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quarta-feira, 15 de junho de 2011

O político instituído pela simbólica teológica

A perspectiva de Lefort, retomada em parte por Gauchet, é atualmente, senão aceita, ao menos considerada como uma boa base para discussão. Segundo esta perspectiva, a democracia só pode se estabelecer se o religioso e o político forem definitivamente dissociados. Para Lefort, os filósofos pensaram "sob o nome da política os princípios geradores de uma sociedade". Eles incluíram desde então em suas reflexões os fenômenos religiosos. A razão é que o "político e o religioso colocam o pensamento filosófico em presença do simbólico" (Lefort, 1986, p. 261). O filósofo não acredita mais na religião como enunciadora da Revelação. Porém, uma sociedade que se desinteressaria do modo de enunciação do divino como poder instituinte, uma sociedade que esqueceria seu fundamento religioso, viveria, segundo o filósofo, "na ilusão de uma pura imanência a ela mesma e extinguiria de uma só vez o lugar da filosofia" (Lefort, 1986, p. 263). Mas, como diz Lefort, deve-se aprender a ver a instituição através de um simbólico que não corresponda unicamente ao sistema de símbolos religiosos. O poder do político deve poder apoiar-se sobre outra coisa que não seja entidades substanciais como a Lei ou o Saber transcendente. Ele deve poder criar seu próprio sistema de símbolos. A dissociação do religioso e do político é, segundo Lefort, a condição do funcionamento democrático da sociedade. O político, na visão de Lefort, deve ser um "vácuo", e o filósofo político deve aprender a fazer a distinção entre o imaginário (religioso) e o simbólico (que deve instituir o político).

Este plano contém vários pressupostos sobre os quais convém discutir. Os dois primeiros são relativos à repartição do trabalho entre religião e política que deveria ser feita, segundo esta concepção, seguindo a clivagem entre imaginário e simbólico. Este pressuposto nunca é enunciado com precisão, pois se fosse, não teria como ser defendido. Ele é correlato de uma certa sublimação do político que se caracteriza por uma incapacidade de tratar concretamente da vida política. Myriam Revault d'Allonnes acaba de escrever um livro provocante sobre este assunto. O definhamento da política resultaria de uma supervalorização do político. Sendo assim, deveríamos aceitar doravante uma "fragilidade essencial" (Revault d'Allonnes, 1999, p. 19) do político? Não podemos responder esta questão aqui. Mas ela já serve de enquadramento para nossas reflexões sobre o político e o transnacional.
O segundo pressuposto, igualmente insustentável explicitamente, é que o político dentro da democracia pode ficar protegido do imaginário. Na democracia, o político existiria apenas através do uso da razão no espaço público. A compreensão subjetiva mútua que visa este debate contém, na melhor das hipóteses, um ideal de consenso ou de transparência, aparentando-se a um imaginário. Mas a ética da discussão é geralmente elevada ao status de simbólico de tal forma que uma discussão sobre o imaginário dentro da democracia é esquivada.
Geralmente a perspectiva de Castoriadis que, ao contrário da perspectiva "lacaniana", não estabelece um tipo de arranjo normativo entre o imaginário e o simbólico permite avaliar a "instituição" da sociedade sem valorizar demais a ordem do político. Pelo contrário, é conservada a noção de instituinte que supõe uma certa ligação com o sagrado. Esta concepção desaparece no momento em que a política é reduzida a uma retórica de gestão econômica. Estamos assim em presença de uma "retórica sofística" que imita a ciência. "Ela dispõe para isso da análise de sistemas que permite descrever o mundo em termos de 'círculos' e de 'flechas'. Esta organização (círculo) produzirá uma imagem do mundo constituída de círculos e de flechas, imagem que constituirá a trama da linguagem administrativa (chamada 'management')." (Laufer, 1986, p. 200).
Neste texto, partimos da idéia de que dentro da sociedade atual existem vários imaginários políticos e que os movimentos religiosos de tipo pentecostal traduzem esses imaginários uns nos outros (Corten & Mary, 2001). Nesta função de tradução, estes movimentos religiosos contribuem para dar referências de identidade dentro da(s) sociedade(s) que se forma(m) no movimento de transnacionalização. Esta tradução não permite, no entanto, a aparição de um novo idioma político determinando o que é aceitável ou inaceitável, um novo idioma instituinte do político.

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