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sábado, 12 de janeiro de 2013

A DETERMINAÇÃO DA PENA E O SISTEMA TRIFÁSICO

Saiu na Folha da 28/1/11:

A professora de matemática Cristiane Teixeira Barreiras, 33, presa no dia 27 de outubro acusada de manter um relacionamento com uma aluna de 13 anos, foi condenada a 12 anos de prisão por estupro de vulnerável. A decisão é do juiz Alberto Salomão Júnior, da 2ª Vara Criminal de Bangu, no Rio.
Na sentença, o juiz afirma que a acusada não negou ter vivido um relacionamento com a adolescente e que os encontros com a aluna ocorriam em um motel e no carro da professora. Cristiane dava aula numa escola municipal em Realengo.
Segundo o magistrado, ‘a menor reiterou com desenvoltura a prática criminosa’ e chegou a declarar ‘que sentia grande amor pela acusada e pretendia com a mesma viver por toda a vida’.
Na denúncia do Ministério Púbico estadual, Cristiane Barreiras foi acusada de cometer o crime por mais de 20 vezes. A pena para estupro de vulnerável, segundo a nova lei de crimes sexuais, varia de 8 a 15 anos de reclusão.
Na decisão, o juiz ressaltou que ‘a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade da agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima, não autorizam a fixação da pena em patamar superior ao mínimo’. No entanto, justifica que ‘a pena foi aumentada pela metade em função do reiterado e impreciso número de vezes que a conduta delituosa foi cometida’.
A defesa da ré disse que vai recorrer e pedir a pena mínima. ‘Ela é ré primária e confessou o crime. Houve um excesso de pena’, afirmou o advogado Ronaldo Barros


Já usamos esse texto para falar de dois assunto diferentes – estupro de menores e sistemas jurídicos. Hoje vamos usá-lo para falar de um terceiro assunto: a determinação da pena.
Quando um magistrado precisa determinar a pena de um réu, ele faz três análises diferentes, uma depois da outra. É o que os juristas chamam de sistema trifásico de determinação da pena.
Na primeira fase, ele estabelece a pena-base. E como é que ele faz isso? Ele faz isso olhando justamente o que foi citado na matéria: ‘a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade da agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima’. 

O jornalista colocou essas aspas como se fossem as palavras do juiz. Na verdade, ele apenas copiou, palavra por palavra, o artigo 59 de nosso Código Penal, que diz como o juiz deve estabelecer a pena-base de um condenado. Esse é um dos artigos mais conhecidos do direito brasileiro Quem acompanha jornais populares ou programas de TV policias, frequentemente verá o preso entrevistado dizendo que tem ‘um 59 favorável [ou bom]’. Ele também está se referindo a esse artigo, que obriga o magistrado a olhar como o réu e a vítima agiram, e quais as razões e consequências do crime.

Por exemplo, a lei diz que matar alguém (homicídio simples) gera uma pena de 6 a 20 anos. Mas ‘matar alguém’ pode ser matar um ladrão que invadiu sua casa ou matar um pai de família no trabalho porque ele chegou 5 minutos atrasado na reunião. Óbvio que o segundo crime gera uma repulsa muito maior do que o primeiro. Graças aos artigo 59 o juiz vai poder determinar uma pena-base maior para o segundo crime (digamos, 20 anos) do que para o primeiro crime (digamos, 6 anos).

Reparem que na matéria acima o juiz diz que, analisando o artigo 59, ele está convencido de que a professora deve ser condenada à pena mínima possível para aquele crime (“não autorizam a fixação da pena em patamar superior ao mínimo”).

Depois de estabelecida a pena-base, contudo, ele ainda tem duas outras fases: ele ainda precisa checar se houve atenuantes ou agravantes (segunda fase), e, depois disso, se houve causas de diminuição ou aumento da pena (terceira fase). Ou seja, ele vai precisar/poder ajustar a pena-base duas vezes até chegar à pena final.

E foi justamente isso que ele fez na matéria acima. Olhando os elementos do artigo 59, ele determinou que a pena-base seria de 8 anos, mas a pena final foi aumentada para 12 anos porque, segundo o artigo 71, houve o que chamamos de crime continuado, que é quando o agente comete crimes da mesma espécie (no caso acima, estupro de vulnerável) de forma que as condições de tempo, lugar ou maneira de execução indicam que os crimes seguintes são continuação do primeiro. Em outras palavras, embora elas tenham se relacionado dezenas de vezes, o juiz a condenou a apenas um crime (o primeiro estupro) e disse (sem usar essas palavras) que ele achava que o crime havia sido muito pouco grave e por isso a pena-base seria a menor possível (8 anos). Mas, em seguida, ele foi obrigado a aumentar a pena pela metade por causa dos estupros subsequentes que, na opinião dele, eram apenas continuação do primeiro. O crime continuado permite um aumento da pena entre um sexto e dois terços. O magistrado optou pela metade (mais 4 anos).

E reparem que a defesa diz que a pena foi muito alta porque o juiz não levou em consideração nem a primariedade nem a confissão. A primariedade* não não é mencionada pela lei como relevante para a determinação da pena, mas seu contrário (a reincidência) é uma agravante. Já a confissão é uma atenuante, sim, mas apenas quando ela é feita de forma espontânea (ou seja, quando ela admite prontamente que cometeu o crime).

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