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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

DESMISTIFICANDO O ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO

Por Eduardo Viana P. Neves
introdução
Tecnicamente importante distinguirmos erro e ignorância. Nelson Pizzoti Mendes nos dá uma noção exata da distinção, qual seja: ”A ignorância é a ausência total de noção acerca de determinado objeto. Já o erro é o conhecimento falso do objeto” . Portanto, para o autor, o erro seria um estado positivo; já a ignorância um estado negativo.
Partindo desta distinção, formulamos nosso entendimento, a saber: o erro é a falsa representação da realidade; enquanto ignorância é a falta de conhecimento sobre a realidade. Não obstante a diferenciação conceitual dos institutos aqui analisados, constatamos que o Código Penal Brasileiro faz, equivocadamente, uma equiparação entre ambos.
De início, imperioso fixar a seguinte premissa: o erro pode incidir sobre os elementos do tipo, teremos nesta hipótese o erro de tipo; se recair sobre a ilicitude da conduta, há o erro de proibição.
É preciso deixar claro que tais denominações não guardam exata correspondência com os antigos “erro de fato” e “erro de direito”. O primeiro instituto, que era previsto no art. 17 do antigo CP, excluía o dolo e, por via de conseqüência, a culpabilidade, uma vez que naquele momento, coerentemente com a Teoria Causal-naturalista de Von Liszt e Beling que influenciou o legislador penal da época, o dolo encontrava-se situado na culpabilidade.
Quanto ao erro de direito, não havia escusa. Baseado no aforismo “error júris nocet” (como observa Nelson Hungria ao comentar o Código Penal de 1940), seria eventualmente uma atenuante, conforme previa o art. 48 nº III do antigo codex. É de suma importância chamar atenção que naquele momento, qual seja, até o ano de 1984, vigorava a Teoria Unitária do Erro, vale dizer, todo erro recaía na culpabilidade.
Com a reforma de 1984, através da lei nº 7.209, sob a influência evidente de WEZEL – jurista Tudesco – e sob o manto de sua Teoria Finalista, foi alterado o sistema adotado pelo Código Penal dando novo regramento ao erro. A principal modificação foi o deslocamento do dolo e da culpa para a Tipicidade (nos furtamos a tecer maiores divagações, uma vez que não é este o objeto do presente ensaio).
  ERRO DE TIPO
Tipo é a descrição legal abstrata da conduta proibida. Quando o indivíduo pratica um fato e ele se subsume à descrição legal, tem-se o crime, um juízo positivo de tipicidade, surgindo o “ius puniendi” do Estado. Porém, podem ocorrer circunstâncias que, se objetivamente constatadas, excepcionarão o poder de punir do Estado e dentre estas exceções situa-se o erro de tipo.
Esta modalidade de erro está no art. 20, “caput”, do Código Penal. Ocorre, no caso concreto, quando o indivíduo não tem plena consciência do que está fazendo; imagina estar praticando uma conduta lícita, quando, na verdade, está a praticar uma conduta ilícita, mas que, por erro, acredita ser inteiramente lícita.
O erro sobre o fato típico diz respeito ao elemento cognitivo, o dolo, vale dizer, a vontade livre e consciente de praticar o crime, ou assumir o risco de produzi-lo (dolo direto e eventual, respectivamente, CP art. 18, I) .
Por isso, de acordo com o que dispõe o art. 20, caput, do CP, o erro de tipo exclui o dolo e, portanto, a própria tipicidade (como visto, o dolo foi deslocado para Tipicidade de acordo com a Teoria Finalista). Observe não há qualquer mácula à culpabilidade, por força disso, se o erro for vencível, haverá punição por crime culposo, desde que previsto no tipo penal (trata-se de um consectário lógico do Princípio da Excepcionalidade do crime culposo, art. 20, caput, CP, modalidade examinada mais adiante).
3.1. Formas de Erro de Tipo
O Erro de Tipo pode apresentar-se de duas formas: o erro “essencial” e “acidental”.
3.1.1 Erro Essencial
Ocorre o erro essencial quando ele recai sobre elementares, qualificadoras, causas de aumento de pena e agravantes, ficando-as excluídas se o erro foi escusável. Portanto, nesta forma, o agente não tem plena consciência ou nenhuma de que esta praticando um conduta típica.
O erro essencial por sua vez se desdobra em duas modalidades:
a) Escusável ou Invencível – está previsto no art. 20, “caput”, 1.º parte. Verifica-se quando o resultado ocorre, mesmo que o agente tenha praticado toda diligencia necessária, em suma, naquela situação todos agiriam da mesma forma.
Nesta modalidade, ter-se-á por excluído o dolo e também a culpa. Logo, se o erro recai sobre uma elementar, exclui o crime, se recai sobra qualificadora, exclui a qualificadora e assim por diante.
As conseqüências processais são de extrema importância pois, havendo inquérito, deve o membro do “parquet” pedir seu arquivamento e, de outro lado, se houver ação penal deve pedir o trancamento.
b) Vencível ou Inescusável – previsto no art.20, 1º parte, CP. Se dá quando o agente, no caso concreto, em não agindo com a cautela necessária e esperada, acaba atuando abruptamente cometendo o crime que poderia ter sido evitado.
Ocorrendo essa modalidade de erro de tipo, há a exclusão do dolo, porém subsiste a culpa. Portanto o réu responde por crime culposo se existir a modalidade culposa, isso em decorrência do Princípio da excepcionalidade do crime culposo.
Alguns doutrinadores chamam essa modalidade de “culpa imprópria” e, como o próprio nome sugere, ela é excepcional, não seguindo os regramentos da modalidade de “culpa comum”, motivo pelo qual, v.g, admite-se tentativa.
À guisa de exemplo, para que melhor se entenda o erro vencível: tio e sobrinho saem para uma caçada, cansados de esperar pela presa o sobrinho resolve sair para buscar água. Ao retornar, já no crepúsculo vespertino, seu tio acha que se trata da tão aguardada caça e, sem tomar as cautelas necessárias, acaba atirando. Ao se dirigir à suposta presa alveja, percebe que é o sobrinho. Neste caso o tio responde por homicídio culposo.
3.1.2 Erro de Tipo Acidental
O erro acidental, que recai sobre circunstâncias secundárias do crime. Não impede o conhecimento sobre o caráter ilícito da conduta, o que por consectário lógico não obsta a responsabilização do agente, devendo responder pelo crime.
Esse erro possui várias espécies, a saber:
a) Erro sobre o objeto: o agente supõe estar praticando a conduta contra o objeto material que deseja, mas por erro acaba atingindo outro. Ex: uma pessoa querendo furtar um aparelho de televisão que encontra-se em embalagem fechada, entra na loja da vítima, acaba, porém, levando uma máquina de lavar. Observe que o erro do agente é acidental e irrelevante, consoante mencionado supra, respondendo assim pelo crime.
b) Erroin persona“: o agente com sua conduta criminosa visa certa pessoa, mas por erro de representação, acredita ser aquela em que efetivamente deseja atingir. Um exemplo ajuda entender essa espécie: Júnior, atirador de elite, resolve dar cabo na vida de Maria, sua sogra. Para tanto, usa de seus conhecimentos de atirador, esperando que sua sogra passe, como de costume, pelo local onde a aguarda. Então, vem uma mulher com as mesmas características físicas de sua sogra. João prepara sua melhor mira e atira, mas acaba matando Marta, irmã gêmea de Maria, sua sogra.
Observe que não houve falha na execução do delito, apenas ocorreu uma falsa representação da realidade, dado a semelhança física entre as irmãs.
Ocorrendo o erro de pessoa, o agente responde como se tivesse atingindo a pessoa que pretendia e não as que efetivamente atingiu. No exemplo supra citado o agente responde como se tivesse atingido a sogra. Outra não é exegese do art 20, § 3.º CP.
c) Erro na execução ou “aberratio ictus“: ocorre quando o agente por execução imperfeita acaba atingindo um terceiro que, em regra, não fazia parte do seu “animus“. Ex: Júnior, um desastrado, resolve matar seu irmão. Quando este passa pelo local esperado Júnior atira, mas por erro de pontaria, acaba não por atingir seu irmão, mas a namorada deste, que estava ao seu lado.
Havendo resultado único o agente responde por um só crime, mas levando-se em conta as condições pessoa que queria atingir, nesse sentido art. 73 CP.
Porém, pode ocorrer resultado duplo, vale dizer, atingiu dolosamente a pessoa que queria e culposamente um terceiro, neste caso há concurso formal perfeito (ou normal ou próprio), uma vez que não existe desígnios autônomos, devendo ser considerada uma só pena aumentando-se de 1/6 a ½. É o Sistema da Exasperação.
Pode ocorrer, ainda, como afirmamos retro, que esteja no “animus” do agente atingir as duas pessoas, portanto um duplo resultado doloso. Nesta hipótese afirma-se haver desígnios autônomos, devendo então as penas serem somadas, é o Sistema do Cúmulo Material. Tem-se na hipótese manejada o concurso formal impróprio (ou anormal ou imperfeito).
De notar-se que o erro na execução difere do “erro in persona” porque neste, o agente atinge a vítima pensando ser a desejada. Ou seja, há uma falsa representação da realidade. No erro na execução, o agente quer atingir a vítima desejada e sabe que é ela, só que erra na execução, e atinge outra pessoa (vítima alvejada).
d) “aberratio causae“: neste caso o erro recai sobre o nexo causal, é a hipótese do dolo geral. Um exemplo ajuda a compreender: A dá várias facadas em B e, presumindo que esteja morto, atira-o de um precipício, mas B vem a morrer com a queda e não em razão das facadas – nesses casos não haverá exclusão do dolo, punindo-se o autor por crime doloso.
e) Resultado diverso do Pretendido ou “aberratio delicti” – nesta espécie de erro do tipo, o agente quer atingir determinado bem jurídico, mas atinge outro. Ex: Júnior quer atingir a vidraça, mas por erro de pontaria acaba por acertar a cabeça de José. Neste caso o agente só responde por lesões culposas, que absorve a tentativa de dano.
Porém se ocorrer duplo resultado, ou seja, atinge a vidraça e pessoa, o agente responde por crime de dano consumado em concurso formal com crime de lesões corporais culposas, aplicando-se, no momento de aplicação da pena, o sistema da exasperação, já explicado anteriormente e para onde remetemos o leitor.
Por fim, não se pode deixar de mencionar, responde pelo crime o terceiro que determina o erro, na forma do art. 20, § 2º do CP. Colhamos aqui o exemplo dado pelo professor Mirabete, para melhor compreensão da hipótese aventada: “suponha-se que o médico, desejando matar o paciente, entrega à enfermeira uma injeção contendo veneno, afirma que se trata de um anestésico e fez com que ela aplique”. Conclui-se que a enfermeira não agiu dolosamente, mas por um erro que terceiro determinou, neste caso apenas o médico responde pelo crime de homicídio.
  ERRO DE PROIBIÇÃO
Assim dispõe o art. 21, caput, CP: “O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuir a pena de um sexto a um terço”.
É de suma importância que neste instante já tenhamos uma idéia exata da distinção entre a ignorância da lei e ausência de conhecimento da ilicitude, tema que já fora comentado quando da introdução e para onde remetemos o leitor. Faz-se nodal se ter em mente um premissa, qual seja, o que se exige não é uma consciência induvidosa da ilicitude, pôs se assim o fosse, somente os sábios operadores do direito a teriam, o que se exige é uma potencial consciência (ou como afirmava Mezger: “violação paralela na esfera do profano“), que decorre necessariamente do conjunto de valores éticos e morais de cada individuo.
É preciso que isso fique bem claro. Nosso parlamento é uma metralhadora legiferante – basta observar que hoje existem mais de mil tipos penais – o que acarreta, inexoravelmente, uma multiplicidade de leis, diga-se de passo, desprovidas de qualquer cunho técnico, isso para dizer o mínimo. Motivo pelo qual, por vezes, se torna impossível, até para nós operadores do direito, saber o que é permitido ou que é proibido.
O nosso CP, na primeira parte do art. 21 foi fiel a regra de que o desconhecimento da lei não é escusável, ou seja, se o agente desconhece a lei que proíbe abstratamente aquele comportamento, essa ignorância não o exime de responsabilidade. Regra essa que guarda total compatibilidade com o art. 3º LICC, que reza: “a ninguém é dado descumprir a lei alegando que não a conhece”. Até por que, se se pudesse alegar o desconhecimento da lei, para alguém excusar-se da responsabilidade, não haveria possibilidade positiva de aplicação, tantas seriam as desculpas de desconhecimento.
De plano, fixe-se a afirmação que o erro de proibição exclui a culpabilidade, por inexistência de potencial conhecimento de ilicitude. Isto porque o agente atua com vontade dirigida, ou seja, dolo, portanto o primeiro requisito do fato típico encontra-se superado. A solução da questão se dará na culpabilidade. Esta não se aperfeiçoa, uma vez que se pratica o fato por erro quanto a antijuridicidade de sua conduta. Observe que podemos falar em injusto penal, que é o fato já valorado como típico e antijurídico, mas não punível por faltar a culpabilidade.
O erro de proibição se faceta nas seguintes formas: direto, indireto (erro de permissão), ambos denominados de discriminantes. Alguns autores falam em erro mandamental, mas não teceremos comentários sobre eles
O erro de proibição direto recai sobre seu comportamento, o agente acredita sinceramente que sua conduta é lícita. Pense, por exemplo, turista que trazia consigo maconha para consumo próprio, pois em seu país era permitido tal uso.
Por seu turno, o erro de proibição indireto se dá quando o agente supõe que sua ação, ainda que típica, é amparada por alguma excludente de ilicitude pode ocorrer em duas situações, quais sejam: 1. Quando aos limites – o agente pratica o fato porém desconhece seus limites, como por exemplo, João ameaça José, este por sua vez vai à sua casa, pega a arma e mata João. Se enganou, pois pensou que a legítima defesa poderia se dar em relação a mal futuro. Desconhecia José que a referida excludente de ilicitude se refere à agressão atual e iminente. 2. Quanto à existência: o agente supõe presente uma causa que está ausente, à guisa de exemplo pode-se citar o caso de alguém que, sendo credor de outrem, entende que pode ir à casa deste pegar o dinheiro devido, sendo certo que tal atitude configura crime de Exercício arbitrário das próprias razões (art.º 345 CP)
Não se deve olvidar que, apesar de o desconhecimento da lei ser inescusável, é previsto como circunstância atenuante pelo art. 65, II, CP.
AS DESCRIMINANTES PUTATIVAS FÁTICAS
As Descriminantes Putativa Fáticas é um dos temas do nosso direito material onde não há, nem se espera que haja, consenso entre os doutrinadores. Trata-se de modalidade de erro que recai sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação.
Quanto à sua conceituação problemas não há, a grande celeuma que se instala sobre o instituto se refere à sua natureza jurídica. Desse modo, seriam as descriminantes putativas erro de tipo ou erro de proibição?
Algumas teorias tentam solucionar o problema, vejamos algumas:
1- Teoria limitada da culpabilidade: seria erro de tipo permissivo e, por analogia, teria o mesmo tratamento do erro de tipo ( se escusável, há atipicidade; se inescusável, pena do crime culposo);
2- Teoria dos elementos negativos do tipo: seria erro de tipo ( se invencível, atipicidade; se vencível, pena do crime culposo;
3- Teoria extremada da culpabilidade: trata-se de erro de proibição ( se invencível, isenção de pena; se vencível, culpabilidade dolosa atenuada;
4- Teoria do erro orientada às conseqüências: o agente comete um crime doloso quando atua com essa espécie de erro, mas deve sofrer as conseqüências de um crime culposo se evitável o erro porque o desvalor da ação é menor; se inevitável, há isenção de pena.
O CP, em seu art. 20, §1º, preceitua: “é isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo”.
Da leitura do dispositivo conclui-se que a teoria adotada pelo nosso CP foi a Teoria Limitada da Culpabilidade, sendo o erro que incide sobra as Discriminantes Putativas Fáticas erro de tipo: exclui o dolo, por conseguinte, se invencível, a tipicidade; ou, de outro lado, se o erro for vencível, há a possibilidade de punição por crime culposo.
É, pois, um erro sui generis na concepção de Luiz Flávio Gomes e de Cezar Bitencourt, pois para os autores seria um misto de erro de proibição com erro de tipo. Assim sendo, deveria ser tratado em dispositivo autônomo.
A noção de culpa imprópria vem com a teoria causalista (Teoria esta que vigorava no CP de 1940) em explicar este erro. Vejamos: se o pai atira no próprio filho pensando tratar-se de um ladrão, atua imaginando que se encontra albergado pela legítima defesa. Para Hungria “o pai” havia atuado com culpa, pois o dolo era a vontade de praticar um crime e, “in casu”, o pai evidentemente não queria matar o próprio filho; porém, como não se admite tentativa de crime culposo, seria uma culpa “sui generis”, denominada de imprópria.
Não obstante, com o finalismo, e já afirmamos por diversas vezes neste ensaio, o dolo deixou de ser normativo e passou a ser natural, não mais se exigindo a consciência da ilicitude, mas tão somente a consciência e vontade de realização do comportamento típico, o que se amolda perfeitamente ao exemplo acima. Nesta hipóteses, o agente aprecia mal as circunstâncias, atua finalisticamente para a pratica do ato, portanto, é um crime doloso, mas a lei, por questões de política criminal, pune como crime culposo (chamada culpa imprópria ou por equiparação), modalidade tão excepcional, que fugindo de toda regra, admite até a tentativa.
Não obstante todas as afirmações tecidas acima acredito que, em verdade, não há nas Discriminantes Putativas Fáticas um verdadeiro crime doloso, isso por força da Teoria da Congruência, porém, por não ser o escopo do presente trabalho, nos reportamos à opinião supra descrita. Em outra oportunidade, será desenvolvido um trabalho exclusivo sobre a natureza do erro que recai sobre as Discriminantes Putativas Fáticas.

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