Autor: Thiago Pellegrini Valverde
INTRODUÇÃO
Em Direito, especialmente em Direito Penal Processual Penal, vige o princípio tempus regit actum. Esse brocardo latino significa para nosso ordenamento jurídico que, em geral, a lei rege os fatos praticados durante sua vigência. A lei não pode alcançar fatos ocorridos anteriormente ao início de sua vigência, nem ser aplicada àqueles ocorridos após sua revogação.
Júlio Fabbrini MIRABETE esclarece que, apesar da disposição do princípio tempus regit actum, por disposição expressa do próprio Código Penal Brasileiro, “é possível a ocorrência da retroatividade e da ultratividade da lei”. Por retroatividade podemos entender o fenômeno jurídico aplica-se uma norma a fato ocorrido antes do início da vigência da nova lei. Por retroatividade podemos entender o fenômeno jurídico pelo qual há a aplicação da norma após a sua revogação.
*Thiago Pellegrini Valverde é advogado. Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela Unimes/Santos. Professor de Ética Jurídica, Direito Constitucional e Direito Penal em Cursos Preparatórios para Exame de Ordem. Membro da Comissão de Assistência Judiciária da OAB/SP – Subsecção Santo André .
A retroatividade e a ultratividade são, portanto, fenômenos que excepcionam o princípio da irretroatividade. MAGALHÃES NORONHA explica que é o próprio Diploma Penal que estabelece a exceção: “a lei penal que beneficiar o acusado (lex mitior) retroage”.
A Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso XL, preceitua que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Percebemos que a Lei das leis instituiu o princípio da irretroatividade das leis, mas também salvaguardou as hipóteses em que sejam os réus beneficiados por uma lei que, a princípio, não poderia retroagir. O art. 1º do Código Penal Brasileiro declara o princípio da anterioridade da lei penal, ao estabelecer que não há crime ou pena sem lei anterior, mas o parágrafo único do art. 2º do CP, no esteio constitucional, também previu a hipótese da retroatividade da lei penal benigna (lex mitior), ou seja, aquela que de, uma forma ou outra venha a beneficiar o acusado ou o réu.
Bem explicita MIRABETE, ao ensinar que: “... havendo conflito de leis penais com o surgimento de novos preceitos jurídicos após a prática do fato delituoso, será aplicada sempre a lei mais favorável”.
A solução buscada ao ocorrer o conflito de leis penais no tempo (mais comum do que se possa imaginar) é alcançada a partir das seguintes hipóteses: novatio legis incriminadora; abolitio criminis; novatio legis in pejus e novatio legis in mellius, a seguir esmiuçadas.
I. NOVATIO LEGIS INCRIMINADORA
É a hipótese da lei nova que vem a tornar fato anteriormente não incriminado pelo direito penal como fato incriminado, como fato típico. A lei nova que incrimine o praticante de fato que ao tempo da prática não era típico, não poderá ser aplicada, pois é irretroativa. Ao tempo da prática, determinado fato não era considerado crime pelo Direito. Concluímos que a conduta não era socialmente nem legalmente reprovável. Isso premia o princípio da segurança nas relações jurídicas a nosso ver.
II. ABOLITIO CRIMINIS
Ocorre o fenômeno da abolitio criminis (recentemente verificado com a promulgação da Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005, que remodelou bastante o Capítulo VI do Código Penal – Dos Crimes Contra os Costumes, e aboliu os crimes de sedução, rapto e adultério), sempre que uma lei nova deixa de incriminar fato anteriormente considerado um ilícito penal. É agraciado pelo artigo 2º, “caput’ do CP.
MIRABETE ensina que se trata de aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benigna. O Estado, exclusivo detentor do ius puniendi, se desinteressa na punição de determinado fato. Por isso, a abolitio criminis retroage, alcançando o autor de determinado fato, anteriormente tido como típico. Esse deverá ser posto em liberdade (se preso) e sua folha de antecedentes criminais liberta do fato não mais considerado delituoso. O delito desaparece, juntamente com todos os seus reflexos penais (persistem os cíveis).
III. NOVATIO LEGIS IN PEJUS
O fenômeno jurídico da novatio legis in pejus refere-se à lei nova mais severa do que a anterior. Ante o princípio da retroatividade da lei penal benigna, a novatio legis in pejus não tem aplicação na esfera penal brasileira.
Conforme ensina, mais uma vez, MIRABETE:
“nessa situação (novatio legis in pejus) estão as leis posteriores em que se comina pena mais grave em qualidade (reclusão em vez de detenção, por exemplo) ou quantidade (de 02 a 08 anos, em vez de 01 a 04, por exemplo); se acrescentam circunstâncias qualificadoras ou agravantes não previstas anteriormente; se eliminam atenuantes ou causas de extinção da punibilidade; se exigem mais requisitos para a concessão de benefícios, etc.”. (grifos nossos)
Dentre esses preceitos, podemos acrescentar que, as medidas de segurança também se encontram abarcadas. Medidas que majorem ou agravem as medidas de segurança também não podem retroagir para alcançar fatos pretéritos. As regras sobre medida de segurança são também leis penais.
IV. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS
É a lei nova mais favorável que a anterior. Essa tem plena aplicação no Direito Penal Brasileiro, prevista pelo Código Penal, em seu artigo 2º, parágrafo único e pela Magna Carta, em seu artigo 5º, XL. Vale dizer que, não importa o modo pelo qual a lei nova favoreça o agente, ela será aplicada a fatos pretéritos a sua entrada em vigor. É a lex mitior. Deverá ser aplicada tanto ao réu em sentido estrito (aquele que está sendo acusado em processo penal) quanto ao réu em sentido lato (sujeito passivo na ação penal, aqueles submetidos à execução de pena e/ou medidas de segurança).
V. COMPETÊNCIA PARA A PALICAÇÃO DA LEI PENAL BENÉFICA
Conforme a Súmula 611 do STF e o artigo 66, I da Lei de Execução Penal, a competência para aplicar a lei penal mais benéfica é do Juiz de Execuções Penais.
VI. LEI PENAL BENÉFICA EM VACATIO LEGIS
Majoritariamente, a doutrina acolhe o entendimento de que a lei penal benéfica em vacatio legis não pode retroagir. Na prática, não há conhecimento de casos que se discutiu tal possibilidade, sendo puramente doutrinário.
VII. LEI INTERMEDIÁRIA
É a lei que não é nem a da data do fato nem a lei da época da sentença. É o caso de vigência de três leis sucessivas, em que se deve aplicar sempre a mais benigna, da seguinte forma: quanto ao fato, ela retroage; quanto à sentença, ela será ultrativa. A posterior será retroativa quanto às anteriores e a antiga será ultrativa em relação às leis que a sucederem.
O julgador não poderá aplicar parte de uma lei e parte de outra, pois, do contrário, estaria legislando, ofendendo o princípio da tripartição dos poderes. Deverá ser aplicada a lei penal mais benéfica sempre, mas por inteiro, a lei toda – este também o entendimento de Guilherme de Souza NUCCI. MIRABETE discorda de tal afirmação, aceitando a combinação de leis penais, acompanhado de Nelson HUNGRIA, José Frederico MARQUES e Basileu GARCIA. A título de informação, o Código Penal Militar proíbe expressamente a conjugação de duas leis para a apuração da maior benignidade (art. 2º, §2º). Entendemos que a combinação de leis, em que pese a maior benignidade ao réu, não é possível, pois seria a criação de uma nova lei, o que é vedado ao julgador. Ofenderia, ademais, a própria ordem constitucional.
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