumas passagens, para enaltecer e comprovar sua tese, até mesmo a sociedade hindu contemporânea à obra é citada como exemplo de associação humana semelhante às gregas e romanas, pois é politeísta e local. Portanto, suas concepções vão ao encontro da idéia de progresso da humanidade, uma evolução natural que todos os povos do mundo estão passando. O espírito humano caminha espontaneamente em direção à unidade e ao Deus único, os povos que não compartilham da crença no Deus único estão “atrasados”, mas caminham naturalmente para tal crença. Para Fustel, o ser humano em qualquer época e/ ou sociedade deseja a liberdade proporcionada por crenças mais “elevadas”. Aqueles que não crêem na unidade universal do Deus único e não possuem as instituições dela derivada é porque não são inteligentes o suficiente para tal. Desta forma, esses devem ser vistos com compreensão, pois não fazem de propósito, mas por incapacidade. Contudo, um dia se livrarão de suas crenças supersticiosas. Nas palavras do autor: “a inteligência está sempre em evolução, quase sempre em progresso, e, por esta razão, as nossas instituições e leis estão sujeitas as flutuações da inteligência do homem”.
Assim, o autor desenvolve a obra no sentido de evidenciar as flutuações da inteligência humana, mostra o tempo todo como as concepções culturais do homem se interligam e refletem-se nas instituições sociais e políticas. A partir desta idéia Fustel explica o processo histórico grego e romano, onde tal processo parece surgir naturalmente a medida em que se compreende o modo de pensar dos antigos. “Se ao lado das instituições e das leis colocarmos as suas crenças, os fatos tornar-se-ão mais claros e a sua explicação apresentar-se-á por si mesma.”
Por conseguinte, na primeira parte da obra se define as crenças, o modo de pensar e agir dos povos antigos. Tais povos davam valor singular à morte e à alma, acreditavam que a morte era apenas uma mudança de estado, a alma continuava a viver na terra perto dos vivos, daí a importância dos túmulos e ritos fúnebres, já que, por continuarem a “viver” debaixo da terra também conservavam o sentimento de bem-estar e de sofrimento. Este é um ponto muito interessante do texto, pois segundo Fustel é esta a origem da necessidade de sepultura para o homem. Segundo esta crença aquele que não possuía túmulo não possuía morada, portanto não era feliz, assim temia-se mais a privação de sepultura do que a própria morte. Assim, rapidamente estas crenças resultaram em normas de conduta nos mais recuados tempos e introduziram-se como costumes. Para estes povos os mortos eram tipos como entes sagrados, seus túmulos eram templos destas divindades. E, cabia aos descendentes a responsabilidade de garantir a felicidade do morto, por isso dever-se-ia fazer oferendas alimentares e acender um fogo para aquecer a alma do antepassado. Cada lar grego e romano possuía um altar onde se fazia sacrifícios, acendia-se o fogo e oferecia-se aos ancestrais. “É preciso esclarecer esta importante situação porque sem o fazermos nunca se compreenderá a íntima correspondência estabelecida entre as velhas crenças e a constituição das famílias gregas e romanas” (cap. IV). O culto dos mortos representa verdadeiramente o culto dos antepassados, o antepassado vivia no grêmio dos seus familiares, invisível, mas sempre presente. Cada família tinha suas cerimônias, que lhe eram próprias, e do mesmo modo as suas festas particulares, as suas fórmulas de oração e seus hinos.
A religião, portanto, era o principal elemento constitutivo da família antiga. A família não se constituía por conta do afeto ou nascimento, mas se fundamentava no poder do pai como sacerdote do lar. A família era um grupo de pessoas a quem a religião permitia invear o mesmo lar e oferecer o respasto fúnebre aos mesmos antepassados. Desta forma a primeira instituição estabelecida pela religião doméstica foi o casamento, pois era praticamente um novo nascimento, já que era ela que instituía um lar, ou seja, um altar onde se manteria a felicidade de seus ancestrais e, onde os descendentes manteriam a felicidade de seus ancestrais das almas dos familiares. É aqui, segundo Fustel, a origem do casamento sagrado, sendo em a dissolução do casamento religioso sempre difícil e, claro a dificuldade da poligamia. “As crenças relativas aos mortos, juntamente com o culto devido a esses mortos, constituíram a família antiga e facultaram-lhe a maior parte das suas regras.”
A propriedade privada derivaria da crença da necessidade de se ter um pedaço de terra para o altar doméstico, pois os mortos viveriam nesta terra. Assim, as populações da Grécia e as da Itália, desde a mais remota antiguidade conheceram e praticaram a propriedade privada, pois a idéia de propriedade privada estava na própria religião, o solo onde repousavam os mortos converte-se em propriedade inalienável e imprescritível. O direito de propriedade, tendo-se estabelecido para a efetivação de um culto hereditário, não podia acabar com a morte de um único indivíduo. A propriedade não pertencia ao indivíduo, mas à família e, o pai é o primeiro do lar, é o seu sumo sacerdote. “A família é um Estado organizado, uma sociedade que se basta a si própria .” Contudo, esta família era bem maior que a família moderna, lembra o autor.
Assim, a cidade-estado surgiu como resultado deste tipo de organização familiar, a cidade era uma grande família. Família, fátria, tribo, cidade são, portanto, sociedades perfeitamente análogas e nascidas umas das outras por uma série de federações. No mundo antigo era o culto que constituía o vínculo unificador de toda e qualquer sociedade, cada cidade tinha seus deuses como, a família. O sacerdote máximo da cidade era chamado rei, como era o pai dentro da família. E, aquele que era da “família” chamada cidade era o cidadão, portanto era cidadão todo o homem que tomava parte no culto da cidade e estrangeiro aquele que não compartilhava do mesmo culto. A cidade nos seus primeiros tempos nada mais era do que a reunião dos chefes de família. Plebeu era o excluído do culto, não tinha família, nem autoridade paterna, nem direito de propriedade ou direitos públicos. Todo bastardo era repelido pela religião das famílias puras e relegado na plebe. O patriciado formou então um governo conforme os seus princípios, mas sem pensar em estabelecê-los para a plebe.
Contudo, a desigualdade não durou muito tempo, pois, segundo Fustel, as sociedades tendem para a igualdade, assim a democracia chegou inevitavelmente. Porém nem mesmo a democracia conseguiu acabar com os problemas, afinal jamais constituição alguma suprimiu as fraquezas e as imperfeições da natureza humana, segundo o autor, pelo contrário, a democracia acentuou as desigualdades. Então os pobres conclamaram o tirano, a democracia tornou-se em tirania. “Os tiranos só enquanto satisfazem as ambições da multidão e alimentavam as suas paixões podiam manter-se no poder.”
Assim, pois, a religião, o direito, o governo eram todos municipais. Porém o espírito humano aumentou as suas forças e concebeu novas crenças. “O espírito ficava embaraçado perante a grande quantidade de divindades e sentia a necessidade de reduzir o seu número”, escreve Fustel em uma concepção claramente teleológica. Esta tendência ao uno facilitou a conquista romana, ou seja, levou ao império romano, à unidade. Todo este processo discreto culminará na sociedade ocidental do século XIX através de legados deixados por cada sociedade que existiu anteriormente, em especial Grécia e Roma.
Apesar de hoje em dia a tese de Fustel de Coulange nos parecer um tanto quanto simplória, para o século XIX sua obra inovou em muitos aspectos. E, mesmo para nós A Cidade Antiga é indispensável como fonte de informações para os historiadores que se ocupam dos estudos da antiguidade. Além de ter construído muito bem a defesa de sua tese, por isso é muito convincente, por mais que se seja contrário a este tipo de historiografia, dificilmente alguém negue seu poder de convencimento. Depois de ler este livro entende-se como este tipo de pensamento conseguiu penetrar tão profundamente na mentalidade ocidental. Mesmo que já tenha sido combatida nos meios acadêmicos, sua influência é indiscutível. A forma linear e didática, quase literária, sedutoramente convence o leitor. Porém, como os seus críticos mais ferrenhos alertam, é esta forma sedutora que é perigosa, pois sem perceber alimenta-se a idéia de superioridade de raças e povos. Para o século XIX A Cidade Antiga sem dúvida ajudou a legitimar o domínio, por exemplo, dos países hegemônicos europeus sobre os povos ditos inferiores, como os africanos. Mas, para quem sabe filtrar informações, a obra continua tendo o seu devido valor.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. Volume 6, CINEMA-CRUSTA. São Paulo – Rio de Janeiro: Encyclopaedia Britannica do Brasil, 1982.

FONTANA, Josep. História dos homens.


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A LEI PENAL NO TEMPO II

A lei penal no tempo: novatio legis incriminadora, abolitio criminis, novato legis in pejus e a novatio legis in mellius

Autor: Thiago Pellegrini Valverde

INTRODUÇÃO

Em Direito, especialmente em Direito Penal Processual Penal, vige o princípio tempus regit actum. Esse brocardo latino significa para nosso ordenamento jurídico que, em geral, a lei rege os fatos praticados durante sua vigência. A lei não pode alcançar fatos ocorridos anteriormente ao início de sua vigência, nem ser aplicada àqueles ocorridos após sua revogação.

Júlio Fabbrini MIRABETE esclarece que, apesar da disposição do princípio tempus regit actum, por disposição expressa do próprio Código Penal Brasileiro, “é possível a ocorrência da retroatividade e da ultratividade da lei”. Por retroatividade podemos entender o fenômeno jurídico aplica-se uma norma a fato ocorrido antes do início da vigência da nova lei. Por retroatividade podemos entender o fenômeno jurídico pelo qual há a aplicação da norma após a sua revogação.


*Thiago Pellegrini Valverde é advogado. Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela Unimes/Santos. Professor de Ética Jurídica, Direito Constitucional e Direito Penal em Cursos Preparatórios para Exame de Ordem. Membro da Comissão de Assistência Judiciária da OAB/SP – Subsecção Santo André .

A retroatividade e a ultratividade são, portanto, fenômenos que excepcionam o princípio da irretroatividade. MAGALHÃES NORONHA explica que é o próprio Diploma Penal que estabelece a exceção: “a lei penal que beneficiar o acusado (lex mitior) retroage”.

A Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso XL, preceitua que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Percebemos que a Lei das leis instituiu o princípio da irretroatividade das leis, mas também salvaguardou as hipóteses em que sejam os réus beneficiados por uma lei que, a princípio, não poderia retroagir. O art. 1º do Código Penal Brasileiro declara o princípio da anterioridade da lei penal, ao estabelecer que não há crime ou pena sem lei anterior, mas o parágrafo único do art. 2º do CP, no esteio constitucional, também previu a hipótese da retroatividade da lei penal benigna (lex mitior), ou seja, aquela que de, uma forma ou outra venha a beneficiar o acusado ou o réu.

Bem explicita MIRABETE, ao ensinar que: “... havendo conflito de leis penais com o surgimento de novos preceitos jurídicos após a prática do fato delituoso, será aplicada sempre a lei mais favorável”.

A solução buscada ao ocorrer o conflito de leis penais no tempo (mais comum do que se possa imaginar) é alcançada a partir das seguintes hipóteses: novatio legis incriminadora; abolitio criminis; novatio legis in pejus e novatio legis in mellius, a seguir esmiuçadas.

I. NOVATIO LEGIS INCRIMINADORA

É a hipótese da lei nova que vem a tornar fato anteriormente não incriminado pelo direito penal como fato incriminado, como fato típico. A lei nova que incrimine o praticante de fato que ao tempo da prática não era típico, não poderá ser aplicada, pois é irretroativa. Ao tempo da prática, determinado fato não era considerado crime pelo Direito. Concluímos que a conduta não era socialmente nem legalmente reprovável. Isso premia o princípio da segurança nas relações jurídicas a nosso ver.

II. ABOLITIO CRIMINIS


Ocorre o fenômeno da abolitio criminis (recentemente verificado com a promulgação da Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005, que remodelou bastante o Capítulo VI do Código Penal – Dos Crimes Contra os Costumes, e aboliu os crimes de sedução, rapto e adultério), sempre que uma lei nova deixa de incriminar fato anteriormente considerado um ilícito penal. É agraciado pelo artigo 2º, “caput’ do CP.

MIRABETE ensina que se trata de aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benigna. O Estado, exclusivo detentor do ius puniendi, se desinteressa na punição de determinado fato. Por isso, a abolitio criminis retroage, alcançando o autor de determinado fato, anteriormente tido como típico. Esse deverá ser posto em liberdade (se preso) e sua folha de antecedentes criminais liberta do fato não mais considerado delituoso. O delito desaparece, juntamente com todos os seus reflexos penais (persistem os cíveis).

III. NOVATIO LEGIS IN PEJUS

O fenômeno jurídico da novatio legis in pejus refere-se à lei nova mais severa do que a anterior. Ante o princípio da retroatividade da lei penal benigna, a novatio legis in pejus não tem aplicação na esfera penal brasileira.

Conforme ensina, mais uma vez, MIRABETE:

“nessa situação (novatio legis in pejus) estão as leis posteriores em que se comina pena mais grave em qualidade (reclusão em vez de detenção, por exemplo) ou quantidade (de 02 a 08 anos, em vez de 01 a 04, por exemplo); se acrescentam circunstâncias qualificadoras ou agravantes não previstas anteriormente; se eliminam atenuantes ou causas de extinção da punibilidade; se exigem mais requisitos para a concessão de benefícios, etc.”. (grifos nossos)

Dentre esses preceitos, podemos acrescentar que, as medidas de segurança também se encontram abarcadas. Medidas que majorem ou agravem as medidas de segurança também não podem retroagir para alcançar fatos pretéritos. As regras sobre medida de segurança são também leis penais.

IV. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS

É a lei nova mais favorável que a anterior. Essa tem plena aplicação no Direito Penal Brasileiro, prevista pelo Código Penal, em seu artigo 2º, parágrafo único e pela Magna Carta, em seu artigo 5º, XL. Vale dizer que, não importa o modo pelo qual a lei nova favoreça o agente, ela será aplicada a fatos pretéritos a sua entrada em vigor. É a lex mitior. Deverá ser aplicada tanto ao réu em sentido estrito (aquele que está sendo acusado em processo penal) quanto ao réu em sentido lato (sujeito passivo na ação penal, aqueles submetidos à execução de pena e/ou medidas de segurança).

V. COMPETÊNCIA PARA A PALICAÇÃO DA LEI PENAL BENÉFICA

Conforme a Súmula 611 do STF e o artigo 66, I da Lei de Execução Penal, a competência para aplicar a lei penal mais benéfica é do Juiz de Execuções Penais.

VI. LEI PENAL BENÉFICA EM VACATIO LEGIS

Majoritariamente, a doutrina acolhe o entendimento de que a lei penal benéfica em vacatio legis não pode retroagir. Na prática, não há conhecimento de casos que se discutiu tal possibilidade, sendo puramente doutrinário.

VII. LEI INTERMEDIÁRIA

É a lei que não é nem a da data do fato nem a lei da época da sentença. É o caso de vigência de três leis sucessivas, em que se deve aplicar sempre a mais benigna, da seguinte forma: quanto ao fato, ela retroage; quanto à sentença, ela será ultrativa. A posterior será retroativa quanto às anteriores e a antiga será ultrativa em relação às leis que a sucederem.

O julgador não poderá aplicar parte de uma lei e parte de outra, pois, do contrário, estaria legislando, ofendendo o princípio da tripartição dos poderes. Deverá ser aplicada a lei penal mais benéfica sempre, mas por inteiro, a lei toda – este também o entendimento de Guilherme de Souza NUCCI. MIRABETE discorda de tal afirmação, aceitando a combinação de leis penais, acompanhado de Nelson HUNGRIA, José Frederico MARQUES e Basileu GARCIA. A título de informação, o Código Penal Militar proíbe expressamente a conjugação de duas leis para a apuração da maior benignidade (art. 2º, §2º). Entendemos que a combinação de leis, em que pese a maior benignidade ao réu, não é possível, pois seria a criação de uma nova lei, o que é vedado ao julgador. Ofenderia, ademais, a própria ordem constitucional.

LEI PENAL NO TEMPO

 Consagra a princípio do “tempus regit actum” – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. A regra, é que se aplique a lei do tempo em que o ato foi praticado, mas como já visto há exceções para melhorar a situação do réu (extratividade). No conflito de leis penais no tempo devem ser resolvidos pelas seguintes regras: a) novatio legis incriminadora – lei posterior incrimina fato que era lícito (cria novo delito) – aplica-se a irretroatividade da lei penal; b) abolitio criminis – lei posterior descriminaliza condutas, que passam a ser atípicas – aplica-se a retroatividade da lei penal, pois beneficia o réu; c) novatio legis in pejus – lei posterior torna mais grave determinado crime – aplica-se a irretroatividade; d) novatio legis in mellius – lei posterior beneficia de algum modo o agente – retroatividade da lei penal. Retroatividade da lei penal benéfica – a lei penal em regra não pode retroagir, entretanto, é permitido que a lei penal mais benéfica para réu atinja fatos anteriores à sua vigência. Alei penal que favoreça o réu aplica-se a fatos anteriores, mesmo que decididos em sentença penal condenatória transitada em julgado. Lembre-se que as leis processuais penais são aplicadas de imediato e não seguem essa regra. Lei excepcional e lei temporária – aplica-se a ultratividade – são aplicadas aos atos praticados durante a sua vigência, desta forma são ultrativas, pois produzem efeitos mesmo após a sua vigência. Se o fato foi cometido quando a lei estava valendo, após cessados os efeitos da lei, esse fato deve ser punido do mesmo jeito. Norma penal em Branco – em regra, a revogação do complemento da norma penal em branco opera efeitos retroativos quando o complemento não apresenta características de temporariedade e excepcionalidade. Tempo do Crime – O CPB adotou a TEORIA DA ATIVIDADE - nele está descrito “considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o resultado”. LEMBRETE: TEMPO DO CRIME (TEORIA DA ATIVIDADE); LUGAR DO CRIME (TEORIA DA UBIQUIDADE); FORO COMPETENTE (TEORIA DO RESULTADO). LEI PENAL NO ESPAÇO Adota-se no Brasil a teoria da territorialidade temperada. O princípio da territorialidade é a regra, mas há exceções para aplicação da extraterritorialidade. Veja o artigo 5º “ aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras internacionais, ao crime cometido no território nacional”. Extraterritorialidade (art. 7º do CPB) – é a possibilidade de aplicação da lei penal brasileira a fatos criminosos ocorridos no exterior. São princípios da extraterritorialidade: a) princípio da nacionalidade ativa – a lei nacional do autor do crime é aplicada em qualquer lugar que o crime tenha ocorrido; b) princípio da nacionalidade passiva – vítima brasileira, quando a lei nacional tem interesse em punir o crime; c) princípio da defesa real – prevalece a lei referente à nacionalidade do bem jurídico; d) princípio da justiça universal – a gravidade do crime ou natureza da lesão ao bem jurídico justificam a aplicação da pena pela lei nacional, independente de onde tenha sido praticado; e) princípio da representação e da bandeira – a lei nacional aplica-se aos crimes cometidos no estrangeiro em aeronaves e embarcações privadas, desde que não julgados no local do crime. Como esses princípios são aplicados ao Código Penal Brasileiro: a) no art. 7º , I, a, b, c, d, adota-se o princípio da defesa real; b) no art. 7º, II, a, adota-se o princípio da justiça universal; c) no art. 7º, II, b, adota-se o princípio da nacionalidade ativa; d) no art. 7º, II, b adota-se o princípio da nacionalidade ativa; d) no art. 7º, c, adota-se o princípio da representação; e) no art. 7º, § 3º, adota-se o princípio da defesa real ou proteção. Extraterritorialidade pode ser: a) incondicionada (a lei brasileira não exige condições específicas); b) condicionada (a lei brasileira exige determinados requisitos). São requisitos aplicados aos casos de extraterritorialidade condicionada: a) entrada do agente em território nacional; b) o fato ser punível também no país onde ocorreu; c) a lei brasileira classifica o crime como passível de extradição; d) não ter sido o agente absolvido ou não ter cumprido pena no estrangeiro; e) não ter ocorrido perdão ou extinção da punibilidade.

EVOLUÇÃO HISTORICA DO DIREITO

Interpretação e Aplicação da Lei Penal:
Analogia:
É vedado ao juiz a utilização da analogia para punir alguém, porém é permitida a aplicação desta “in bonam partem”.
Lei Penal no Espaço Territorialidade:
a) Regra Geral
A lei brasileira, sem prejuízo de normas internacionais é aplicável em relação aos crimes cometidos no território nacional (art. 5°). locus regit actum
b) Critério da Personalidade: Ninguém, nacional ou estrangeiro, ou mesmo apátrida, residente ou em trânsito no Brasil, poderá subtrair-se à lei penal brasileira, por fatos criminosos aqui praticados. O Genocídio praticado por brasileiro, mesmo no estrangeiro é punido pela lei nacional, porém, a lei das contravenções penais só pune a contravenção praticada em território nacional.
c) Critério do Território Fíctio: Tratando-se de crime a lei brasileira é aplicável também extraterritorialmente. As embarcações e aeronaves públicas ou a serviço do governo são território, bem como as particulares, quando navegando ou sobrevoando o alto-mar.
d) Critério da Universalidade: Sujeitam-se a lei brasileira embora praticados no estrangeiro, desde que seus autores ingressem no território nacional, os crimes que o Brasil por tratado ou convenção (- art. 7°, II, “a”) se obrigou a reprimir e os de que tenha sido agente ou vítima um brasileiro.
e) Critério das Atribuições Funcionais: Existe renúncia da competência jurisdicional nos casos de imunidade diplomática, em que o diplomata infrator fica sujeito às leis do país de origem.
No que tange a imunidade parlamentar (válido a nível federal, Estadual e Municipal), pode ser:
* material ou substantiva: delitos de opinião, imunidade material ou absoluta, pois são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos (art. 53, caput da CF/88)
*formal ou processual: demais delitos, imunidade formal ou relativa, podendo ser processado, desde que obtida a licença da Casa Legislativa (art. 53, § 1° CF/88). O indeferimento da licença suspende o prazo prescricional.
Lei Penal no Tempo:
a) Regra Geral: A Lei Penal incide sobre fatos ocorridos durante a sua vigência (tempus regit actum).
TEMPUS regit actum: é o nome do princípio que rege a aplicação da lei penal no tempo. Enunciado: a Lei Penal incide sobre fatos ocorridos durante a sua vigência.
VIGÊNCIA: é a integração da lei ao ordenamento jurídico. Em regra, corresponde ao período que vai desde sua publicação até sua revogação por outra lei.
b) Exceção:
O CP prevê exceções no que tange as leis autorevogáveis, que dispõem, em seu próprio texto, sobre a sua extinção. Podem ser leis excepcionais e Leis temporárias. Essas leis têm eficácia ultra-ativa (artigo 3º).
c) Critérios de incidência da lei penal no tempo:
- IRRETROATIVIDADE, OU NÃO RETROATIVIDADE: a lei penal não incide sobre fatos ocorridos antes da sua vigência NÃO ULTRA-ATIVIDADE (OU NÃO ULTRATIVIDADE): a lei penal não incide sobre fatos ocorridos depois da sua revogação.
d) Sucessividade das leis penais no tempo:
Identificação do problema: a lei vigente no tempo da infração é revogada por outra (= é sucedida no tempo). Como o fato penal produz efeitos prolongados, é possível que a lei vigente no tempo da sua ocorrência, não seja a mesma da sua condenação, ou da execução da pena. Pergunta-se: qual a Lei Incidente?
Hipóteses de conflito:
LEI NOVA INCRIMINADORA: (a lei posterior cria um tipo até então inexistente no ordenamento jurídico). Novatio legis Incriminadora.
LEI NOVA AGRAVANTE: (a lei posterior que, de qualquer modo, cria situação mais rigorosa ou severa para o autor de um tipo já existente). Lex gravior ou Novatio Legis in Pejus.
Nestas duas hipóteses, aplica-se a regra geral da não retroatividade, decorrente da adoção, pelo Direito Penal, do princípio da reserva legal (artigo 1º do Código Penal), que exige a anterioridade da lei penal incriminadora.
LEI NOVA PERMISSIVA DESCRIMINANTE ( a lei posterior revoga um tipo até então existente, deixando de considerar crime tal fato). Abolitio Criminis.
LEI NOVA PERMISSIVA ATENUANTE (a lei posterior atenua, sem revogar, a situação do agente, diante de um tipo já existente, favorecendo o autor de um tipo). Lex mitior ou Novatio Legis in Mellius.
Nestas duas hipóteses, aplica-se a exceção da retroatividade in mellius, ou retroatividade favorável ou da norma mais benigna. Seria iníquo e inútil punir alguém por fato que lei posterior deixa de considerar crime (artigo 2º, caput c/c CPP - art. 61) ou que, de algum modo, considerou de menor gravidade (artigo 2º, parágrafo único). No caso da Abolitio Criminis extingue-se a punibilidade mesmo depois da coisa julgada, desaparecendo todos os efeitos penais, voltando o agente a ser primário (Deve ser declarada de ofício pelo magistrado) Em ambos os casos, há determinação constitucional (artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal)
LEIS AUTOREVOGÁVEIS: são as que dispõem, em seu próprio texto, sobre a sua extinção. Podem ser leis excepcionais (revogam-se com a cessação das circunstâncias que a determinaram) e leis temporárias (estado de emergência, calamidades, guerras, revoluções, etc., revogam-se tão logo decorra o período da sua duração).
As leis auto revogáveis têm eficácia ultra-ativa (artigo 3º). Mas, obedecendo inteiramente ao princípio tempus regit actum, não incidem sobre fatos ocorridos antes da sua vigência, ou depois da sua revogação. Seus efeitos permanecem dada a excepcionalidade que justificou a sua elaboração (Ex.: Descumprimento de tabela de preços não se apaga com a alteração dos preços - norma penal em branco). Entretanto, se vierem a ser revogadas por outra lei (lei posterior), e se a lei revogadora for favorável ao agente, há retroatividade in mellius. A ultra-atividade somente prevalece se a lei excepcional ou temporária não é sucedida por outra lei favorável.
OBS.: No caso da lei favorece o agente de outra forma (esbarra na coisa julgada)
Teorias Acerca do Tempo do Crime (momento da ocorrência da infração)
* Teoria da atividade - momento da ação ou omissão, isto é, da conduta (adotado pelo nosso Código - art. 4°)
* Teoria do resultado - momento da ocorrência do dano ou causação do prejuízo pretendido pelo autor
* Teoria da ubiqüidade ou mista - o crime é um movimento contínuo, desde a conduta até o resultado; portanto, seu momento pode ser estabelecido, tanto na realização da conduta, quanto na produção do resultado
OBS.: - Na sucessão de várias leis aplica-se a mais benigna.
- Na dúvida sobre qual é a lei mais benigna, aplica-se a requerida pela defesa.
- É possível combinar duas leis para beneficiar o réu? Existem duas corrente, respondendo:
SIM - pois se o juiz pode aplicar as leis como um todo, porque não poderia aplicar partes.
NÃO - pois o juiz ao combinar as leis estaria criando uma lei nova.
Constituição Federal e o Direito Penal:
- Competência exclusiva da União para legislar: art. 22, I;
- no art. 5° a CF/88 assegura como direitos: inviolabilidade do domicílio, proibição de tortura ou tratamento desumano; instituição do júri; legalidade das penas, etc.

O conceito de crime


Preâmbulo
A atitude indisciplinada do legislador ordinário no que tange a incriminação de condutas vem nos alertando sobre a crescente falta de conhecimentos básicos que deveriam instruí-los, não só em termos ciência jurídica e técnica legislativa, como em termos de pesquisa e análise social, capaz de avaliar potenciais conseqüências causais derivadas da legislação criminal, tanto as benéficas como as malévolas.
O presente texto originalmente fazia parte de outro maior, que estudava critérios para a incriminação de condutas. No entanto, por razões editoriais, este foi dividido em dois volumes, ambos publicados no Jus Navigandi, o primeiro cujo título é "O Conceito de Crime", que é aqui elaborado, e um segundo, "Critérios para a Legislação de Condutas", na qual estudamos principalmente instrumentos que levam à incriminação de condutas. A intenção era que, para se compreender os princípios que orientam a atividade legislativa, era primeiro necessário analisar o conceito de crime, ou melhor, como a comunidade jurídica a visualizava.
Evidentemente, um estudo completo sobre critérios para legislação também deveria envolver o estudo minucioso de todas as suas conseqüências, uma atividade tão complexa e ampla que não poderia ser tratada ser relatada um único artigo, por isso, o segundo volume, "Critérios para a Legislação" foi elaborada tendo por base uma leitura social superficial que, por brevidade, não condensamos, mas pressupomos como necessária para a compreensão daquela parte.
Evidentemente, não nos concentramos na legislação civil, mas é certo que o que foi produzido no segundo volume é bastante útil para um posterior trabalho enfocando mais especificamente aquela área, assim como uma análise mais minuciosa das dinâmicas das relações econômicas e sociais, seja esta voltada a legislação civil ou criminal.
Se a intenção do leitor se resume a uma leitura rápida e dinâmica dos critérios, aconselhamos que se leia apenas o volume 2 deste trabalho.

I - Conceito de Crime: formal, material, analítico.
Nesta parte nos preocuparemos com as diferentes conceituações de "crime" (conceito formal, formal, material e analítico de crime), criticando-as quando necessário, tendo sempre em foco as conclusões a serem realizadas no 2 volume.
É importante ressaltar que, antigamente, o Código Criminal de 1830 e o Código Penal de 1890 traziam o conceito de crime. Tal não ocorre na legislação atual, mas, no entanto, embora se diga que a conceituação tenha sido relegada à doutrina, a sua realização mais completa (analítica) é apenas possível através da busca das disposições espalhadas pelo Código.
a)Conceito Formal de Crime
Afirma Damásio de Jesus que este conceito deriva da análise do crime sobre o "aspecto da técnica jurídica, do ponto de vista da lei". Neste sentido, abundam definições: "` Crime é o fato humano contrário à lei´ (Carmignani). ´Crime é qualquer ação legalmente punível.` (Maggiore) ´Crime é toda ação ou omissão proibida pela lei sob ameaça da pena.´ (Fragoso) ´Crime é uma conduta (ação ou omissão contrária ao Direito, a que a lei atribui uma pena.´ (Pimentel)", " ´todo ato ou fato que a lei proíbe sob ameaça de uma pena´ (Bruno), ´o fato ao qual a ordem jurídica associa a pena como legítima conseqüência´(Liszt), ´ação punível: conjunto dos pressupostos da pena´ (Mezger), ´l´azione vietata dal diritto con la minacia della pena´ (Petrocelli)"
Como se percebe, estes significados conceituam o crime através da descrição obtida através de um imperativo legal vigente. Segundo L.A. Machado, esta formulação é "claramente tautológica, a nada conduz. Pode ser, sem ofensa à verdade, reduzida a uma igualdade matemática: o crime é o crime." De fato, sobre o prisma da modernidade, o conceito formal de crime não só é insuficiente e vazio, como claramente dogmático. No entanto, não basta criticá-lo, é necessário demonstrar a sua importância, visto que, em termos, o conceito analítico vem a resgatar um pouco desta dogmática, como será demonstrado mais adiante.
A conceituação formal como uma definição auto-suficiente poderia ser fundamentada através do pensamento normativista, principalmente através de Kelsen e o seu pretenso purismo metodológico. A tentativa normativista de unificar o direito em um bloco monolítico foi um sucesso, no entanto, o mesmo não pode ser dito sobre o esforço de firmar o direito como uma ciência absolutamente autônoma, em atitude típica do modernismo, cujas reflexões tanto ciências quanto nas artes procuravam objetos puros auto-referidos , visto que a existência da insuperável interdisciplinaridade.
Muito embora a função de garantia dos direitos do cidadão (segurança jurídica) já estivesse a muito sedimentada através do princípio da legalidade, e, aliás, com uma doutrina que remonta a vários séculos atrás, foi o normativismo que contribuiu com o seu radicalismo para expurgar da aplicação do direito os valores que externos a este, apesar da segurança jurídica poder ser abalroada de outras maneiras, como leis retroativas, cuja teoria pura do Direito não refuta, mas até explica.
A aparente suficiência de conceitos formais era proveniente da necessidade de certeza, assim como a eliminação da insegurança que atingia os juristas, por isto, nada mais certo e ausente de dúvidas interpretativas que afirmar "crime é crime". Todavia, está clara a tautologia, assim como a impossibilidade de se utilizar deste conceito para desenhar os critérios de orientação da materialidade legislativa, que serão tratados no segundo volume, ao lado dos avanços da hermenêutica de Kelsen.
b)Conceito Puramente Material do Crime
Como afirma o L.A. Machado, "o conceito material busca a essência … do delito, a fixação de limites legislativos à incriminação de condutas". Desta forma, o crime é um "desvalor da vida social" , e, segundo "Garofalo - ´a violação dos sentimentos altruísticos fundamentais de piedade e probidade, na medida média em que se encontram na humanidade civilizada, por meio de ações nocivas à coletividade´ " .
A raiz da valorização destes tipos de conceitos puramente materiais do direito pode ser encontrada através do desenvolvimento de correntes que negavam o direito como uma expressão autônoma, ora o caracterizando como apenas um fato social (sociologismo jurídico), ora como expressão de relações puramente econômicas de repressão (materialismo jurídico), o que castravam do mundo jurídico a sua capacidade de auto-alimentação científica.
Na corrente materialista econômica mais radical (marxismo vulgar), para compreender o fenômeno jurídico, se utiliza uma compreensão sociológica baseada em fatos economicamente valorados, na qual as condições materiais de produção e existência econômica (a infra-estrutura) exerceriam um determinismo sobre a superestrutura, isto é, sobre o plano cultural e psicológico, na qual se insere o estado, o direito, a política, a consciência individual e coletiva, etc. Esta corrente era tão exacerbada que não admitia que a superestrutura influenciasse a infra-estrutura, e, desta forma, o direito adquiria a forma de um "instrumento de dominação do homem pelo homem", refletindo condições concretas de existência puramente econômica.
Evidentemente, esta teoria não era capaz de formular um importante conceito suficiente de crime, já que, se o direito era um instrumento de dominação, não explicava como o crime poderia ser um mal social que poderia afetar toda a sociedade, e não apenas a sua classe dominante. Outro erro era o fato de asseverar que as correntes sociais se constituíam principalmente por interesses econômicos. A expressão mais correta é que as realizações subjetivas podem ser traduzidas e expressas através dos seus equivalentes econômicos, muitas vezes de forma árdua e imprecisa, no entanto, apenas para aferição das conseqüências derivadas de interesses socialmente difundidos e transplantá-los para o da economia desta sociedade, sem resumir ou menosprezar as análises sociais que visualizam as relações sociais sobre outras perspectivas.
Outro problema do materialismo radical é que não explica porque a culpabilidade (juízo de reprovação social) não é menor em casos de crimes contra vida que naqueles furtos e roubos que envolvem valores monetários de enorme valia, que, na teoria, afetam as classes dominantes no seu instrumento básico de poder. No entanto, serve de explicação para o fato do latrocínio possuir uma pena maior que o homicídio e o estupro seguido de morte.
Existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha o nosso vão materialismo radical, e é nesse sentido que o sociologismo jurídico é capaz de superá-lo, quando atribuiu maior relevância a caracterização material do crime fundada em elementos sociais mais complexos. Em contraposição, a sua maior desvantagem é atribuir a sociologia o papel de ciência enciclopédica do ramo cultural, tornando a sociologia como a única ciência social (cultural/humana).
Os juristas que aderiram a esta corrente, para poderem afirmar que o direito constituía ciência, deveriam fazê-lo como uma subdivisão da sociologia. Desta forma, nada mais correto que caracterizar o direito como um fato social, como outro qualquer, cuja análise também deveria ser sociológica. Daí o surgimento do conceito puramente material do crime como algo auto-suficiente, o que precedeu os dogmáticos normativistas neste tipo de orgulho insensato.
É desta doutrina que se origina a afirmativa que o direito é um mero reflexo da sociedade, criado pela simples observação dos fatos sociais e suas relações, negando qualquer abstração independente orientada exclusivamente no plano teórico, já que todas as iniciativas criativas do direito deveriam surgir de outros fatos sociais. Destarte, o crime seria uma ofensa ao corpo social, uma atitude patológica, que abalava a harmonia e a saúde deste organismo, tornando necessária o tratamento (eliminação) da doença.
Seus defeitos são definidos por Machado: "É evidente que, pela sua amplitude conceitual, a definição material de crime tem sabor pré-legislativo, de orientação e parâmetro à liberdade legislativa de criação de delitos... Não presta à formulação dogmática pela sua volatilidade e insegurança conceituais".  No entanto, mesmo como definidor pré-legislativo, o conceito material puro é incompetente, pois resume os crimes aos de dano, perigo e dano presumido (sem comprovação prática), quando, como em caso de alguns crimes de mera desobediência, o sistema penal pode classificar algo como crime apenas por causa da mobilização social que se comove a favor de tal medida, sem que este represente um problema efetivo.
Como será tratado no volume 2, várias condutas são assim proibidas não porque representam ou podem potencialmente representar algum dano, mas por razões de vontade, pura e simples. Na sociedade atual, o surgimento destes crimes ocorre pela proliferação de toda sorte de fobias, terrores, horrores e medos, são gerados pelo constante fluxo de informações realizadas por veículos de informação, cujo interesse primário é de atrair o público com notícias chocantes.
Não obstante, quase todos os autores conceituados, ao definirem o conceito material de crime, sempre trazem ao bojo uma análise material através dos olhos da modernidade, não tratando do conceito material puro justamente por causa da sua instabilidade, instabilidade esta que surge do fato que alguns fatos só são danosos se situados em uma determinada conjuntura, e estas conjunturas modificam rapidamente, assim como o dano potencial destas condutas, que pode mesmo não mais existir; enquanto, por outro lado, o direito penal é dogmático, e a descriminalização de uma conduta não depende de uma modificação social, pura e simples, mas um esforço despendido através do processo legislativo.
Então, atualmente, o conceito de crime não pode ser desvinculado da legislação penal, e uma análise científica da lei deve ser necessariamente destacada como independente do corpo social que lhe deu razão, mesmo que apenas a título de interpretação.
c)Conceito Moderno Material de Crime
Este conceito que foi inaugurado por Rudolf Von Ihering, e baseado neste, autores defendem que crime seria " ´o ato que ofende ou ameaça um bem jurídico tutelado pela lei penal´ ", o que, ao contrário do conceito anterior, vincula a avaliação do que seja socialmente valioso a noção de bem jurídico (valor juridicamente protegido).
Portanto, "crime é, assim, numa definição material, a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena", seria a "infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso" .
Podemos destacar deste discurso dois elementos, a lei penal e o "bem jurídico material" que visa proteger, sabendo que bem jurídico material não só engloba objetos materiais, como abstratos, como os religiosos, morais e psicológicos. Destarte, o problema do conceito material puro é solucionado, no entanto, apesar de representar um avanço em relação ao parâmetro anterior, é apenas com o conceito analítico que podemos extrair de forma mais exata e melhor o conceito de crime. Mesmo assim, é de grande valia o presente conceito para a definição de critérios para incriminação de condutas.
d) Conceito Analítico de Crime
A classificação analítica tem várias vantagens, como demonstra a analogia de Machado: "Ainda que, formalmente, a água seja água e, materialmente, seja um líquido insípido, inodoro e incolor que serve para, entre outras coisas, saciar a sede, analiticamente a sua composição é H2O."
Preliminarmente, disciplina Fragoso que "a expressão ´elemento´ é inadequada, pois dá a idéia de partes simples de um composto. Seria mais adequado falar em ´características´ ou em ´requisitos´ ", embora este mesmo autor admita que esta questão não afete a "essência das coisas".
Existem duas formas de classificação analítica do crime. Embora a primeira classificação (bipartida) não seja mais aceita pela doutrina, reservaremos a esta algum espaço, assim como para a corrente dominante, que é a conceituação tripartida .
A concepção bipartida define o crime através de dois critérios: o subjetivo e o objetivo, quer dizer a força moral e a força física, "na força moral teríamos a culpabilidade (vontade inteligente) e o dano moral do delito, constituído pela intimidação (dano imediato) e pelo mau exemplo que o delito apresenta; na força física teríamos a ação com que o agente executa o desígnio malvado e o dano material do delito".
Porém, é pacífica a caracterização analítica do crime da forma tripartida, como uma ação ou omissão típica, antijurídica  e culpável. No entanto, disciplina Magalhães Noronha que, "com segurança escreve Hungria que um fato pode ser típico, antijurídico, culpado e ameaçado com pena ("in thesi"), isto é, criminoso, e, no entanto, anormalmente deixar de acarretar a efetiva imposição de pena, como nas causas pessoais de exclusão da pena (eximentes, escusas absolutórias), tal qual se dá no furto familiar (art. 181, I e II) e no favorecimento pessoal (art. 348, §2º), nas causas de extinção da punibilidade nas extintivas condicionais (livramento condicional e "sursis"), em que não há aplicação de pena, mas o crime permanece".
Enquanto a ação é atividade, a omissão seria a falta de ação, falta que é uma transgressão a uma expectativa jurídica sobre um ato considerado imperativo e necessário. A conduta típica seria a correspondência entre o fato concreto e o modelo abstrato (previsão legislativa), a ilicitude (antijuridicidade) é a característica deste ato, que é juridicamente proibida, (sempre que a conduta é típica e não estão presentes os excludentes de ilicitude, quer dizer, a legítima defesa, o estado de necessidade e o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito, conforme art. 19 do Código Penal).
Já a culpabilidade seria o juízo de reprovação social sobre a ação ou omissão, pois, quando era esperado que o sujeito tomasse uma determinada atitude, toma outra proibida em seu lugar. Todavia, a conduta, apesar de ser vedada pelo ordenamento, não é reprovável quando o sujeito não é imputável, quando não tem potencial consciência da ilicitude ou quando dele não se poderia exigir do indivíduo conduta diversa.
Parte bastante recessiva da doutrina diverge do aqui estabelecido, fixando que o conceito de crime é constituído apenas de uma conduta ilegal e culpável, já que a conduta ilegal é necessariamente típica. Outros acreditam que a culpabilidade é pressuposto da pena, e não do crime. Como podemos perceber, nos baseamos na doutrina dominante para trabalhar esta parte.
Baseada nesta caracterização analítica, afirma Fragoso que "é feliz a expressão que alguns autores empregam, segundo a qual, se se concebe o crime como um prisma, seus componentes devem ser representados por suas faces e não como suas partes" .
e) Conclusão
A conceituação do crime foi delongada porque esta definição é a mais importante do Direito Penal. É o conceito chave deste ramo do direito, que, segundo alguns autores, deveria ser chamado de "Direito Criminal", e não "Penal".
Embora se tenha valorado cada uma destas definições como completas ou incompletas, todas são importantes. Apesar disto, alguns autores se esforçaram para concretizar uma conceituação mais definitiva do crime, algo que o jurista Damásio parece ter tentado ao desenvolver o critério "formal, material e sintomático do crime", que "visa o aspecto formal e material do delito, incluindo na conceituação a personalidade do agente. Ranieri, sob esse aspecto, define o delito como ´fato humano tipicamente previsto por norma jurídica sancionada mediante pena em sentido estrito (pena criminal), lesivo ou perigoso para bens ou interesses considerados merecedores da mais enérgica tutela´, constituindo ´expressão reprovável da personalidade do agente, tal como se revela no momento de sua realização´ (Dirito Penale - Parte Generale, Milão, 1945, pág. 79) " .
Todavia, não concordamos com este tipo de definição, pois não observa que a distinção entre os diferentes conceitos é uma forma de destacar que o direito pode e deve ser avaliado sobre múltiplas perspectivas e ângulos, que muitas vezes são complementares entre si.
Alguns acentuam que o crime não é o fato em si, como postula Machado, já que o fato é a conseqüência do ato/omissão criminosa, sendo que esta conseqüência não é sempre necessária para a caracterização da atitude criminosa. No entanto, segundo doutrina dominante, esta separação de fato e ato não é procedente, pelo menos não da forma como foi realizada pelo autor mencionado. Melhor caracterização nos traz Heleno Fragoso: "O crime é, sem dúvida, fato jurídico. Fato jurídico é designação genérica de todo acontecimento relevante para o direito, provocando o nascimento, a modificação ou extinção de uma relação jurídica. Fatos jurídicos dividem-se em fatos naturais (ou fatos jurídicos em sentido estrito) e fatos voluntários (ou atos jurídicos). Aqueles são fatos da natureza, como o nascimento ou a morte. Estes são condutas voluntárias, que influem sobre relações jurídicas. Os fatos voluntários (ou atos jurídicos) subdividem-se em duas grandes categorias, a dos atos lícitos e a dos atos ilícitos. Os atos lícitos são atos praticados de acordo com o direito e podem ser declarações de vontade dirigidas a produzir efeitos jurídicos (negócios jurídicos) ou ações, positivas ou negativas, que produzem efeitos jurídicos, sem serem dirigidas a produzi-los."
Assim, a Ciência Penal se torna principalmente o estudo jurídico dos atos ilícitos, que são fatos em sentido amplo . A definição do crime é tão importante que tem serventia para o desenvolvimento de inúmeros outros conceitos, como por exemplo, a determinação do objeto do crime (jurídico formal, jurídico substancial e material), a diferença entre os ilícitos civis e os ilícitos penais e etc.