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sábado, 12 de janeiro de 2013

Estrito cumprimento do dever legal e a inexigibilidade de conduta diversa


Saiu na Folha de 14/8/11:
Soldados da Guerrilha do Araguaia (1972-74) reconheceram um coronel aposentado de Belém como sendo o médico de bases militares onde ocorreram torturas e levantam a suspeita de seu envolvimento na morte de guerrilheiras com injeções letais.
Quatro ex-soldados localizados pela Folha identificaram, por foto, Walter da Silva Monteiro, 74, como o médico militar conhecido à época como ‘capitão Walter’ (…)
O coronel da reserva Walter da Silva Monteiro negou ter participado da Guerrilha do Araguaia (…)
Informado dos relatos dos ex-soldados sobre seu envolvimento em mortes por injeção letal, ele respondeu: ‘Você é louco. Nessa época eu tinha 16 anos e nem formado eu era, muito menos militar. Vá se informar direito!’ Mas, de acordo com seu registro eleitoral, em 1972, quando o conflito começou, ele completou 35 anos.
Duas semanas depois, a Folha foi até sua casa, em Belém. Ele não aceitou receber a reportagem.
Em uma rápida conversa pelo interfone de seu prédio, limitou-se a afirmar que no período da guerrilha estava em Belém, e não na região do conflito
.”

Matar alguém é um crime: homicídio. Mas às vezes quem mata não comete um crime. Seja porque agiu em legítima defesa (por exemplo, quem mata o criminoso que iria mata-lo), seja porque estava em um estado de necessidade (por exemplo, quem pega o último colete salva-vidas no barco que está afundando), seja porque estava exercendo sua profissão corretamente (por exemplo, o médico que separa os gêmeos xifópagos sabendo que um deles irá morrer). Todos esse casos são excludentes de ilicitude, ou seja, uma conduta que era ilícita deixa de ser (por isso ‘excludente’) ilícita. Mas existe uma quarta excludente de ilicitude: o estrito cumprimento do dever legal.

Imagine um soldado em uma guerra: ele não será julgado por homicídio se ele matar o inimigo na frente de batalha. Tampouco o carrasco que aplica a injeção letal no condenado ou que liga a cadeira elétrica.
A razão pela qual essas pessoas não cometeram crime é simples: elas estavam cumprindo seu dever profissional, e seu dever profissional é legal, isto é, entre os deveres profissionais do carrasco está matar o condenado e entre os deveres profissionais do soldado está matar o inimigo durante a guerra. Logo, quando eles estiverem cumprindo esses deveres eles não estarão cometendo crimes, mesmo que a conduta, em teoria, seja aquela de um crime.
Mas isso não quer dizer que essas pessoas possam sair por aí matando. Se o carrasco matar o diretor da penitenciária ou um outro condenado que não aquele condenado à morte (ou mesmo o condenado à morte, mas no momento ou da forma incorreta), ele terá cometido um homicídio.
O dever tem de ser legal, ou seja, previsto em lei.
No caso da matéria acima, por exemplo, ainda que seja um militar, sua ação não se encaixa no ‘estrito dever legal’. Ele pode até ter recebido uma ordem de seu superior hierárquico, mas essa ordem era ilegal, e um soldado, ainda que tenha o dever de subordinação, não pode cumprir ordens claramente ilegais. Quando um soldado recebe uma ordem, ele primeiro se pergunta se essa ordem é legal. Se não for, ele não pode obedecê-la e depois se esconder sob a proteção do cumprimento do dever legal. Ele é responsável por sua ação, e se sua ação é ilegal, ele responde por ela.

Existem dois detalhes importantes aqui:
Primeiro, para que a ordem seja legal, o país precisa ter declarado guerra. Não era o caso acima. E mesmo em uma guerra, não se mata pessoas com injeções letais. Em uma guerra há também mortes ilegais. Por exemplo, matar alguém usando gás ou outros produtos químicos, ou que tenha se rendido, é crime de guerra.

Segundo, às vezes o soldado se vê forçado a fazer algo. É o caso do general que coloca a arma na cabeça dele e diz “ou você mata a vítima ou eu mato você”. Nesse caso existe algo chamado inexigibilidade de conduta diversa, que significa que não se poderia esperar que aquela pessoa agisse de outra forma. Ele sabe que está agindo ilegalmente, mas ele não tem opção.
Um outro caso é quando ele recebe uma ordem e cumpre, mas não sabe que a ordem que recebeu era ilegal. Por exemplo, ele recebe a ordem para prender determinada pessoa mas não sabe que a ordem vinda de seu superior era ilegal.
Ambos os casos estão previstos no artigo 22 de nosso Código Penal, que diz que “se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”. Notem que quem é pundio em ambos os casos é quem deu a ordem e que, no segundo caso, a pessoa só cumpriu a ordem porque não sabia que a ordem era ilegal. Se ele sabia ou suspeitava que a ordem era ilegal, ele não pode alegar que estava cumprindo seu dever hierárquico.

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