Saiu folha de 6de janeiro de 2013:
Com a retomada dos trabalhos do Congresso em fevereiro, senadores, deputados e especialistas discutirão importantes mudanças em mais de um terço dos 17 principais códigos legais brasileiros. O mais antigo entre os seis que podem ser alterados mantém até hoje dispositivos da época de dom Pedro 2º. Trata-se do Código Comercial, de 1850, que ainda cita prerrogativas a embarcações dos 'súditos do Império'. A ideia é negociar sua modernização, permitindo, por exemplo, que toda a documentação empresarial seja mantida em meio eletrônico, dispensando o uso de papel. A revisão também atingirá os códigos Penal, de Processo Penal, de Processo Civil, de Direito do Consumidor e Eleitoral. Repletas de polêmicas, as propostas ainda esbarram na falta de consenso. A que está há mais tempo em discussão no Congresso - desde 2008 - é a do Código de Processo Penal, que define regras para investigar e processar alguém por crimes previstos na legislação penal” Se compararmos com alguns outros países, veremos que a vasta maioria de nossas leis são muito recentes. Mesmo quando comparamos com países como EUA.
A reação natural é culpar maus legisladores. É bem verdade que boa parte de nossas leis antiquadas se tornam antiquadas justamente porque nossos legisladores não pensaram a longo prazo. Ou, pior, porque elas já nasceram inadequadas para uma aplicação eficiente. Às vezes por despreparo de nossos parlamentares, às vezes por desinteresse, às vezes por falta de pesquisa, às vezes intencionalmente.
Mas há uma outra razão importante. Usamos no Brasil o que os juristas chamam de sistema codificado, enquanto países como EUA, Índia, Inglaterra e Austrália usam o sistema jurisprudencial.
No sistema codificado (chamado de ‘civil code’, em inglês), a fonte de leis é a norma aprovada pelo parlamento. No sistema jurisprudencial (chamado ‘common law’, em inglês), a fonte das leis são decisões passadas de outros juízes. Isso significa que quando o magistrado brasileiro precisa decidir um caso, ele precisa abrir um código, lei, decreto, Constituição etc e tentar aplicar tais leis ao caso que está julgando. Ou seja, as leis precisam prever todas as hipóteses de aplicação futura. É como se o legislador precisasse mover suas peças em um jogo de xadrez agora, enquanto seu adversário (a realidade) só dirá quais são seus movimentos no futuro. Se no futuro o adversário (realidade) fizer um movimento que o legislador não previu, as leis que ele aprovou hoje serão inúteis àquele caso.
A reação natural é culpar maus legisladores. É bem verdade que boa parte de nossas leis antiquadas se tornam antiquadas justamente porque nossos legisladores não pensaram a longo prazo. Ou, pior, porque elas já nasceram inadequadas para uma aplicação eficiente. Às vezes por despreparo de nossos parlamentares, às vezes por desinteresse, às vezes por falta de pesquisa, às vezes intencionalmente.
Mas há uma outra razão importante. Usamos no Brasil o que os juristas chamam de sistema codificado, enquanto países como EUA, Índia, Inglaterra e Austrália usam o sistema jurisprudencial.
No sistema codificado (chamado de ‘civil code’, em inglês), a fonte de leis é a norma aprovada pelo parlamento. No sistema jurisprudencial (chamado ‘common law’, em inglês), a fonte das leis são decisões passadas de outros juízes. Isso significa que quando o magistrado brasileiro precisa decidir um caso, ele precisa abrir um código, lei, decreto, Constituição etc e tentar aplicar tais leis ao caso que está julgando. Ou seja, as leis precisam prever todas as hipóteses de aplicação futura. É como se o legislador precisasse mover suas peças em um jogo de xadrez agora, enquanto seu adversário (a realidade) só dirá quais são seus movimentos no futuro. Se no futuro o adversário (realidade) fizer um movimento que o legislador não previu, as leis que ele aprovou hoje serão inúteis àquele caso.
Já no sistema jurisprudencial, se o caso atual é essencialmente idêntico a um caso que já foi julgado, o magistrado decidirá como o seu predecessor (é por isso que em filmes americanos você sempre vê advogados, Ministério Público e juízes citando casos antigos). Mas se o caso é novo, o magistrado terá duas alternativas à sua disposição:
Primeiro, estender a aplicação de casos anteriores. Por exemplo, se no caso antigo seu predecessor disse que sua decisão se aplicava a carros, ônibus e embarcações, no novo caso o magistrado pode dizer ‘o que aquele juiz decidiu é que se aplica a todos os veículos, mesmo aviões, que não haviam sido inventados na época daquele julgamento’.
E, segundo, ele pode buscar ou formular novos princípios, que se tornarão regras para futuros magistrados. Por outro lado, se ele se depara com um caso parecido com um caso anterior, mas ele discorda da decisão do caso anterior, ele terá duas opções:
Primeiro, ele poderá aplicar, contra sua vontade, a regra pela decisão anterior, mas deixar aberta a possibilidade de apelação, possibilitando que uma corte superior reverta o precedente criado pela decisão antiga.
Segundo, ele pode encontrar alguma pequena diferença entre o caso anterior e o caso atual para divergir e criar uma nova regra para o caso atual. No exemplo acima, se ele não quer que a regra do caso anterior seja aplicável ao caso atual, ele pode dizer que aquela decisão antiga é aplicável apenas a veículos que se locomovam predominantemente em contato com a terra ou a água, mas não com o ar, que ela não se aplica a veículos que não usam turbina, ou que ela não se aplica a veículos que atinjam velocidade média acima de 300km/h.
Segundo, ele pode encontrar alguma pequena diferença entre o caso anterior e o caso atual para divergir e criar uma nova regra para o caso atual. No exemplo acima, se ele não quer que a regra do caso anterior seja aplicável ao caso atual, ele pode dizer que aquela decisão antiga é aplicável apenas a veículos que se locomovam predominantemente em contato com a terra ou a água, mas não com o ar, que ela não se aplica a veículos que não usam turbina, ou que ela não se aplica a veículos que atinjam velocidade média acima de 300km/h.
Já nos países que usam o sistema codificado, essa flexibilidade é muito mais restrita e os magistrados ficam restritos às normas promulgadas pelo legislativo, embora, as próprias normas autorizam o uso de outras fontes legais. Mas se a própria norma autoriza um magistrado a usar, por exemplo, princípios gerais, por que eles raramente os usam? As duas razões apontadas com mais frequência por quem pesquisa o assunto são cultura (as faculdades não preparam nossos juristas para usarem fontes alternativas de direito) e receio (por essas fontes alternativas serem mais subjetivas, temem ter suas decisões revertidas por instâncias superiores e com isso afetarem suas próprias carreiras).
Mas os países jurisprudenciais também têm leis. E para que elas servem?
Para três coisas:
Primeiro, porque os juízes só criaram precedentes porque não havia lei. Se uma lei é promulgada, ela passa a ter mais força que o precedente. Logo, se o parlamento acha que é hora de mudar as regras, ele não precisa esperar que um caso concreto ocorra. Ele pode simplesmente promulgar uma lei que precisará ser seguida por todos os magistrados dali para frente. Isso é especialmente útil se os magistrados nas cortes superiores têm se mostrado reticentes em mudar as jurisprudências criadas por cortes inferiores.
Segundo, porque às vezes o parlamento não quer esperar que um problema surja para ver como o Judiciário irá julgá-lo. É uma espécie de fogo preventivo. É melhor, por exemplo, estabelecer regras de segurança para aeronaves hoje em vez de esperar que haja um acidente e ver como os magistrados lidarão com o assunto.
Segundo, porque às vezes o parlamento não quer esperar que um problema surja para ver como o Judiciário irá julgá-lo. É uma espécie de fogo preventivo. É melhor, por exemplo, estabelecer regras de segurança para aeronaves hoje em vez de esperar que haja um acidente e ver como os magistrados lidarão com o assunto.
Por fim, e ligado ao ponto anterior, para estabelecer regras de conduta para a sociedade. As leis não servem apenas para punir: elas servem para dizer às pessoas (públicas e privadas, físicas e jurídicas) o que é ‘conduta aceitável’ e quais são as ‘regras do jogo’.
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