Por: João Ricardo Alves de Oliveira
O processo, instrumento estatal de composição de litígios, da
mesma forma que a ação deve preencher determinadas condições para que exista,
possui requisitos para que possa ser considerado existente. Mais que isso, além
de sua existência, deve preencher requisitos que permitam o seu desenvolvimento
válido e regular, uma vez que é o instrumento pelo qual o direito de ação é
exercido. Esses requisitos de existência e de validade são chamados de
pressupostos processuais, e se subdividem conforme abaixo:
- Pressupostos processuais de existência: a doutrina elenca dentre os pressupostos
processuais de existência: a petição inicial; juiz regularmente investido na
jurisdição; citação; e, por fim, a capacidade postulatória.
- Pressupostos processuais de validade: a doutrina, em relação aos pressupostos
processuais de desenvolvimento válido do processo, não se restringe a
apontá-los, fazendo também competente divisão destes, em objetivos e
subjetivos. Em relação aos pressupostos de validade objetivos, estes se
subdividem em positivos e negativos. São pressupostos objetivos a competência
absoluta; petição inicial apta; ausência de coisa julgada; ausência de
litispendência; ausência de perempção. Em contrapartida, são pressupostos
subjetivos: juiz imparcial; intimação obrigatória do Ministério Público, quando
deva atuar no feito; ausência de colusão entre as partes etc.
Cumpre observar a questão prática que envolve a subdivisão dos
pressupostos processuais. Com efeito, estes se subdividem em pressupostos de
existência e validade em razão de haver, ante a ausência destes, conseqüências
diversas, a depender justamente de sua natureza jurídica, conforme adiante se
verá. Assim, a título de exemplo, a ausência de pressupostos de existência
leva, por óbvio, à inexistência do processo, ocorrendo apenas um simulacro
deste, e tal vício é corrigido pela ação denominada querella nulitatis
insanable.
2. Pressupostos Processuais de
Existência
2.1. Petição inicial
Em razão do princípio da inércia da jurisdição, que determina o
início do processo, em regra, somente por iniciativa das partes, faz-se
necessária a petição inicial, documento pelo qual o autor invoca a prestação
jurisdicional.A partir da inicial o processo será regido pelo princípio do
impulso oficial. Note-se que a aptidão da inicial, diferente de sua simples
existência, configura pressuposto objetivo positivo de validade. Por fim, em
determinados casos, excepcionalmente previstos em lei, é dado ao juiz, de
ofício, a possibilidade de iniciar relações jurídicas processuais sem que haja
ofensa à inércia da jurisdição, a exemplo da abertura de inventário, declaração
de falência (se não presentes os pressupostos da concordata preventiva), a
execução penal e a concessão de habeas corpus.
2.2. Juiz regularmente investido na
Jurisdição
Com efeito, para que o processo exista, é necessário que seja
proposto perante juiz regularmente investido na jurisdição, pois de nada
adiantaria submeter a lide a um juiz já aposentado, por exemplo, ou a alguém
que não ocupe o cargo de juiz, preenchidas as regras de investidura.
2.3. Citação
A citação torna efetivo o processo existente, como relação angular
entre as partes e mediação do juiz, exercendo a jurisdição, conforme dito.
Todavia, a citação deve ser válida, ou seja, exige que estejam presentes os
seus requisitos intrínsecos (conteúdo mínimo), bem como seus requisitos
extrínsecos (formalidades essenciais), para que efetivamente forme o processo.
2.4. Capacidade processual e capacidade
postulatória
Por capacidade processual entende-se a capacidade de exercício do
direito de invocar o Judiciário para a resolução da lide. É também conhecida
como capacidade de fato, capacidade de exercício, ou legitimatio ad
processum. Como pressuposto da capacidade de exercício, temos a capacidade
de direito, também conhecida como capacidade de aquisição, capacidade de vir a
juízo, ou legitimatio ad causam, deferida a todos aqueles que possuem
personalidade civil, ao menos via de regra. Com efeito, dizemos, via de regra,
porque o Código, de forma a atender princípios tais como o da segurança nas
relações jurídicas, isonomia e inevitabilidade da jurisdição, por vezes,
confere legitimidade ad causam e processual, ativa e passiva, a entes
despersonalizados, tais como as universalidades de bens (massa falida e
espólio) e as sociedades de fato (artigo 12 do Código de Processo Civil).
Abaixo, segue organograma diferenciador das expressões utilizadas
pela doutrina majoritária:
Capacidade
de direito
|
Capacidade
de fato
|
Capacidade
de estar em juízo
|
Capacidade
processual
|
Capacidade
de aquisição de direitos
|
Capacidade
de exercício
|
Legitimatio
ad causam
|
Legitimatio
ad processum
|
Em relação à capacidade postulatória, também inserida pela doutrina
majoritária como pressuposto de existência do processo, em que pese às suas
peculiaridades, esta justifica-se em razão de a lei exigir, em regra, a
interposição de peças processuais por quem possua conhecimentos
técnico-jurídicos, de modo a prestigiar a importante função de advogado,
declarada pelo texto constitucional como função essencial à justiça, e de forma
a possibilitar, em razão de utilização de conhecimentos técnicos, otimização do
instrumento estatal de composição de litígios. Fins de registro, salienta-se
que em determinados casos a lei autoriza o início de processos por atuação
exclusivamente das partes, a exemplo do que ocorre com os juizados especiais,
nas causas de até 20 salários mínimos.
2.5. Conseqüências da ausência de
pressuposto de existência
Os pressupostos de existência, quando ausentes, por óbvio, causam
a inexistência do processo, havendo apenas um simulacro deste. Esse controle é
feito pelo juiz, incidentalmente, no decorrer do feito, e por ser matéria de
ordem pública todos são reconhecíveis de ofício. Todavia, em razão de ser o
representante do Estado-juiz um ser humano, podem ocorrer, e de fato ocorrem,
erros no trâmite, e, por vezes, um processo que sequer deveria existir chega a
seu final, com sentença. Assim, às partes é conferido um instrumento, uma ação
para a correção de tal vício, denominada querella nulitatis insanable.
Essa ação possui natureza declaratória da inexistência do feito, processa-se
perante o juiz de primeiro grau pelo rito ordinário, admitindo, por conseguinte,
ampla dilação probatória, e não se submete a prazo prescricional. Essa última
afirmação talvez seja a mais importante a respeito do instituto. Com efeito,
entendimento jurisprudencial sumulado pelo Pretório Excelso determina que atos
constitucionais, inexistentes, não se convalidam no tempo.
3. Pressupostos Processuais de Validade
Conforme dito, os pressupostos de desenvolvimento válido e regular
do processo são exigidos, pois não basta que o processo exista, uma vez que é o
instrumento pelo qual o direito de ação se desenvolve. Logo, faz-se necessário
que durante toda a marcha, disposições legais e assecuratórias de prerrogativas
que o Estado de Direito confere ao cidadão sejam observadas. Os pressupostos de
validade se subdividem em objetivos e subjetivos. Por sua vez, os pressupostos
de validade objetivos são classificados em positivos e negativos.
a) Positivos (intrínsecos)
São aqueles pressupostos que devem necessariamente ser observados,
no bojo do feito, sob pena de nulidade do processo. São eles:
- Petição inicial apta: conforme dito, a petição inicial é simultaneamente requisito de
existência (bastando que exista), e também pressuposto de validade, pois deve,
em uma segunda análise, assim subdividida somente para fins didáticos, ser apta
a instaurar o feito e prosseguir a marcha, com determinação da citação do réu.
- Competência absoluta: com efeito, só se considera válido um processo quando corra
perante juiz absolutamente competente para o julgamento da lide atribuída
àquele feito, em razão da necessidade de observância do princípio da
eficiência, que atinge todo o Estado. Assim, ao contrário da incompetência
relativa, que se considera sanada quando não argüida, a incompetência absoluta
do juízo contamina o feito de nulidade inafastável, a exemplo de um juiz da
vara da fazenda pública que julga determinada ação de investigação de
paternidade, de competência das varas de família, em regra.
b) Negativos (extrínsecos)
Diz-se pressuposto negativo, pois é a sua inexistência que
determinará a validade do processo. Diz-se extrínseco, pois é observado fora da
relação jurídica processual que se objetiva validade, ou seja, fora destes
autos. Por esses motivos, a doutrina os denomina pressupostos processuais de
validade objetivos negativos. São eles:
- Ausência de coisa julgada: para que o processo se desenvolva validamente, a lide proposta
não deve ter sido definitivamente julgada em seu mérito anteriormente, por isso
é que se exige como pressuposto negativo a ausência de coisa julgada. Define-se
coisa julgada a qualidade dos efeitos de uma sentença tornarem-se imutáveis,
sem possibilidade de mais recurso.
- Ausência de litispendência: verifica-se a litispendência quando duas demandas
idênticas tramitam simultaneamente, mas sem julgamento definitivo, devendo a
demanda proposta em último lugar ser extinta. Assim, para que se considere
válido o processo, deve haver ausência de litispendência, ou seja, ou inexiste,
ou, caso tenha existido, esteja definitivamente liquidada.
- Ausência de perempção: por perempção entende-se a perda do direito de ação conferido ao
autor contumaz, assim considerado aquele que reiteradamente incorre em erro. Quando o autor
deixar que, por erro seu, o processo seja extinto por três vezes sem julgamento
do mérito, a quarta tentativa de ver sua lide julgada não será admitida pelo
Estado-juiz, todavia, tais prerrogativas poderão continuar sendo alegadas em defesa. Para que seja
o processo considerado válido, portanto, não deve ter ocorrido o instituto da
perempção.
3.1. Pressupostos processuais de
validade subjetivos
- Juiz imparcial: para que o processo seja válido deve haver imparcialidade do
juiz, pois é da natureza da Jurisdição Estatal a sua higidez, de forma a
atender ao princípio da igualdade. Existem dois graus, ou formas de
imparcialidade: suspeição e impedimento. Quando verificado um destes vícios
pelas partes, caso não sejam reconhecidos de ofício pelo magistrado do feito,
há a possibilidade de controle incidental deles, por meio de exceções. Após o
fim do processo, o controle será o mesmo de todos os pressupostos processuais
de validade, conforme adiante se verá.
- Intimação obrigatória do Ministério Público, quando deva atuar
no feito: O Ministério
Público deve atuar em determinados casos, conforme expressa disposição legal,
em razão do interesse em litígio ou em razão da qualidade especial de
determinadas partes, a exemplo dos incapazes. Quando não intervir como parte
nestes feitos, deverá atuar como custos legis, expressão latina que
define “fiscal da Lei”, devendo para tanto, ser intimado de todos os atos do
processo. Desse modo, prevê o texto do diploma processual que, quando a lei
determinar a participação obrigatória do Ministério Público, a ausência de usa
intimação contamina o feito de nulidade insanável (artigo 84 do Código de
Processo Civil).
- Ausência de colusão entre as partes: em razão de princípios informadores do
processo, como a probidade e a boa-fé, para que um processo se revista de
validade, é estritamente necessário que ajam as partes com boa-fé, sem o
conluio fraudulento para fraudar a lei ou terceiros, pena de rescisão do
julgado.
4. Conseqüências da Ausência de
Pressupostos de Validade
Os pressupostos processuais de validade, se não verificados, levam
o feito à nulidade absoluta. O controle pode ser realizado pelo juiz mesmo de
ofício, uma vez que este é o senhor do feito. Caso não seja verificada a
irregularidade dos pressupostos antes do trânsito em julgado da sentença, sendo
argüida somente após seu trânsito em julgado, a solução de tal incongruência
será diversa daquela apontada aos pressupostos de existência.
O meio de declaração de nulidade do feito por ausência dos
pressupostos processuais de validade que o código prevê é a ação rescisória.
Por meio desta as partes ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal que
declare nulo o feito em que foi verificado o pretenso vício. Seu prazo de
interposição é de dois anos contados do trânsito em julgado da sentença do
processo irregular. Após o decurso deste lapso, in albis, a decisão não
poderá mais ser modificada, ao menos de acordo com a maioria da doutrina e da
jurisprudência. Nesse caso, ocorrerá o que a doutrina denomina coisa julgada
soberana, uma vez que não será passível de desconstituição por qualquer meio
processual.
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