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sábado, 12 de janeiro de 2013

ANALOGIA EM DIREITO PENAL

Saiu   na Folha  de 31/10/08:
"A Justiça de MT determinou medidas de proteção em favor de um engenheiro agrônomo de 46 anos, de Cuiabá, que pediu a aplicação, por analogia, da Lei Maria da Penha -que pune com prisão a violência doméstica contra a mulher.
O juiz Mário Roberto Kono de Oliveira, responsável pela decisão, disse que, em número consideravelmente menor, há homens vítimas de violência praticada por mulheres. Nesses casos, não há previsão legal de punições, o que justifica a aplicação, por analogia, da Lei Maria da Penha.
Em seu artigo 22, a lei federal determina que o juiz pode aplicar "medidas protetivas de urgência" contra o agressor quando constatada "prática de violência doméstica e familiar contra a mulher".Entre as "medidas protetivas de urgência" determinadas, está a de que a mulher mantenha ao menos 500 metros de distância do engenheiro e que não tente fazer nenhum tipo de contato com ele, podendo ser presa caso descumpra a ordem judicial."Não é vergonha nenhuma o homem recorrer ao Poder Judiciário para fazer cessar as agressões da qual vem sendo vítima", afirmou Oliveira na decisão, divulgada anteontem."
Do ponto de vista jurídico, essa é uma questão muito interessante. O legislador brasileiro teima em elaborar leis machistas ou feministas sem pensar nas suas consequencias praticas. A lei acima é um exemplo disso. A lei de fato não aborda a possibilidade de um homem ser a vítima de violência doméstica, mas na prática existem homems que são vítimas de violência.

Um principio básico do direito penal é que não se usa a analogia para prejudicar o reu. É um princípio democrático para evitar que as pessoas vivam sob a sombra do medo de se tornarem vítimas de punições por analogia. Dessa forma, se a lei diz que alguém será punido por tomar sorvete, o magistrado não pode punir alguem que resolveu chupar picole baseado na analogia que picole e sorvete são ambos gelados e logo estão abrangidos pela mesma proibição. A lei penal deve ser sempre clara a respeito do que ela deseja punir. Na dúvida, a analogia pode ser utilizada a favor de quem sera punido, não contra. Existem milhares de exemplos práticos. Para que alguem seja condenado por roubo é necessário que haja a violência ou grave ameaça. Se não houve nem violência nem grave ameaça, o magistrado não pode usar uma interpretação analógica e dizer que o objeto ainda assim foi subtraído e, portanto, houve o roubo. É por isso que o legislador teve que criar um outro crime – o furto – para punir os casos em que não há violência ou grave ameaça. Caso contrário, o batedor de carteira não seria punível, ja que ele não agiu com violência ou ameaçou.
Essa necessidade de adequação absoluta entre a lei e o fato é o que muitos juristas chamam de princípio da mão e da luva: a luva (a descrição abstrata da ação que existe na lei) deve adequar-se perfeitamente à mão (o fato real ocorrido e sob julgamento). Se sobrar ou faltar um dedo, não houve essa adequação.
No caso da matéria acima, faltou um dedo na luva: a lei só fala de mulher como vítima, e não de homem.
O problema do magistrado na matéria acima é que ele precisou resolver a questão prática – o risco ao qual estava submetido a vítima da violência – embora o legislador tenha falhado em sua obrigação de pensar holisticamente antes de aprovar a lei. Por isso a interpretação que o magistrado deu foi muito inteligente: ele interpretou que a ordem para que Fulana não se aproxime de seu ex-marido não é uma punição à agressora (o que seria direito penal e, como vimos, punir por analogia seria inconstitucional), mas uma proteção à vítima (o que é enquadrado como direito processual ou civil, e, portanto, caberia interpretação por analogia).

http://direito.folha.uol.com.br/

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