Páginas

sábado, 18 de junho de 2011

A EFETIVIDADE DAS TUTELAS JURISDICIONAIS

Autores: Diego Edington Argolo e Gilson Manoel Fonseca Filho
RESUMO
O artigo aborda a titularidade exclusiva que o Estado possui de exercer a jurisdição. Nesse contexto, a tutela jurisdicional aparece como a proteção oferecida ao indivíduo nas relações jurídicas. Discorre, ainda, sobre os tipos de tutelas jurisdicionais existentes, quais sejam, a Ressarcitória, a Inibitória, a Cautelar e a Satisfativa. Utilizando-se da pesquisa bibliográfica e da pesquisa documental, visa estudar os tipos de tutelas jurisdicionais e a aplicabilidade destas na realidade fática processual. Finalmente, indica a importância do processo e as formas como as tutelas são utilizadas nele.

Introdução

A partir do momento em que o homem constituiu sociedade, surgiram também conflitos de interesses individuais decorrentes das colisões dos direitos que cada ser deve possuir. Desse modo, foi necessário se instituírem normas jurídicas que solucionassem os conflitos. A forma de composição dos conflitos evoluiu, e hoje vigora o que chamamos de heterocomposição, ou seja, o Estado chamou para si a responsabilidade de dirimir os litígios, e estes passaram a ser solucionados pelo Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional, mediante a utilização do processo.

A jurisdição pode ser definida como a atividade estatal, aplicada pelo Estado-Juiz com o escopo de pacificar os conflitos existentes, substituindo assim, a vontade das partes. Destarte, a jurisdição ocorre quando o Estado fornece ao jurisdicionado a chamada tutela jurisdicional. Em síntese, a função da jurisdição concerne em preservar o direito material ameaçado, tutelando-o por meio de uma prestação ou tutela jurisdicional.
Nesse sentido, MOREIRA (2000, p.203), sobre o tema afirma que:

Tutelar é conferir proteção. A tutela jurisdicional é prestada por meio do processo. Do ponto de vista de quem postula, é o resultado de um provimento favorável. Se este atende exatamente à necessidade da parte e lhe é ofertado em tempo útil, diz-se que a tutela jurisdicional foi plena. Do ponto de vista do demandado e do ordenamento como um todo, há que se aferir a observância do devido processo lega e das garantias constitucionais do processo e regras processuais decorrentes.

No âmbito do judiciário brasileiro podemos identificar diversas classificações para os tipos de tutelas oferecidas pelo Estado. Quanto ao direito subjetivo, temos as tutelas cível, penal e trabalhista; quanto à natureza do processo e sua finalidade, temos as tutelas declaratória, condenatória, desconstitutiva, constitutiva, mandamental, e a executiva lato sensu; quanto à cognição, tem-se as tutelas as tutelas ressarcitórias e inibitórias. A partir desse pano de fundo e baseados numa pesquisa bibliográfica dos grandes autores da seara processualista civil, bem como no estudo das fontes documentais vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, vislumbramos estudar algumas formas de prestação da tutela jurisdicional brasileira e constatar as suas formas de utilização na prática.

Abordaremos no presente estudo a questão da tutela ressarcitória e a sua conexão com a lesão ao direito subjetivo, relacionando-as às ações condenatórias, que visam restituir o direito lesado ao antigo estado. Outro ponto a ser estudado se refere à tutela inibitória, que age no intuito de evitar a concretização da ameaça sofrida pelo sujeito em seu direito. Finalmente, a tutela cautelar que tem como função específica garantir o resultado útil do processo principal, sendo que não decide o mérito da lide, e a tutela satisfativa que se liga à necessidade de o direito ser efetivado nas relações humanas.

Destacamos também que, considerando a realidade fática do sistema jurisdicional, estas tutelas estudadas atuam num mesmo sentido, ou seja, não se excluem, mas são aliadas na prestação da proteção judicial. Diante do exposto, acreditamos que tal metodologia apresentada ensejará a consecução de estabelecer um panorama das tutelas jurisdicionais existentes e contextualizá-las no ordenamento jurídico brasileiro.

As tutelas ressarcitória e inibitória

A história mostra que, ao longo do tempo, vigeu a idéia do Direito Romano de que a jusrisdição tinha como escopo fundamental a reparação dos danos causados aos direitos subjetivos. Hodiernamente, este conceito se mostra ultrapassado e o ordenamento jurídico brasileiro não mais considera este objetivo da tutela jurisdicional como o mais relevante. Este tipo de tutela recebe a denominação de tutela ressarcitória e visa precipuamente a composição dos danos e o resgate à situação anterior na qual o indivíduo se encontrava.
Podemos destacar outro aspecto que também permeia a tutela ressarcitória, qual seja, o seu teor sancionatório. Esse aspecto ocorre quando a extensão do dano é tão grande que se torna inviável a reparação deste, e por outra via esta reparação também seria insuficiente. Contudo, apesar de a tutela ressarcitória ser aplicada nessas situações supracitadas, percebe-se que o Estado hoje tem se voltado ao oferecimento da proteção objetivando a prevenção das lesões que ocorrem aos direitos. Assim, tem-se a tutela inibitória.
No direito Italiano a tutela de prevenção do ilícito é chamada de inibitória. Aldo Frignani, na obra Enciclopedia del diritto afirma que a tutela inibitória teria por fim permitir a cessação de uma conduta ilícita. A sua finalidade seria a de impedir a continuação, ou mesmo a repetição de uma atividade ilícita. A tutela inibitória tem como fundamento a conservação do direito posto, visando evitar, por conseguinte, a prática e a repetição do ilícito cometido. Destarte, não é necessário que haja dano, nem tampouco a culpa para que esta tutela venha a existir, basta somente a probabilidade, continuação ou repetição de atos que violem direitos. Seu motivo de ser se mostra claro sempre que a proteção dispensada pelas leis, que reconhecem direitos subjetivos, mostra-se precária para evitar lesões, possibilitando a invocação da atuação jurisdicional inibitória, de modo a conferir efetividade à norma de direito material.

Segundo Marinoni (2003, p.36) a tutela jurisdicional tem como objetivo precípuo “(...) prevenir o ilícito, culminando por apresentar-se, assim, como uma tutela anterior à sua prática, e não como uma tutela voltada para o passado, como a tradicional tutela ressarcitória”, e o autor ainda segue dizendo que a ressarcitória difere desta por “(...) na maioria das vezes, substitui o direito originário por um direito de crédito equivalente ao valor do dano verificado e, nesse sentido, tem por escopo apenas garantir a integridade patrimonial dos direitos (...)”.

O que podemos apreender dessa diferenciação exposta é que o reconhecimento das novas possibilidades jurisdicionais, originada, sobretudo, dessa ciência de que a justiça pode sim ter vários campos de atuação, indica uma transformação dos valores da ciência jurídica do secúlo XX. Isso decorre, sobretudo, pela valorização dos valores extra-patrimoniais à Princípios Constitucionais conjugado ao reconhecimento da atuação jurisdicional inibitória, o que lhes conferiram maior efetividade. Afinal, esses valores, agora princípios, em sua consagram direitos que, uma vez violados, não podem ser recuperados. Para corroborar essa idéia, ainda ressaltamos a idéia de que a ação ressarcitória tem caráter eminentemente patrimonialista e individualista, ao passo que a ação inibitória revela preocupação com os direitos não patrimoniais e com normas que estabelecem comportamentos fundamentais para o adequado desenvolvimento da vida social. (MARINONI, 2003).

As tutelas cautelar e satisfativa

Outra questão que merece destaque se relaciona a uma característica que interfere na atuação jurisdicional. Quando se busca a proteção de natureza cautelar, o que se está pleiteando é a prestação, por parte do estado, de uma tutela que vise a garantir que o direito subjetivo objeto de controvérsia possa ser, uma vez que seja reconhecido, plenamente exercitado. A tutela cautelar, pois, tem o condão de ser o instrumento que garante a concretização dos direitos subjetivos, ou seja, visa assegurar, porém não satisfazer.

Em paralelo com essa atuação acautelatória, encontramos a imposição do efetivo reconhecimento do direito e da concessão, ao jurisdicionado, do direito de que ele goza, como se as prestações que decorrem da norma jurídica fossem voluntariamente obedecidas. Em resumo, há a necessidade de o direito ser concretizado no plano das relações humanas. De acordo com essa necessidade surge o conceito de tutela satisfativa.
“Todo direito e, correlativamente, todo dever que grava o sujeito passivo, obrigado a respeitá-lo e cumpri-lo, tem seu núcleo em determinado verbo especial, através do qual é possível identificar a respectiva ação (de direito material) que o realiza.”. A partir de tal argumento, através do qual se pode entender a equiparação do conceito de satisfação de um direito ao que se entende no senso comum, observamos que tal se dará quando for atingida a materialização dos comandos que compõem as normas jurídicas.
Observe-se que a distinção feita entre tutela cautelar e tutela satisfativa não conflitam com as supracitadas tutelas, quais sejam as inibitória e a ressarcitória, devendo-se entender que ambas se complementam, sendo que cada uma abrange um tipo de aspecto da atuação jurisdicional. A partir de uma análise de caso se pode comprovar tal afirmação.
Quando há o arresto de bens de um determinado devedor, com vistas a se impedir que haja qualquer lesão ao direito do credor, garantindo dessa forma o adimplemento do seu crédito, observamos que há a concessão de uma tutela ao mesmo tempo cautelar e inibitória. Em outra situação, quando uma pessoa tenta impedir que uma boate comece a funcionar, tal pessoa busca a obtenção de tutela inibitória e satisfativa, para que haja prevenção de lesão a direito, sendo tal direito, por exemplo, o da não produção de ruídos em área exclusivamente residencial.

Diante o exposto, o tipo de proteção que o jurisdicionado pode querer receber do estado adquire diversas naturezas, sendo analisadas a partir do tipo de provimento passível de conferência. Garantir ou satisfazer a pretensão do particular, inibir a violação da norma ou reparar a lesão ocorrida, são atividades que se complementam e se combinam. Dessa forma, quem se propuser a classificar a atuação jurisdicional deve se munir de especial atenção para que não incorra em confusão de conceitos que se antagonizam ou mesmo na oposição de modos de manifestação da jurisdição que se integram.

Não há dúvida de que o desenvolvimento de novos juízos referentes á jurisdição proporciona seu aprimoramento, tanto no campo hermenêutico quanto no positivo, baseando-se em construções teóricas como as regras procedimentais aqui analisadas, reguladas com o intuito de tornar o processo mais bem aparelhado para a prestação jurisdicional.
Contudo, e não obstante o exposto, observamos que algo mais se faz necessário. O aperfeiçoamento dos procedimentos tem como fundamento necessário a viabilização da pronta atuação estatal, sob pena de seu pronunciamento, ao fim de um longo e tormentoso processo, reste-se inócuo.

Constantemente, observa-se imprescindível que a proteção jurisdicional seja dada em um momento diverso, anterior àquele o qual normalmente se daria, protegendo-se eficazmente os direitos dos particulares. No infinito embate em que o Processo trava com o tempo, sempre no conflito entre celeridade e segurança, vários conceitos vêm sendo produzidos com vistas ao equilíbrio entre esses princípios que, pelo menos aparentemente, parecem inconciliáveis.

Conclusão

O embasamento em novas concepções teóricas representa uma meio eficaz de aperfeiçoamento do Processo, e por conseqüência, da atividade jurisdicional. O desprendimento de certos paradigmas, com o abandono do formalismo e a efetiva plenitude da instrumentalidade do Processo, mostra-se como um meio eficaz de construção de conceitos como esses aqui apresentados, aptos a atribuir a este mesmo Processo, formas de realizar a magnitude da proteção dos direitos subjetivos.

O destrinchamento de conceitos, como o exercício da tutela inibitória da jurisdição, simbolizam grande evolução no intuito de aperfeiçoar os modos de prestação de tutela, delegando ao Estado uma atuação voltada à prevenção de lesões, corroborando dessa forma com a ascendente consagração dos direitos de caráter extra-patrimonial, uma vez que estes quando violados, possuem difícil ou impossível restauração.
Uma vez que a tutela jurisdicional só pode ser manifestada por meio do Processo, é importante que haja sua eficiente administração. Os atos processuais devem transcorrer em um equilíbrio que impeça que questões fundamentais sejam desprezadas. Não basta somente que haja um efetivo controle do tempo do processo, mas também é necessário que se forneça aos jurisdicionados maneiras de ultrapassar os entraves por esse construídos, entraves esses que muitas vezes tornam inútil qualquer tipo de tutela prestada. É nesse ponto que a tutela de urgência se mostra extremamente adequada, pois que traz o benefício do necessário equilíbrio entre celeridade e segurança, mostrando-se eficaz na concessão de uma proteção provisória, sem que se prescinda da necessidade de um processo de cognição que provoque o exaurimento das questões suscitadas.
A construção teórica aqui apresentada, esta a qual foi baseada em consagrados autores do pensamento jurídico atual, objetivou mostrar que a atividade jurisdicional urgente pode se apresentar em quaisquer procedimentos, sem que haja relação de dependência com a natureza da tutela final que se pretende, dessa forma, comprovando-se que sua estruturação teórica não constitui barreira à efetiva realização de seus objetivos. Portanto, mediante o exposto, buscamos, sobretudo, mostrar as formas pelas quais pode se manifestar a jurisdição, enquanto esta cumpridora da função essencial de oferecer a todos uma ampla proteção a seus direitos, seguindo dessa forma o objetivo maior visado pela sociedade, qual seja: a solução justa e eficaz dos conflitos.


Sobre os Autores:
Diego Edington Argolo e Gilson Manoel Fonseca Filho são graduandos em Direito na Universidade Estadual de Santa Cruz

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O político instituído pela simbólica teológica

A perspectiva de Lefort, retomada em parte por Gauchet, é atualmente, senão aceita, ao menos considerada como uma boa base para discussão. Segundo esta perspectiva, a democracia só pode se estabelecer se o religioso e o político forem definitivamente dissociados. Para Lefort, os filósofos pensaram "sob o nome da política os princípios geradores de uma sociedade". Eles incluíram desde então em suas reflexões os fenômenos religiosos. A razão é que o "político e o religioso colocam o pensamento filosófico em presença do simbólico" (Lefort, 1986, p. 261). O filósofo não acredita mais na religião como enunciadora da Revelação. Porém, uma sociedade que se desinteressaria do modo de enunciação do divino como poder instituinte, uma sociedade que esqueceria seu fundamento religioso, viveria, segundo o filósofo, "na ilusão de uma pura imanência a ela mesma e extinguiria de uma só vez o lugar da filosofia" (Lefort, 1986, p. 263). Mas, como diz Lefort, deve-se aprender a ver a instituição através de um simbólico que não corresponda unicamente ao sistema de símbolos religiosos. O poder do político deve poder apoiar-se sobre outra coisa que não seja entidades substanciais como a Lei ou o Saber transcendente. Ele deve poder criar seu próprio sistema de símbolos. A dissociação do religioso e do político é, segundo Lefort, a condição do funcionamento democrático da sociedade. O político, na visão de Lefort, deve ser um "vácuo", e o filósofo político deve aprender a fazer a distinção entre o imaginário (religioso) e o simbólico (que deve instituir o político).

Este plano contém vários pressupostos sobre os quais convém discutir. Os dois primeiros são relativos à repartição do trabalho entre religião e política que deveria ser feita, segundo esta concepção, seguindo a clivagem entre imaginário e simbólico. Este pressuposto nunca é enunciado com precisão, pois se fosse, não teria como ser defendido. Ele é correlato de uma certa sublimação do político que se caracteriza por uma incapacidade de tratar concretamente da vida política. Myriam Revault d'Allonnes acaba de escrever um livro provocante sobre este assunto. O definhamento da política resultaria de uma supervalorização do político. Sendo assim, deveríamos aceitar doravante uma "fragilidade essencial" (Revault d'Allonnes, 1999, p. 19) do político? Não podemos responder esta questão aqui. Mas ela já serve de enquadramento para nossas reflexões sobre o político e o transnacional.
O segundo pressuposto, igualmente insustentável explicitamente, é que o político dentro da democracia pode ficar protegido do imaginário. Na democracia, o político existiria apenas através do uso da razão no espaço público. A compreensão subjetiva mútua que visa este debate contém, na melhor das hipóteses, um ideal de consenso ou de transparência, aparentando-se a um imaginário. Mas a ética da discussão é geralmente elevada ao status de simbólico de tal forma que uma discussão sobre o imaginário dentro da democracia é esquivada.
Geralmente a perspectiva de Castoriadis que, ao contrário da perspectiva "lacaniana", não estabelece um tipo de arranjo normativo entre o imaginário e o simbólico permite avaliar a "instituição" da sociedade sem valorizar demais a ordem do político. Pelo contrário, é conservada a noção de instituinte que supõe uma certa ligação com o sagrado. Esta concepção desaparece no momento em que a política é reduzida a uma retórica de gestão econômica. Estamos assim em presença de uma "retórica sofística" que imita a ciência. "Ela dispõe para isso da análise de sistemas que permite descrever o mundo em termos de 'círculos' e de 'flechas'. Esta organização (círculo) produzirá uma imagem do mundo constituída de círculos e de flechas, imagem que constituirá a trama da linguagem administrativa (chamada 'management')." (Laufer, 1986, p. 200).
Neste texto, partimos da idéia de que dentro da sociedade atual existem vários imaginários políticos e que os movimentos religiosos de tipo pentecostal traduzem esses imaginários uns nos outros (Corten & Mary, 2001). Nesta função de tradução, estes movimentos religiosos contribuem para dar referências de identidade dentro da(s) sociedade(s) que se forma(m) no movimento de transnacionalização. Esta tradução não permite, no entanto, a aparição de um novo idioma político determinando o que é aceitável ou inaceitável, um novo idioma instituinte do político.

DUALISMO DO PODER

Políticos há, que conceptualizam o poder pela absolutização da capacidade.
Nesta conformidade, o poder combateria o poder; o qual, como valor absoluto, de nada dependeria para se exprimir. Não aceitamos esta posição absolutista por ser manifestamente absurda.
Desde a física clássica, onde a sociologia politica moderna foi beber os seus conceitos, se admitem os pares acção – reacção. Entretanto a capacidade, ainda que absoluta, sem o exercício da vontade, não se pode exprimir. Assim, o poder será um produto da capacidade (ou recursos) pela vontade e aqui temos a primeira divisão dual do poder.
Além da intencionalidade consciente do exercício da vontade, tem-se comprovadamente verificado que no âmbito da capacidade, o dualismo permanece, sendo:
Poder a capacidade de criar necessidades e influência a capacidade de satisfazer necessidades Isto é, tem o poder quem castiga, pune, dá com o bastão ou gera sofrimento,...
Tem influência quem recompensa, satisfaz necessidades ou consegue aliviar o sofrimento gerado pelo poder.
O poder é a capacidade de gerar sofrimento e a influência é a capacidade de aliviar o sofrimento.
Esta dualidade conceptual, manifesta em toda a dinâmica do poder, transporta-nos para a antítese da dialéctica social entre os que imprimem sofrimento e necessidades e os que aliviam o sofrimento e satisfazem necessidades sentidas.
Munido de tais conceitos, fácil se torna distinguir os indivíduos, profissões ou grupos sociais que preferem exercer o poder causando danos, sofrimentos e punições, daqueles outros que exercem a influência de aliviar tais sofrimentos.
Esta divisão dual, facilita a prática de, no dia-a-dia, integrar um individuo no grupo dos que exercem o poder ou, pelo contrário, a influência.
A resposta será então adequada á melhor consecução dos objectivos.

DUALISMO DO PODER

Políticos há, que conceptualizam o poder pela absolutização da capacidade.
Nesta conformidade, o poder combateria o poder; o qual, como valor absoluto, de nada dependeria para se exprimir. Não aceitamos esta posição absolutista por ser manifestamente absurda.
Desde a física clássica, onde a sociologia politica moderna foi beber os seus conceitos, se admitem os pares acção – reacção. Entretanto a capacidade, ainda que absoluta, sem o exercício da vontade, não se pode exprimir. Assim, o poder será um produto da capacidade (ou recursos) pela vontade e aqui temos a primeira divisão dual do poder.
Além da intencionalidade consciente do exercício da vontade, tem-se comprovadamente verificado que no âmbito da capacidade, o dualismo permanece, sendo:
Poder a capacidade de criar necessidades e influência a capacidade de satisfazer necessidades Isto é, tem o poder quem castiga, pune, dá com o bastão ou gera sofrimento,...
Tem influência quem recompensa, satisfaz necessidades ou consegue aliviar o sofrimento gerado pelo poder.
O poder é a capacidade de gerar sofrimento e a influência é a capacidade de aliviar o sofrimento.
Esta dualidade conceptual, manifesta em toda a dinâmica do poder, transporta-nos para a antítese da dialéctica social entre os que imprimem sofrimento e necessidades e os que aliviam o sofrimento e satisfazem necessidades sentidas.
Munido de tais conceitos, fácil se torna distinguir os indivíduos, profissões ou grupos sociais que preferem exercer o poder causando danos, sofrimentos e punições, daqueles outros que exercem a influência de aliviar tais sofrimentos.
Esta divisão dual, facilita a prática de, no dia-a-dia, integrar um individuo no grupo dos que exercem o poder ou, pelo contrário, a influência.
A resposta será então adequada á melhor consecução dos objectivos.

AUCTORISTAS E POTESTAS

Mesmo não entrando em tecnicismos, esta distinção que os romanos faziam entre potestas e auctoritas pode ser fundamental, concretamente para os tempos que atravessamos.
Claro: há muitas formas de poder, desde os órgãos de soberania ao poder da moda, e Max Weber, por exemplo, distinguiu vários tipos de poder: legal, carismático, tradicional. Mas, aqui, poderíamos dizer, ainda que simplificando muito, que a potestas - vem de potis, com o significado de senhor de, que exerce o poder sobre - tem a ver com o poder no sentido institucional. Assim, os magistrados têm poder, os presidentes de câmara têm poder, os deputados, os bispos, os ministros, os presidentes de junta de freguesia, os polícias, os pais, os padres, os generais, os professores... têm poder. As sociedades humanas não podem subsistir sem o exercício do poder. Há sempre o poder enquanto domínio para que os grupos possam viver organizadamente e sem violência.
Auctoritas - vem do verbo augere, que significa fazer crescer, aumentar, donde vem também auctor, com o sentido de aquele que faz crescer, aquele que produz e, consequentemente, autor (de uma obra artística ou literária) - significa cumprimento, realização, aquilo que tem autoridade ou constitui prova, o que serve de modelo, e pode ter sentido jurídico, mas, no nosso contexto, tem a ver com excelência pessoal e força intelectual e moral de atracção, de congregação e orientação.
Há, neste quadro, um passo muito significativo do Evangelho segundo São Mateus. Jesus disse- -lhes: "Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores e que os grandes exercem sobre elas o seu poder. Não seja assim entre vós. Pelo contrário, quem entre vós quiser fazer-se grande seja o vosso servo; e quem no meio de vós quiser ser o primeiro seja vosso servo. Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir." Jesus não põe em causa concretamente o poder político, mas quer que os discípulos não adoptem o seu modelo de exercício. Note-se, aliás, que ainda hoje, mesmo no contexto político, os governantes são designados pelo termo "ministro", sendo seu chefe o "primeiro-ministro", que vem do latim minister, que significa servo, aquele que serve.
Neste contexto, percebe-se que potestas e auctoritas deveriam caminhar juntas e entrecruzadas. Quando isso não acontece, surgem inevitavelmente problemas.

ÉTICA E POLÍTICA

No campo da ética, segundo Aristóteles, todos nós queremos ser felizes no sentido mais pleno dessa palavra. Para obter a felicidade, devemos desenvolver e exercer nossas capacidades no interior do convívio social.
Aristóteles acredita que a auto-indulgência e a autoconfiança exagerados criam conflitos com os outros e prejudicam nosso caráter. Contudo, inibir esses sentimentos também seria prejudicial. Vem daí sua célebre doutrina do justo meio, pela qual a virtude é um ponto intermediário entre dois extremos, os quais, por sua vez, constituem vícios ou defeitos de caráter.
Por exemplo, a generosidade é uma virtude que se situa entre o esbanjamento e a mesquinharia. A coragem fica entre a imprudência e a covardia; o amor-próprio, entre a vaidade e a falta de auto-estima, o desprezo por si mesmo. Nesse sentido, a ética aristotélica é uma ética do comedimento, da moderação, do afastamento de todo e qualquer excesso.
Para Aristóteles, é a ética que conduz à política. Segundo o filósofo, governar é permitir aos cidadão viver a vida plena e feliz eticamente alcançada. O Estado, portanto, deve tornar possível o desenvolvimento e a felicidade do indivíduo. Por fim, o indivíduo só pode ser feliz em sociedade, pois o homem é, mais do que um ser social, um animal político - ou seja, que precisa estabelecer relações com outros homens

OS REGIMES POLÍTICOS


Aristóteles, no livro III da Política, faz questão, no entanto, de observar que essas organizações da sociedade política são boas ou más, justas ou injustas, conforme o titular da soberania a exerça para a realização do seu próprio interesse, ou, ao contrário, atue em favor do bem comum de todos os que vivem na pólis. Assim, a forma degenerada de monarquia é a tirania. Na oligarquia, o poder supremo pode pertencer aos melhores cidadãos (aristocracia, de aristoi, os melhores), que agem no interesse do povo, ou então pertencer aos mais ricos, que atuam exclusivamente em seu próprio interesse. Já quanto às democracias, elas podem ser más, quando os pobres, que constituem sempre a maioria do povo, usam do poder supremo em seu exclusivo benefício, ou boas, quando a soberania é exercida em prol do bem comum de todo o povo. Para Aristóteles, esta última era a melhor forma de politéia, e a tirania a pior de todas.
No mundo moderno, por influência da ideologia liberal e no interesse da burguesia, que se tornou classe dominante, estabeleceu-se a distinção (e até mesmo a separação) entre o Estado e a sociedade civil, entre a esfera política e a econômico-social. A noção de regime político foi elaborada com referência exclusivamente à esfera estatal, sem dizer respeito às relações de poder que se estabelecem no seio da sociedade civil. Além disso, as espécies de regime político sofreram importantes alterações.

Admitiu-se, assim, com base na experiência política inglesa iniciada ao final do século XVII (com a Glorious Revolution de 1688), que numa monarquia o monarca exercesse apenas a função de chefe de Estado, sendo o governo constituído por agentes designados pelos parlamentares, eleitos pelo povo. Nesse tipo de monarquia, a chefia do Estado pelo rei pode ter um caráter meramente simbólico, como no Reino Unido, ou comportar o exercício de um poder efetivo, como atualmente na Espanha pela Constituição de 1978. Por isso, essa espécie de monarquia já não é um regime político, mas uma forma de governo (ver a noção neste glossário).
Por outro lado, em lugar das antigas tiranias, o mundo moderno tem tido uma larga experiência de ditaduras. Na república romana, o ditador era um cidadão escolhido pelo senado para exercer, em momento de crise grave que ameaçava a independência de Roma, todos os poderes coercitivos durante um período de tempo curto e improrrogável, findo o qual voltava à condição de cidadão comum. Modernamente, ditador é aquele que, em razão de um golpe de Estado, concentra na sua pessoa todos os poderes políticos, sem qualquer limitação de tempo.
Uma outra mudança importante nessa matéria ocorreu com o repúdio ideológico à noção de oligarquia, mesmo sob a forma aristocrática. Foi uma conseqüência das revoluções do final do século XVIII nos Estados Unidos e na França. Nem por isso, porém, aceitou-se desde logo a democracia, tida inicialmente como um regime sectário de soberania do populacho. Aos poucos, porém, passou-se a admitir a legitimidade do regime democrático, desde que os mecanismos de representação popular, como se verificou um pouco em toda parte, reservassem ao povo um poder meramente simbólico. Com isto, foi possível – e é exatamente o que se vive no Brasil – preservar uma oligarquia efetiva (soberania dos mais ricos), sob a fachada democrática (os principais agentes políticos são eleitos pelo povo). Ressalte-se ainda que se a oligarquia, como salientou Aristóteles, é em princípio o regime político em que o poder supremo pertence aos mais ricos, a história moderna tem conhecido regimes oligárquicos, em que a soberania pertence a um grupo religioso – como no caso do Irã, após a derrubada do xá Reza Pahlevi –, ou à corporação militar, como ocorreu no Brasil entre 1964 e 1984. É um erro, portanto, falar-se em “ditadura militar” para designar esse período da nossa história política. Os generais que ocuparam, então, a presidência da República não exerciam essa função por poder próprio e sim como delegados da corporação militar.

ORIGEM POLÍTICA DA FILOSOFIA

Os filósofos gregos tratavam a política como um valor e não como um simples fato, considerando a existência política como finalidade superior da vida humana, como a vida boa, entendida como racional, feliz e justa, própria dos homens livres. Embora considerem a forma mais alta de vida a do sábio contemplativo, isto é, do filósofo, afirmam que, para os não-filósofos, a vida superior só existe na Cidade justa e, por isso mesmo, o filósofo deve oferecer os conceitos verdadeiros que auxiliem na formulação da melhor política para a Cidade.
Política e Filosofia nasceram na mesma época. Por serem contemporâneas, diz-se que "a Filosofia é filha da polis" e muitos dos primeiros filósofos (os chamados pré-socráticos) foram chefes políticos e legisladores de suas cidades. Por sua origem, a Filosofia não cessou de refletir sobre o fenômeno político, elaborando teorias para explicar sua origem, sua finalidade e suas formas. A esses filósofos devemos a distinção entre poder despótico e poder político.
Os gregos pregavam que a política é o remédio que a razão encontra para a perda da felicidade da comunidade originária. E que a política resulta do desenvolvimento das técnicas e dos costumes, sendo uma convenção humana. Sendo que a política define a própria essência do homem, e a Cidade é considerada uma instituição natural.
Para os gregos, a finalidade da vida política era a justiça na comunidade.
A noção de justiça fora, inicialmente, elaborada em termos míticos, a partir de três figuras principais: themis, a lei divina que institui a ordem do Universo; cosmos, a ordem universal estabelecida pela lei divina; e dike, a justiça entre as coisas e entre os homens, no respeito às leis divinas e à ordem cósmica. Pouco a pouco, a noção de dike torna-se a regra natural para a ação das coisas e dos homens e o critério para julgá-las.
A idéia de justiça se refere, portanto, a uma ordem divina e natural, que regula, julga e pune as ações das coisas e dos seres humanos. A justiça é a lei e a ordem do mundo, isto é, da Natureza ou physis. Lei (nomos), Natureza (physis) e ordem (cosmos) constituem, assim, o campo da idéia de justiça.
A invenção da política exigiu que as explicações míticas fossem afastadas – themis e dike deixaram de ser vistas como duas deusas que impunham ordem e leis ao mundo e aos seres humanos, passando a significar as causas que fazem haver ordem, lei e justiça na Natureza e na polis.
Para os sofistas, a polis nasce por convenção entre os seres humanos quando percebem que lhes é mais útil a vida em comum do que em isolamento. Convencionam regras de convivência que se tornam leis, nomos. A justiça é o consenso quanto às leis e a finalidade da política é criar e preservar esse consenso.
Se a polis e as leis são convenções humanas, podem mudar, se mudarem as circunstâncias. A justiça será permitir a mudança das leis sem que isso destrua a comunidade política, e a única maneira de realizar mudanças sem destruição da ordem política é o debate para chegar ao consenso, isto é, a expressão pública da vontade da maioria, obtida pelo voto.
Por esse motivo, os sofistas se apresentavam como professores da arte da discussão e da persuasão pela palavra (retórica). Mediante remuneração, ensinavam os jovens a discutir em público, a defender e combater opiniões, ensinando-lhes argumentos persuasivos para os prós e os contras em todas as questões.
A finalidade da política era a justiça entendida como concórdia, conseguida na discussão pública de opiniões e interesses contrários.
Em oposição aos sofistas, Platão e Aristóteles afirmam o caráter natural da polis e da justiça. Embora concordem sob esse aspecto, diferem no modo como concebem a própria justiça.
A polis possui uma estrutura tripartite, formada por três classes sociais: a classe econômica dos proprietários de terra, artesãos e comerciantes, que garante a sobrevivência material da cidade; a classe militar dos guerreiros, responsável pela defesa da cidade; e a classe dos magistrados, que garante o governo da cidade sob as leis.
Os gregos diziam que a cidade justa era governada pelos filósofos, administrada pelos cientistas, protegida pelos guerreiros e mantida pelos produtores. Cada classe cumprirá sua função para o bem da polis, racionalmente dirigida pelos filósofos. Em contrapartida, a Cidade injusta é aquela onde o governo está nas mãos dos proprietários – que não pensam no bem comum da polis e lutarão por interesses econômicos particulares -, ou na dos militares – que mergulharão a Cidade em guerras para satisfazer seus desejos particulares de honra e glória. Somente os filósofos têm como interesse o bem geral da polis e somente eles podem governá-la com justiça.
Pregavam, ainda, que a justiça distributiva consiste em dar a cada um o que é devido e sua função é dar desigualmente aos desiguais para torná-los iguais. Para ser justa, a Cidade não poderá reparti-los de modo igual para todos.
A função ou finalidade da justiça distributiva sendo a de igualar os desiguais, dando-lhes desigualmente os bens, implica afirmar que numa cidade onde a diferença entre ricos e pobres é muito grande vigora a injustiça, pois não dá a todos o que lhes é devido como seres humanos. Na cidade injusta, em lugar de permitirem aos pobres o acesso às riquezas (por meio de limitações impostas à extensão da propriedade, de fixação da boa remuneração do trabalho dos trabalhadores pobres, de impostos e tributos que recaiam sobre os ricos apenas, etc.), vedam-lhes tal direito. A Cidade injusta, portanto, impede que uma parte dos cidadãos tenha assegurado o direito à vida boa.
A justiça política consiste em respeitar o modo pelo qual a comunidade definiu a participação no poder. Essa definição depende daquilo que a Cidade mais valoriza, os regimes políticos variando em função do valor mais respeitado pelos cidadãos.
Do exposto, podemos, assim dizer, que os gregos inventaram a política e que a política e a filosofia surgem de um tipo de discurso, de diálogo ou questionamento que, no decorrer do tempo, passamos a chamar de filosofia.

O IDEALISMO ALEMÃO

A maior parte dos filósofos (é sua vocação mais preciosa, a menos que não seja seu pecado original) visa à inteligibilidade perfeita e à unidade total. Nessas condições, a empresa kantiana só pode deixar os filósofos insatisfeitos: para Kant, o entendimento não pode conhecer o fundo das coisas e se limita a "soletrar os fenômenos". Como é então que o mundo sensível se deixa organizar, se ordenado pelas categorias do espírito? E por que Kant mantém essa coisa em si que, segundo afirma, não podemos conhecer nem designar?
Os sucessores de Kant, por conseguinte, vão propor sistemas em que, de modo diferente, a irredutível oposição entre a coisa e o espírito será eliminada. Hegel, ao definir em uma palavra os sistemas de Fichte, de Schelling, ao mesmo tempo que o seu próprio, caracteriza-os sucessivamente como idealismo subjetivo, idealismo objetivo e idealismo absoluto.
Kant representa o centro do pensamento moderno. Para ele convergem e nele se compõem em um fenomenismo absoluto o fenomenismo racionalista e o fenomenismo empírico. Dele depende todo pensamento posterior, particularmente o idealismo clássico alemão, que desenvolve o conceito de criatividade do sujeito, de síntese a priori, de autonomia do espírito, para uma forma de monismo imanentista, em que toda realidade se resolve nos limites da experiência, e esta é totalmente produzida pelo espírito.
Além de Kant, a outra fonte essencial do idealismo alemão é Spinoza. Este filósofo é arrancado do desprezo e do esquecimento em que jazia, e o seu pensamento encaminha decisivamente o idealismo para a trilha do monismo imanentista, para o qual já fora orientado por Kant. Todos os filósofos idealistas (Fichte, Schelling, Schleiermacher, Hegel, Schopenhauer) dependem, mais ou menos, de Spinoza, bem como dele dependem artistas, literatos, poetas, com Goethe à frente.
Paralelo e correspondente ao movimento filosófico do idealismo pode ser considerado o romantismo, fenômeno artístico e literário, especialmente alemão. Com efeito, também o romantismo é denominado pelo conceito de criatividade e liberdade do espírito, como o idealismo; e com o idealismo tem em comum o historicismo, o conceito de desenvolvimento, e, por conseguinte, a valorização da nacionalidade e da religião, que são produtos históricos.
Os maiores românticos alemães são Schlegel e Novalis. A estes podem-se acrescentar Schelling e Schleiermacher; são eles, propriamente, filósofos idealistas, mas pertencem também ao movimento romântico, pela íntima unidade espiritual do romantismo e do idealismo. Este, pois, propende, em geral, mais para a arte e a poesia, do que para as ciências e a matemática; ao passo que se deu o contrário com o racionalismo precedente.
O Desenvolvimento do Idealismo
Apesar do seu conceito de criatividade do espírito, de síntese a priori, Kant deixara ainda uns dados, em face dos quais o espírito é passivo: o mundo dos noumenons, que o espírito não consegue conhecer. Esse mundo de coisa em si, esse mundo de dados, é representado especialmente de um lado por aquela misteriosa matéria, e de outro lado por aquele mundo inteligível, donde derivaria toda a atividade organizadora e criadora do espírito, no mundo empírico.
Ora, o idealismo clássico nega todo dado, ou coisa em si, perante o qual o espírito é passivo, e portanto nega o transcendente mundo kantiano dos noumenons, e reduz tudo à mais absoluta imanência do espírito. O mundo da matéria, das sensações, da natureza, é uma criação inconsciente do espírito; este é transcendental - e não transcendente - com respeito à multiplicidade e ao vir-a-ser do mundo empírico, no qual unicamente, entretanto, o espírito se realiza, vive, se concretiza a si mesmo indefinita e livremente, e é plenamente cognoscível a si mesmo.

O DIREITO RACIONAL DE KANT

A doutrina jurídica tardia do filósofo alemão concretiza a tese política na forma contratual. Kant delinea o problema da autoridade política por meio de considerações elementares sobre aspectos básicos da razão humana e da liberdade de agir para mostrar que somente sob o regime da idéia de um contrato social pode-se dizer que uma vontade livre tem a genuína possibilidade de fazer aquisições jurídicas consistente. A idéia de obrigação contratual – não sua realidade histórica – é exposta em Kant como pressuposto necessário para a atividade prática da razão, na medida em que a razão é habilitada a ordenar conjuntamente os domínios do direito. A idéia de um contrato social é posta em Kant como condição fundamental da possibilidade de ações livres.
O doutrinador jurídico alemão rejeita a posição que reduz a idéia de um contrato social à construção hipotética. Com isso, Kant concede destaque distintivo ao caráter normativo da autoridade política, pois meras hipóteses não têm condições de reivindicar qualquer conduta dos seres livres. De acordo com Thompson, abandonar o estado natural e submeter-se à autoridade política não é um gesto da razão prudencial, mas um ditado da razão pura prática, distinto dos termos propostos, por exemplo, pela ‘original position’ rawlsiana,1 onde o lócus normativo do contratualismo está ocupado por autômatos éticos que maximalizam a distribuição eqüitativa dos bens gerados no seio de sociedades capitalistas.

KANT E OS PRECEITOS DE ULPIANO

Na primeira parte da divisão geral da doutrina do direito,2 no âmbito de uma reinterpretação dos clássicos preceitos de Ulpiano (honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere), Kant elenca três tipos inovadores de obrigações jurídicas. Considerados comumente como princípios redundantes, o imperativo preceitua probidade (vive honestamente), postula proibição na versão negativa (não faças injustiça a ninguém) e, finalmente, vertido para o positivo prevê que cada um receba o que lhe cabe (dá o seu a quem tem direito).
O mandamento de viver honestamente não visa ao incomum, a altos cargos ou  deres extraordinários; ser honesto conjuga honra e dignidade, virtude com caráter. Em termos jurídicos, trata-se da estima pública presumida de quem vive incorrupto. Kant dá ao imperativo (honeste vive) um tratamento especial na arquitetônica da Metafísica dos costumes. Embora o conceba como dever jurídico, a honestas iuridica não é objeto de legislação externa, constituindo uma exceção da divisão geral dos deveres em officia iuris, para os quais é possível uma legislação exterior, e officia virtutis, para os quais tal legislação não é possível. Tal dever jurídico, definido por Kant como “obrigatoriedade advinda do direito da humanidade em nossa própria pessoa,”3 obriga cada ser humano a não fazer-se a si mesmo de instrumento para os outros, mas ser-lhes ao mesmo tempo fim. A lex iusti vincula o homem ao dever de levar uma vida honesta, sendo pessoa para seus semelhantes.
Excluído definitivamente dos domínios da ética, o dever jurídico interno não mais afeta a liberdade interna, um bem doravante colocado por Kant aos cuidados da legislação ética. Como condição subjetiva da liberdade externa, a honestidade jurídica zela pela obrigatoriedade que vincula cada humano a seu direito subjetivo, para poder comprometê-lo com o direito subjetivo dos demais homens.
Não menos formal do que o imperativo categórico, a honradez jurídica constitui a necessária contraparte jurídica interna ao direito da humanidade que habilita cada homem a coagir seu semelhante de acordo com a lei pura do direito. “A necessidade prática de respeitar-se externamente como pessoas jurídicas umas às outras”, escreve Kersting, “encontra seu necessário complemento no dever de apresentarse aos outros como pessoa jurídica. Diz a razão que o direito deve ser, então ela diz ao mesmo tempo também: sê uma pessoa, honeste vive”.4 Quem leva uma vida ilibada não apenas evita ser injusto aos demais, mas também não permite que outros lhe façam injustiça; tampouco tolera humilhações e não se avilta para agrado dos semelhantes.
A posição de irrestrita dignidade jurídica, Kant a sustenta com o direito originário de cada ser humano de manter-se, ao lado dos demais, sobre o solo onde a natureza o põe ou as contigências da vida o deixam e, assim, lhe propicia o espaço necessário para fazer uso de sua liberdade. Kant escreve: “Todos os homens encontram- se originariamente na posse comum do solo da terra inteira (communio fundi originaria), munidos pela natureza com vontade própria (e) aptos a fazerem uso dela (lex iusti)”.5 Essa comunhão originária de posse não-empírica, claramente distinta da suposta comunhão primeva de uma posse historicamente inicial, constitui, segundo Kant, “um conceito prático da razão que contém a priori o princípio de que os homens só podem usar o lugar sobre a terra segundo princípios de direito”.

A Universidade de Bolonha e o Renascimento do Direito Romano

O centro de estudos jurídicos universitários fora a Universidade de Bolonha. O primeiro documento histórico que denota sua aparição é a Authentica Habita, de 1158, através da qual Frederico Barba-Ruiva concede aos estudantes estrangeiros e professores prerrogativas para que pudessem habitar a cidade e frequentar as aulas com tranquilidade.
Originariamente, os estudantes de Bolonha forjam irmandades/agremiações a exemplo de outras corporações existentes no período. Portanto, a escola de Bolonha é primitivamente uma universitas scholarium. A universidade de Bolonha gozava de proteção imperial. Frederico Barba-Ruiva, em 1158, confere a Authentica Habita, pela qual outorga proteção àqueles que viajavam à Itália para estudar “...omnibus qui causa studiorum peregrinantur scholaribus...”. (TAMAYO Y SALMORÁN, 2009, p.53). A interpretação jurídica da Habita concedeu aos scholares os mesmos benefícios dos clérigos. Concedeu-lhes tanto aos estudantes de Direito Romano como de Direito Canônico. A Universidade de Bolonha era atrativo para estudantes de toda a Europa, incidindo consideravelmente sobre a economia da cidade. Havia, assim, um comprometimento por parte dos mestres, um pacto no sentido de não irem ensinar em outro lugar. A relação aluno-estudante se modificou, pois o magister se encontrava vinculado à política da comuna fazendo com que os estudantes se insurgissem formando irmandades, que viriam a se agrupar formando a universitas scholarium, a Universidade de Bolonha, que tinha por escopo defender direitos e prerrogativas de seus membros.
A universidade de Bolonha concorreu para que, através dos tempos, se alterassem os rumos da história. Ao lado das duas forças sociais que vinham da Idade Media, a religião e o Império, começou a surgir outra, o studium (ensino universitário). (MEIRA, 2001, p.393).
Era a universitas scholarium uma organização comunitária de estudantes, seccionada por áreas de estudo, e dentro de cada qual por nações. O poder de iniciativa e decisão incumbia aos alunos, que a custeavam. Fruto da associação de antigas escolas leigas de Direito, sobretudo do sul da Europa, comportavam grande contingente de estrangeiros, de que se originaram duas societas ou universitates – a dos Ultramontanos (l. além dos montes, que reunia aqueles que vinham de paises situados além dos Alpes), composta de estudantes não-italianos – e a dos Citramontanos (l. aquém dos montes, que se constituía de estudantes oriundos de várias regiões a Itália. Com o intuito de se fortalecer, os estudantes ameaçavam migrar de Bolonha (cessatio), e o fizeram em 1217, ao cabo de três anos, enfraquecendo a economia local. Seu status corporativo fora reconhecido em 1252-1253, pela comuna e pelo Papa.
A Universidade de Bolonha detém força, mormente, devido ao fato de que seus escolares não eram pessoas despreparadas, mas homens maduros, de inúmeras procedências, sobretudo sacerdotes e jovens oriundos de famílias nobres.
O grande mérito de Bolonha fora o ensino e difusão da ciência jurídica, razão pela qual ficou conhecida, com Irnério à frente, como lucerna iuris, visto que aí se ressuscitam os estudos de Direito Romano. “...E esse direito, sistematizado pelos glosadores e pós-glosadores, alicerçava-se nos preceitos compilados pelo Imperador Justiniano nas Pandectas ou Digesto, no século VI.” (MEIRA, 2001, p.394).
A Irnério, portanto, se deve a recepção e ressurgimento do Direito Romano – Corpus Justinianum. Ele fora quem conferiu autonomia definitiva ao estudo/ensino da Ciência Jurídica. Irnério, mestre em artes liberais (1055-1130), fora considerado o caput scolae, por ser o precursor da Ciência Jurídica no Ocidente medieval. Reuniu e sistematizou as fontes romanas, realizando um estudo cientifico do Direito. Sua formação em artes liberais lhe influenciou; “...o gosto pela gramática, pelos textos e manuscritos antigos contribuíram na dinâmica de ensino.” (MARRAÚ, 2008, p.66). Invitado a lecionar em Bolonha por Matilde, duquesa de Toscana, teve uma tríplice intuição:
a) Dar ao direito um caráter autônomo que a enciclopédia do saber medieval não lhe reconhecia;
b)Estudar o “Direito de Justiniano” nos textos genuínos, fazendo [...] estratos e epítomes;
c) Estabelecer o significado verdadeiro da compilação justinianéia, e levar à prática um ordenado e completo Corpus Juris. (tradução livre). (TAMAYO Y SALMORÁN, 2009, p.31-32)..
É obra dos juristas medievais a formulação de disposições jurídicas, de conceitos abstratos, em virtude da reformulação da compilação justinianéia e sua aplicação paulatina à prática jurídica. Na Escola dos Glosadores, dentre os expoentes mais importantes pode-se citar Azo e Accursio. Com os trabalhos sobretudo de Irnério, os textos jurídicos romanos tornaram-se acessíveis ao estudo profissional do Direito. Surge o Direito então como disciplina autônoma de ensino superior.
Portanto, este período caracteriza-se pela redescoberta dos antigos textos de Direito Romano e a inserção do método dialético na jurisprudência, fazendo surgir a ciência jurídica na Europa. A noção de ordem jurídica, portanto, remonta ao medievo. O Direito ensinado nas universidades não era o direito local, e consuetudinário, mas o direito justinianeu. Daí deriva o caráter supletório do Direito Romano face aos direitos locais. O Direito Romano era reconhecido como o paradigma, o ideal de Direito (ius commune).
Os glosadores foram, portanto, os primeiros a estudar o Direito como ciência. A glosa (g. glvssa = voz) consistia na explicação sintética das palavras de acepção mais obscura. Tal método fazia parte do estudo da gramática no trivium. Os glosadores se detinham essencialmente a interpretações textuais, cingindo-se à mera exegese dos mesmos. Os glosadores, via de regra, inscreviam suas iniciais no fim das glosas. Escreveram comentários sintéticos de Direito Romano – as famosas Summa.
Estudaram basicamente os textos romanos das épocas clássica e bizantina. O ensino se iniciava com um estudo propedêutico, composto de dois ciclos: o trivium (gramática, retórica e dialética) e quadrivium (aritmética, musica, geometria e astronomia). Quem quisesse lograr formação superior em Direito devia antes estudar as artes liberais, razão por que até à atualidade se conhecem os estudiosos das humanidades como “letrados”, em oposição aos iletrados, ou aqueles que não tinham formação em Artes Liberais. Ou seja, a formação na faculdade de Artes era pressuposto para quem queria alçar ao grau em Teologia, Medicina ou Direito. Os elementos de Direito eram portanto ensinados no quadro da retórica e da dialética, com intuito preponderamente prático.
Os cursos eram divididos em ordinários e extraordinários – ordinariae et extraordinariae lecturae. Os cursos ordinários eram considerados extraordinários quando ministrados à tarde. Os cursos ordinários versava sobre os libri ordinarii (Digestum Vetus e Codex Lib. 1-9); e os extraordinários sobre os libri extraordinarii (Infortiatum; Digestum Novum;Volumen- Codex Lib. 10-12, Institutiones, Authenticum e Libri Feudorum).

RENASCIMENTO

Renascimento, período da história européia caracterizado por um renovado interesse pelo passado greco-romano clássico, especialmente pela sua arte. O Renascimento começou na Itália, no século XIV, e difundiu-se por toda a Europa, durante os séculos XV e XVI.
A fragmentada sociedade feudal da Idade Média transformou-se em uma sociedade dominada, progressivamente, por instituições políticas centralizadas, com uma economia urbana e mercantil, em que floresceu o mecenato da educação, das artes e da música.
O termo “Renascimento” foi empregado pela primeira vez em 1855, pelo históriador francês Jules Michelet, para referir-se ao “descobrimento do Mundo e do homem” no século XVI. O historiador suíço Jakob Burckhardt ampliou este conceito em sua obra A civilização do renascimento italiano (1860), definindo essa época como o renascimento da humanidade e da consciência moderna, após um longo período de decadência.

O Renascimento italiano foi, sobretudo, um fenômeno urbano, produto das cidades que floresceram no centro e no norte da Itália, como Florença, Ferrara, Milão e Veneza, resultado de um período de grande expansão econômica e demográfica dos séculos XII e XIII.
Uma das mais significativas rupturas renascentistas com as tradições medievais verifica-se no campo da história. A visão renascentista da história possuía três partes: a Antigüidade, a Idade Média e a Idade de Ouro ou Renascimento, que estava começando.

A idéia renascentista do humanismo pressupunha uma outra ruptura cultural com a tradição medieval. Redescobriram-se os Diálogos de Platão, os textos históricos de Heródoto e Tucídides e as obras dos dramaturgos e poetas gregos. O estudo da literatura antiga, da história e da filosofia moral tinha por objetivo criar seres humanos livres e civilizados, pessoas de requinte e julgamento, cidadãos, mais que apenas sacerdotes e monges.
Os estudos humanísticos e as grandes conquistas artísticas da época foram fomentadas e apoiadas economicamente por grandes famílias como os Medici, em Florença; os Este, em Ferrara; os Sforza, em Milão; os Gonzaga, em Mântua; os duques de Urbino; os Dogos, em Veneza; e o Papado, em Roma.
No campo das belas-artes, a ruptura definitiva com a tradição medieval teve lugar em Florença, por volta de 1420, quando a arte renascentista alcançou o conceito científico da perspectiva linear, que possibilitou a representação tridimensional do espaço, de forma convincente, numa superfície plana.
Os ideais renascentistas de harmonia e proporção conheceram o apogeu nas obras de Rafael, Leonardo da Vinci e Michelangelo, durante o século XVI.
Houve também progressos na medicina e anatomia, especialmente após a tradução, nos séculos XV e XVI, de inúmeros trabalhos de Hipócrates e Galeno. Entre os avanços realizados, destacam-se a inovadora astronomia de Nicolau Copérnico, Tycho Brahe e Johannes Kepler. A geografia se transformou graças aos conhecimentos empíricos adquiridos através das explorações e dos descobrimentos de novos continentes e pelas primeiras traduções das obras de Ptolomeu e Estrabão.
No campo da tecnologia, a invenção da imprensa, no século XV, revolucionou a difusão dos conhecimentos e o uso da pólvora transformou as táticas militares, entre os anos de 1450 e 1550.
No campo do direito, procurou-se substituir o abstrato método dialético dos juristas medievais por uma interpretação filológica e histórica das fontes do direito romano. Os renascentistas afirmaram que a missão central do governante era manter a segurança e a paz. Maquiavel sustentava que a virtú (a força criativa) do governante era a chave para a manutenção da sua posição e o bem-estar dos súditos.

O clero renascentista ajustou seu comportamento à ética e aos costumes de uma sociedade laica. As atividades dos papas, cardeais e bispos somente se diferenciavam das usuais entre os mercadores e políticos da época. Ao mesmo tempo, a cristandade manteve-se como um elemento vital e essencial da cultura renascentista. A aproximação humanista com a teologia e as Escrituras é observada tanto no poeta italiano Petrarca como no holandês Erasmo de Rotterdam, fato que gerou um poderoso impacto entre os católicos e protestantes.

A FILOSOFIA DO DIREITO NA IDADE MODERNA

A história da Filosofia moderna do Direito é a do jusnaturalismo moderno, que tem início no século XVII, com Hobbes e Grotius. Se, na Antigüidade clássica, a fundamentação do Direito Natural tinha como referência a natureza e suas leis, de tal modo que não seria demais afirmar que as mesmas leis que valiam para o cosmos, para os animais e plantas deveriam valer também para os homens.
Na Modernidade, a novidade será a separação dessas instâncias, com a afirmação de que o homem possui uma natureza específica, distinta da das demais criaturas e que, portanto, por isso mesmo, requer um tratamento diferenciado, porque é governado por
leis próprias. O jusnaturalismo moderno, portanto, fundamentará o direito na natureza de um homem  racional e passível de socialização, quer esta esteja inscrita de maneira inata na sua natureza, quer se apresente como uma espécie de superação dos obstáculos que sua natureza individual não consegue  superar. Por essa mesma razão, poderíamos denominar o Direito Natural moderno de Direito Natural racional, já que tem como referência a natureza racional do homem, fundadora das leis que deverão comandar o direito, a moral e a política. Daí resultará um outro traço do jusnaturalismo moderno, o da aplicação do modelo geométrico de demonstração para a descoberta das leis do Direito Natural e Civil que poderão ser derivadas dos primeiros princípios estabelecidos como axiomas do Direito Natural.
 Na definição que nos dá desse direito, Grotius afirma que contém princípios não certos e imutáveis, que nem mesmo Deus pode mudá-los, do mesmo modo que não pode fazer com que dois mais dois não sejam quatro. No seu tratado O Direito da guerra e da paz, ele nos diz ainda que a expressão “direito” está ligada necessariamente ao que é justo, e que a guerra justa é o que podemos fazer em relação aos nossos inimigos sem cometer injustiça. Evidentemente, o que é justo deve referir-se necessariamente à natureza racional e sociável do homem, é o que resulta da demonstração geométrica. Além disso, se o Direito Natural diz respeito exclusivamente ao mundo dos homens, não podemos dizer, por exemplo, que algo seja justo para os homens e para outros animais. O que importa é o que é justo no quadro de referências da natureza racional e sociável do homem e o que podemos inferir dos primeiros princípios do Direito Natural pela aplicação do modelo geométrico.

Segundo Grotius, tudo o que pudermos deduzir para o estabelecimento da justiça e das leis, pela aplicação do modelo geométrico, deverá ser necessariamente aceito por todos, como uma exigência da própria razão. Esse procedimento encontrará seu ponto culminante em Descartes, e, posteriormente, o veremos aplicado por Hobbes, Pufendorf, Locke e outros pensadores da tradição jusnaturalista. Mas a grande empreitada de Grotius será a de constituir todas as questões relativas ao Direito num grande sistema. Proeza coroada de êxito, pois todo o pensamento jurídico moderno tomará o Direito da guerra e da paz como a grande referência para se
pensar o Direito e será matéria obrigatória em todos os cursos de Direito das universidades européias no final dos séculos XVII e XVIII. Michel Villey, em Formação do pensamento jurídico moderno, considera Grotius o legislador da Europa moderna, não só por ter conseguido estruturar todo um sistema coerente sobre o Direito, estabelecido como um conjunto de regras extraídas pela demonstração racional segundo o modelo geométrico, mas também por ter construído as bases para o Direito subjetivo, que terá sua expressão mais elaborada
com Kant. Ao mesmo tempo em que afirmava a fonte do Direito na razão humana, Grotius também  atribuía ao jurista um papel muito definido nos negócios que diziam respeito à justiça não só internamente, nos negócios de cada país, mas também na ordem internacional. Papel fundamentalmente prático, que envolvia uma ação constante em busca da paz, contra as injustiças, principalmente aquelas provenientes da violência da guerra. Se nos ativermos às três regras fundamentais do Direito, veremos que Grotius constrói não um sistema especulativo sobre o Direito, mas eminentemente prático. Essas regras, resumidamente consistem no seguinte: abster-se religiosamente dos bens pertencentes a outros, manter sempre a palavra dada e reparar qualquer dado causado. Máximas extraídas da tradição estóica, mais precisamente, de Cícero. O que implica que o Direito estará vinculado necessariamente à moral.
Quando Villey se refere a Grotius como o legislador da Europa Moderna, ele tem em mente o caráter sistemático que o Direito assumirá a partir de então. Reduzir o Direito a um sistema significa também que, doravante, os juristas terão um corpo de regras muito bem definidas quando tiveram que praticar o seu ofício. E, se as aplicarem bem, terão maiores possibilidades de sucesso e de atingirem o objetivo maior que é o da ação em favor da paz e da ordem públicas. O pai do racionalismo jurídico iria abrir as portas ao positivismo jurídico, que podemos remontar a Thomas Hobbes, segundo o qual a lei é uma ordem do soberano e a fonte maior do Direito.
A remissão do Direito à natureza racional do homem, com Grotius, e o nominalismo hobbesiano, abrindo portas ao positivismo jurídico, constituirão a base, o terreno fértil para o desenvolvimento do Direito subjetivo, fundado na perspectiva do indivíduo, portador de direitos e culminará com as “Declarações dos direitos do homem e do cidadão”.
Segundo Hobbes, pelo contrato, os homens devem abrir mão de seus direitos naturais em favor do soberano,
que não possui nenhum vínculo contratual com seus súditos, mas apenas, pelo ato fundador da comunidade política, passa a ser o representante das ações de todos os contratantes, que se tornam súditos obedientes, podendo gozar com segurança da sua propriedade, bens, fazer comércio e, finalmente, viver em paz. Essa troca de condições, da miséria do estado de natureza, para a de segurança no estado civil, sob a autoridade suprema do soberano, poderia indicar a impossibilidade mesmo do Direito subjetivo permanecer ainda sob o estado civil.
No entanto, o soberano, ao assegurar a todos os súditos os seus direitos fundamentais individuais, com a condição de que todos se submetam à sua autoridade, estabelece uma espécie de ponte entre o Direito Natural e o Direito Civil. Em vez deste ser a negação daquele, eles não se opõem e, tudo o que o soberano fizer deverá estar fundamentado nos princípios do Direito Natural, que são preceitos da razão, cálculos bem acertados com o objetivo de alcançar a paz e a tranqüilidade de todos os membros da comunidade política. Já que o soberano foi instituído como conseqüência da necessidade que todos viam de saírem do estado de natureza, da guerra generalizada de todos contra todos, ele não permitirá, evidentemente, que todos continuem gozando de seus direitos naturais, sobretudo da liberdade, definida como um desejo ilimitado a tudo o que cada um considerar necessário para sua sobrevivência.
No entanto, essa mesma liberdade, contida agora pelo soberano, preservará a possibilidade do desenvolvimento
individual, do comércio, das artes, da indústria, da propriedade, em condições muito melhores do que as do estado de natureza.