Páginas

domingo, 20 de janeiro de 2013

IMPÉRIO DA LEI

Saiu folha de 6de janeiro de 2013:
Com a retomada dos trabalhos do Congresso em fevereiro, senadores, deputados e especialistas discutirão importantes mudanças em mais de um terço dos 17 principais códigos legais brasileiros. O mais antigo entre os seis que podem ser alterados mantém até hoje dispositivos da época de dom Pedro 2º. Trata-se do Código Comercial, de 1850, que ainda cita prerrogativas a embarcações dos 'súditos do Império'. A ideia é negociar sua modernização, permitindo, por exemplo, que toda a documentação empresarial seja mantida em meio eletrônico, dispensando o uso de papel. A revisão também atingirá os códigos Penal, de Processo Penal, de Processo Civil, de Direito do Consumidor e Eleitoral. Repletas de polêmicas, as propostas ainda esbarram na falta de consenso. A que está há mais tempo em discussão no Congresso - desde 2008 - é a do Código de Processo Penal, que define regras para investigar e processar alguém por crimes previstos na legislação penal” Se compararmos com alguns outros países, veremos que a vasta maioria de nossas leis são muito recentes. Mesmo quando comparamos com países como EUA.

A reação natural é culpar maus legisladores. É bem verdade que boa parte de nossas leis antiquadas se tornam antiquadas justamente porque nossos legisladores não pensaram a longo prazo. Ou, pior, porque elas já nasceram inadequadas para uma aplicação eficiente. Às vezes por despreparo de nossos parlamentares, às vezes por desinteresse, às vezes por falta de pesquisa, às vezes intencionalmente.

Mas há uma outra razão importante. Usamos no Brasil o que os juristas chamam de sistema codificado, enquanto países como EUA, Índia, Inglaterra e Austrália usam o sistema jurisprudencial.

No sistema codificado (chamado de ‘civil code’, em inglês), a fonte de leis é a norma aprovada pelo parlamento. No sistema jurisprudencial (chamado ‘common law’, em inglês), a fonte das leis são decisões passadas de outros juízes. Isso significa que quando o magistrado brasileiro precisa decidir um caso, ele precisa abrir um código, lei, decreto, Constituição etc e tentar aplicar tais leis ao caso que está julgando. Ou seja, as leis precisam prever todas as hipóteses de aplicação futura. É como se o legislador precisasse mover suas peças em um jogo de xadrez agora, enquanto seu adversário (a realidade) só dirá quais são seus movimentos no futuro. Se no futuro o adversário (realidade) fizer um movimento que o legislador não previu, as leis que ele aprovou hoje serão inúteis àquele caso.
Já no sistema jurisprudencial, se o caso atual é essencialmente idêntico a um caso que já foi julgado, o magistrado decidirá como o seu predecessor (é por isso que em filmes americanos você sempre vê advogados, Ministério Público e juízes citando casos antigos). Mas se o caso é novo, o magistrado terá duas alternativas à sua disposição:
Primeiro, estender a aplicação de casos anteriores. Por exemplo, se no caso antigo seu predecessor disse que sua decisão se aplicava a carros, ônibus e embarcações, no novo caso o magistrado pode dizer ‘o que aquele juiz decidiu é que se aplica a todos os veículos, mesmo aviões, que não haviam sido inventados na época daquele julgamento’.
E, segundo, ele pode buscar ou formular novos princípios, que se tornarão regras para futuros magistrados. Por outro lado, se ele se depara com um caso parecido com um caso anterior, mas ele discorda da decisão do caso anterior, ele terá duas opções:
Primeiro, ele poderá aplicar, contra sua vontade, a regra pela decisão anterior, mas deixar aberta a possibilidade de apelação, possibilitando que uma corte superior reverta o precedente criado pela decisão antiga.

Segundo, ele pode encontrar alguma pequena diferença entre o caso anterior e o caso atual para divergir e criar uma nova regra para o caso atual. No exemplo acima, se ele não quer que a regra do caso anterior seja aplicável ao caso atual, ele pode dizer que aquela decisão antiga é aplicável apenas a veículos que se locomovam predominantemente em contato com a terra ou a água, mas não com o ar, que ela não se aplica a veículos que não usam turbina, ou que ela não se aplica a veículos que atinjam velocidade média acima de 300km/h.
Já nos países que usam o sistema codificado, essa flexibilidade é muito mais restrita e os magistrados ficam restritos às normas promulgadas pelo legislativo, embora, as próprias normas autorizam o uso de outras fontes legais. Mas se a própria norma autoriza um magistrado a usar, por exemplo, princípios gerais, por que eles raramente os usam? As duas razões apontadas com mais frequência por quem pesquisa o assunto são cultura (as faculdades não preparam nossos juristas para usarem fontes alternativas de direito) e receio (por essas fontes alternativas serem mais subjetivas, temem ter suas decisões revertidas por instâncias superiores e com isso afetarem suas próprias carreiras).
Mas os países jurisprudenciais também têm leis. E para que elas servem?
Para três coisas:
Primeiro, porque os juízes só criaram precedentes porque não havia lei. Se uma lei é promulgada, ela passa a ter mais força que o precedente. Logo, se o parlamento acha que é hora de mudar as regras, ele não precisa esperar que um caso concreto ocorra. Ele pode simplesmente promulgar uma lei que precisará ser seguida por todos os magistrados dali para frente. Isso é especialmente útil se os magistrados nas cortes superiores têm se mostrado reticentes em mudar as jurisprudências criadas por cortes inferiores.

Segundo, porque às vezes o parlamento não quer esperar que um problema surja para ver como o Judiciário irá julgá-lo. É uma espécie de fogo preventivo. É melhor, por exemplo, estabelecer regras de segurança para aeronaves hoje em vez de esperar que haja um acidente e ver como os magistrados lidarão com o assunto.
Por fim, e ligado ao ponto anterior, para estabelecer regras de conduta para a sociedade. As leis não servem apenas para punir: elas servem para dizer às pessoas (públicas e privadas, físicas e jurídicas) o que é ‘conduta aceitável’ e quais são as ‘regras do jogo’.

sábado, 19 de janeiro de 2013

SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS

 Saiu na Folha de 18 de novembro de 2010:

Um projeto aprovado ontem pelo Senado eleva de 60 para 70 anos a idade em que se torna obrigatório o regime de separação total de bens no casamento. Como o projeto já foi aprovado na Câmara, segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A regra dos 60 anos havia sido incluída no Código Civil para evitar o chamado ‘golpe do baú’ (casamento por interesse econômico) em pessoas idosas.O Congresso decidiu alterar o código por considerar que a população brasileira aumentou sua expectativa de vida -por isso, aos 60 anos, uma pessoa ainda possui capacidade de decidir sobre seu regime matrimonial. ‘Parece anacrônico impor à pessoa maior de 60 anos, haja vista sua plena capacidade para exercer atos da vida civil, a norma que obriga o regime da separação de bens no casamento’, afirma o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), que relatou o projeto.‘Até porque os bens da pessoa idosa que foram por ela conquistados não só podem como devem ser partilhados na forma que ela entender ser a melhor, ainda que o futuro casamento não persista por muito tempo’, acrescentou Raupp”.

Ao contrário do dito na matéria, não existe regime de ‘separação total de bens’. Os quatro regimes descritos no nosso Código Penal são:
·         Regime de comunhão universal
·         Regime de comunhão parcial
·         Regime de participação final nos aquestos
·         Regime de separação de bens (que é o que a matéria queria dizer)
E qual a diferença entre eles? De forma bem simplificada, podemos dizer que na comunhão universal os bens que os cônjuges tinham antes do casamento se dividem (com algumas exceções, como as dívidas anteriores ao casamento, as doações ou heranças em que o doador ou morto proibiu que o bem dado/deixado fosse tratado como bem do casal, as pensões recebidas pelo(a) viúvo(a) etc).
No regime de comunhão parcial (que é o padrão no Brasil de 1977), os bens que o casal possuía antes da casamento não se comunicam, ou seja, se eles se divorciarem, os bens que tinham antes do casamento continuam com quem o havia adquirido (novamente, há exceções para bens que mesmo se adquiridos depois do casamento não se comunicam. Por exemplo, todos os bens herdados continuam a pertencer ao herdeiro e não ao casal).
Na separação de bens, os bens – mesmos os adquiridos depois do casamento – jamais se comunicam. Os bens permanecem como bens individuais mesmo durante o casamento.

E a participação final nos aquestos? Esse é o menos usual deles. Nesse regime, as pessoas casadas continuam gerenciando seus bens de forma individual, como se estivessem em um regime de separação de bens. Mas quando o casamento chegar ao fim, eles dividem os bens como se fosse um regime de comunhão parcial. E por que isso? Esse regime é usado quando os cônjuges querem continuar gerenciando seus bens sem precisar consultar o outro. O cônjuge que é dono do bem pode vendê-lo, doá-lo ou fazer o que bem quiser com ele, sem precisar consultar o(a) esposo(a). Mas se eles resolverem se divorciar, por exemplo, os bens são divididos igualmente, como se pertencessem a ambos os cônjuges (mesmo que apenas um deles o tenha adquirido). E os bens doados ou alienado a baixo de seu valor real são computados na conta e o cônjuge que o doou ou o alienou a baixo do valor de mercado vai ter aquele valor descontado no total ao qual teria direito (exceto se o outro cônjuge concordou com a doação ou alienação).

sábado, 12 de janeiro de 2013

Estrito cumprimento do dever legal e a inexigibilidade de conduta diversa


Saiu na Folha de 14/8/11:
Soldados da Guerrilha do Araguaia (1972-74) reconheceram um coronel aposentado de Belém como sendo o médico de bases militares onde ocorreram torturas e levantam a suspeita de seu envolvimento na morte de guerrilheiras com injeções letais.
Quatro ex-soldados localizados pela Folha identificaram, por foto, Walter da Silva Monteiro, 74, como o médico militar conhecido à época como ‘capitão Walter’ (…)
O coronel da reserva Walter da Silva Monteiro negou ter participado da Guerrilha do Araguaia (…)
Informado dos relatos dos ex-soldados sobre seu envolvimento em mortes por injeção letal, ele respondeu: ‘Você é louco. Nessa época eu tinha 16 anos e nem formado eu era, muito menos militar. Vá se informar direito!’ Mas, de acordo com seu registro eleitoral, em 1972, quando o conflito começou, ele completou 35 anos.
Duas semanas depois, a Folha foi até sua casa, em Belém. Ele não aceitou receber a reportagem.
Em uma rápida conversa pelo interfone de seu prédio, limitou-se a afirmar que no período da guerrilha estava em Belém, e não na região do conflito
.”

Matar alguém é um crime: homicídio. Mas às vezes quem mata não comete um crime. Seja porque agiu em legítima defesa (por exemplo, quem mata o criminoso que iria mata-lo), seja porque estava em um estado de necessidade (por exemplo, quem pega o último colete salva-vidas no barco que está afundando), seja porque estava exercendo sua profissão corretamente (por exemplo, o médico que separa os gêmeos xifópagos sabendo que um deles irá morrer). Todos esse casos são excludentes de ilicitude, ou seja, uma conduta que era ilícita deixa de ser (por isso ‘excludente’) ilícita. Mas existe uma quarta excludente de ilicitude: o estrito cumprimento do dever legal.

Imagine um soldado em uma guerra: ele não será julgado por homicídio se ele matar o inimigo na frente de batalha. Tampouco o carrasco que aplica a injeção letal no condenado ou que liga a cadeira elétrica.
A razão pela qual essas pessoas não cometeram crime é simples: elas estavam cumprindo seu dever profissional, e seu dever profissional é legal, isto é, entre os deveres profissionais do carrasco está matar o condenado e entre os deveres profissionais do soldado está matar o inimigo durante a guerra. Logo, quando eles estiverem cumprindo esses deveres eles não estarão cometendo crimes, mesmo que a conduta, em teoria, seja aquela de um crime.
Mas isso não quer dizer que essas pessoas possam sair por aí matando. Se o carrasco matar o diretor da penitenciária ou um outro condenado que não aquele condenado à morte (ou mesmo o condenado à morte, mas no momento ou da forma incorreta), ele terá cometido um homicídio.
O dever tem de ser legal, ou seja, previsto em lei.
No caso da matéria acima, por exemplo, ainda que seja um militar, sua ação não se encaixa no ‘estrito dever legal’. Ele pode até ter recebido uma ordem de seu superior hierárquico, mas essa ordem era ilegal, e um soldado, ainda que tenha o dever de subordinação, não pode cumprir ordens claramente ilegais. Quando um soldado recebe uma ordem, ele primeiro se pergunta se essa ordem é legal. Se não for, ele não pode obedecê-la e depois se esconder sob a proteção do cumprimento do dever legal. Ele é responsável por sua ação, e se sua ação é ilegal, ele responde por ela.

Existem dois detalhes importantes aqui:
Primeiro, para que a ordem seja legal, o país precisa ter declarado guerra. Não era o caso acima. E mesmo em uma guerra, não se mata pessoas com injeções letais. Em uma guerra há também mortes ilegais. Por exemplo, matar alguém usando gás ou outros produtos químicos, ou que tenha se rendido, é crime de guerra.

Segundo, às vezes o soldado se vê forçado a fazer algo. É o caso do general que coloca a arma na cabeça dele e diz “ou você mata a vítima ou eu mato você”. Nesse caso existe algo chamado inexigibilidade de conduta diversa, que significa que não se poderia esperar que aquela pessoa agisse de outra forma. Ele sabe que está agindo ilegalmente, mas ele não tem opção.
Um outro caso é quando ele recebe uma ordem e cumpre, mas não sabe que a ordem que recebeu era ilegal. Por exemplo, ele recebe a ordem para prender determinada pessoa mas não sabe que a ordem vinda de seu superior era ilegal.
Ambos os casos estão previstos no artigo 22 de nosso Código Penal, que diz que “se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”. Notem que quem é pundio em ambos os casos é quem deu a ordem e que, no segundo caso, a pessoa só cumpriu a ordem porque não sabia que a ordem era ilegal. Se ele sabia ou suspeitava que a ordem era ilegal, ele não pode alegar que estava cumprindo seu dever hierárquico.

ARREPENDIMENTO POSTERIOR

Saiu na Folha de 6/4/12:
Homem se arrepende e devolve motocicleta que havia furtado
Uma ligação chamou a atenção de policiais militares de Toledo (PR) anteontem: um homem dizia que um ladrão de motocicleta estava ‘arrependido’ e indicava a localização do veículo.
A moto, de uma promotora de vendas da cidade, havia sido furtada no estacionamento de um supermercado no último dia 30. A ligação veio menos de uma semana depois.
O telefonema foi gravado. ‘Fala que o ladrão pede desculpa pra vítima e está devolvendo a moto, porque se arrependeu do que fez’, disse o suspeito ao atendente.
O policial então pergunta se o interlocutor seria o próprio ladrão. O homem não responde e afirma que a moto poderia ser encontrada ao lado do supermercado em que havia sido furtada, o que de fato ocorreu
Caso interessante para falarmos do furto de uso e do arrependimento posterior.
Quando o ladrão furta um bem, ele subtrai o bem da outra pessoa, sem violência ou grave ameaça. É o que aconteceu na matéria acima. A dona da moto chegou no estacionamento e a moto já não estava lá. Ela não sofreu qualquer violência ou ameaça.
Mas para que haja o furto, não basta a subtração: é preciso que essa subtração da coisa alheia tenha o caráter de permanência. Ou seja, o ladrão furta com a intenção de jamais devolver, ou seja, uma privação definitiva.
Logo, se o ladrão furta o carro com a intenção de devolve-lo (por exemplo, se o jovem furta o carro para andar com ele pela cidade e depois coloca-lo de volta na garagem do dono), trata-se do que os juristas chamam de furto de uso. E como essa conduta não está prevista em nenhuma lei penal brasileira, não há crime. Em outras palavras, ninguém pode ser condenado penalmente pelo furto de uso.*
Para os curiosos: no caso do roubo (quando há violência ou grave ameaça), por outro lado, é impossível um ‘roubo de uso’. Isso porque se o criminoso ameaçou o praticou a violência contra a vítima, ele será punido pela tentativa, ainda que não tenha conseguido subtrair o bem.
Mas o caso da matéria acima não é um caso de furto de uso. No caso acima, o ladrão (aparentemente) furtou com a intenção de ficar com a moto para si ou passa-la para outra pessoa. Quando ele a furtou, ele não pensava em devolve-la. Ele só pensou em devolve-la depois que já havia cometido o furto. Logo, houve crime e – ao contrário do furto de uso descrito acima – ele pode ser punido penalmente pelo que fez. Afinal, o crime já está cometido.
Mas nossa legislação penal abre uma segunda possibilidade para o criminoso arrependido: se nos crimes que não envolvem grave ameaça ou violência contra a pessoa, o criminoso, depois de ter cometido o crime, se arrepender e tentar reparar os danos causados à vítima ou devolver o objeto, sua pena é diminuída de um a dois terços. É o que a lei chama de arrependimento posterior (que não pode ser confundido com arrependimento eficaz, que é outra coisa).
No caso da matéria acima houve um furto. Furto, por definição, nunca envolve violência ou grave ameaça (se envolvesse, seria roubo). Logo, se quem furtou a moto tentou voluntariamente reparar os danos causados à vítima ou restituir a coisa (a moto) antes do início do processo criminal, sua pena deve ser diminuída de um a dois terços. Como a pena para furto é de 1 a 4 anos, ela cai para entre 4 meses e 2 anos e 8 meses.

* Acima dissemos que no furto de uso a pessoa não é punida. Na verdade, a pessoa que comete furto de uso de um veículo pode, ao menos em teoria, ser condenado por outros delitos. Por exemplo, ela terá causado dano à propriedade ao quebrar o vidro do carro ou destruir o mecanismo de ignição, e terá consumido combustível que não lhe pertencia. Além disso, ainda que ela não seja condenada penalmente, ela pode ser condenada civilmente a reparar os danos causados à vítima. Por exemplo, ela poderá ser obrigada a reembolsar a vítima pelas despesas com taxi que teve de usar durante o período em que ficou sem o carro, pelo estresse emocional de achar que sua propriedade foi furtada etc.

CENA DO CRIME

Saiu na Folha de   15/12/10:

O empresário Eduardo Abdelnur, 46, um dos proprietários da Toalhas São Carlos, foi encontrado morto com um tiro no peito por volta das 10h de ontem, em sua sala na empresa são-carlense.
A polícia trabalha tanto com a hipótese de suicídio quanto com a de homicídio.
A primeira, registrada no boletim de ocorrência, é sustentada pelo depoimento de um dos irmãos do empresário, cujo nome não foi divulgado pela polícia.
De acordo com o delegado Adriano Alexandrino, o irmão disse ter achado Abdelnur morto. Em choque, mandou jogar num tanque de produtos químicos da fábrica a arma que afirmou ter encontrado na cena do crime. A possibilidade de assassinato é investigada pelo fato de a arma não ter sido encontrada no local da morte.‘O caso é estranho. A empresa possui câmeras em vários  locais, menos na sala de Abdelnur. Todas as imagens serão analisadas’, afirmou o delegado
”.
Esse caso é interessante para ilustrar um tipo de crime muito importante mas que geralmente gera pouca notícia: a fraude processual. Diz o artigo 347 de nosso Código Penal que esse crime é “inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito” e que a pena varia entre 3 meses e 2 ano, além da multa. E se for um processo penal, as penas dobram (6 meses a 4 anos).
Lendo com cuidado a lei percebemos que a fraude processual acontece quando uma pessoa modifica ('inova') o local do crime, os objetos relacionados ao crime, ou mesmo o estado das pessoas envolvidas, com o fim de induzir o magistrado ao erro. A intenção nesse crime é que, modificando as evidências, o magistrado (ou o perito) será induzido a um erro e, por consequência, julgará de forma injusta.
Na esfera criminal, ele pode ser cometido tanto pelo criminoso (por exemplo, que resolve modificar a posição do corpo da vítima), quanto por uma pessoa que não tinha nada a ver com o crime cometido mas que resolveu ajudar o criminoso modificando a cena do crime.
Existe um outro fato muito interessante sobre esse crime: como o nome diz, ele se refere à fraude processual. Ora, ainda não há um processo contra ninguém no caso da matéria acima (na verdade, a polícia mal começou a investigar o que aconteceu), logo, como é que poderia ter ocorrido uma fraude processual, se o processo vai começar (se começar) apenas depois que a polícia terminar sua investigação?
Isso ocorre porque nosso Código Penal diz que, ainda que não haja um processo penal, pode haver uma fraude processual se a pessoa agiu para afetar o julgamento do juiz quando o processo penal finalmente for proposto. 
Sem entrar no debate sobre o que realmente aconteceu no caso da matéria acima, é importante notarmos mais dois pontos muito importantes:
Primeiro, suicídio não é crime no Brasil. Se o que ocorreu foi um suicídio, não houve fraude ao processo quando a pessoa se desfez da arma (ainda que tenha agido intencionalmente) porque só pode haver processo penal quando há um delito e, como dito, não há delito quando alguém simplesmente se mata.
O segundo ponto importante é que, ainda que não tenha sido um suicídio, só haverá fraude processual se a pessoa realmente quis desfazer-se da arma. Isso porque esse crime só existe na sua modalidade dolosa, ou seja, quando a pessoa que modificou a cena do crime realmente quer modificá-la (ou, agindo como decidiu agir, assume o risco de modificá-la). Se tal pessoa modifica a cena sem querer, ela agiu culposamente (ou seja, ela agiu de forma imprudente, negligente ou sem a técnica necessária) e, portanto, não pode ser punida.
No caso da matéria acima, a questão fica ainda mais complicada porque alega-se que a pessoa que se desfez da arma estava em estado de choque. Alguém em estado de choque ainda é punível. Para nossa lei,  dentre os adultos, apenas os loucos ou os que não tiveram o desenvolvimento mental completo são considerados inimputáveis (não puníveis). A ‘loucura temporária’ não torna a pessoa imune à lei. Alguém que de alguma forma estava sofrendo de alguma perturbação mental no momento em que cometeu o crime (por exemplo, em estado de choque) é punível. A única diferença é que essa pessoa pode ter sua pena reduzida entre um e dois terços. Mas é importante lembrar que o estado de choque não é a mesma coisa que a pessoa que estava simplesmente exaltada (o que a lei chama de ‘emoção e paixão’). A pessoa agindo de forma emocional ou passional é totalmente punível e a pena poderá ser a máxima prevista pela lei.

DANO MORAL, ASSÉDIO MORAL E ASSÉDIO SEXUAL

Saiu na Folha de 15/3/12:
Justiça condena Banco do Brasil por assédio moral
O Banco do Brasil foi condenado pela Justiça do Trabalho a pagar R$ 600 mil de indenização por danos morais coletivos.
Para o Tribunal Regional do Trabalho de Brasília, a prática de assédio moral na instituição evidencia 'verdadeira ferramenta de gestão nas unidades do banco'.
Maior banco da América Latina em volume de ativos (patrimônio), o BB tem 114 mil funcionários.
A ação enumera uma série de práticas de assédio moral: isolamento no ambiente de trabalho de um portador do vírus HIV, interrupção de licença-maternidade, retaliações a grevistas (…)
A indenização, se e quando paga, será revertida ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador)

A CLT exige para configurar uma relação de emprego, entre outros elementos, que o empregado esteja subordinado à empresa. Quando a CLT diz subordinação, ela se refere aos poderes de comando e direção do empregado, ou seja, que a empresa pode dar ordens ao empregado para que cumpra a função para qual foi contratado em troca de salário.
Se a pessoa não está subordinada à empresa, ela não é empregada (é o caso de representante comercial autônomo que não é obrigado a seguir cumprir horário de entrada e saída).
É aí que surge o ‘poder diretivo’ do chefe, que é o representante da empresa para dar ordens ao empregado. Ou seja, ele é a pessoa que deve exercer o direito de a empresa manter o empregado sob sua subordinação.
No exercício da subordinação, o chefe deve seguir parâmetros e limites que não atinjam a dignidade do trabalhador ou extrapolem o poder diretivo da empresa. Esse poder deve ser exercido com respeito, não expondo o empregado a situações vexatórias ou constrangedoras, como atribuir serviços além da capacidade do empregado ou gritar ao dar ordens.
O dano moral surge quando há a extrapolação do poder de subordinação. É o chefe que manda o empregado subir e dançar na mesa porque não atingiu a meta do mês, ou, insatisfeito com o desempenho do empregado, o ofende na frente dos demais colegas. Essas situações isoladas caracterizam o dano moral.
Entretanto, algumas situações se tornam permanentes, muitas vezes para fazer com que o empregado peça demissão (e a empresa economize nas verbas demissionais). E, nesse caso, surge o assédio moral. Ele pode ser na forma de estabelecer constantemente metas impossíveis ou, o oposto, não estabelecer meta nenhuma, deixando o empregado na ‘geladeira’. Isso é o que se chama de assédio vertical.
O assédio também pode ser ‘horizontal’, quando ele não parte da chefia, mas dos colegas de trabalho. É o caso de colegas que atribuem apelidos desrespeitosos, incomodando o colega, ou fazem brincadeiras de mau gosto constantes. Aqui, embora o assédio não tenha partido da empresa, ele aconteceu por causa da relação de trabalho e no ambiente de trabalho. Por isso é importante que o empregado comunique à chefia, caso não seja evidente (muitas vezes, o próprio chefe é omisso – o que acaba por incentivar ainda mais o assédio). Como todos estão subordinados à mesma empresa, e a empresa é responsável pelo local de trabalho, ela deve tomar providências a respeito ou pode ser responsabilizada.
Na esfera criminal, há também o assédio sexual, que é alguém utilizar-se de sua posição hierárquica (normalmente o chefe, mas não necessariamente ele) para constranger alguém com a finalidade de obter uma vantagem ou favorecimento sexual.

O DESACATO, A APOLOGIA E A INCITAÇÃO

Saiu na Folha de 29/01/12:

Rita Lee é liberada após prestar depoimento em Aracaju
A cantora Rita Lee, 67, foi liberada após prestar depoimento e assinar um boletim de ocorrência numa delegacia de Aracaju (SE). Ela foi detida por policiais ao fim do último show de sua carreira, no Festival Verão Sergipe. Ao avistar policiais na plateia, a cantora declarou que não os queria em sua apresentação. ‘Vocês são legais, vão lá fumar um baseadinho’. O imbróglio começou no meio do show, quando a cantora afirmou ter visto membros de seu fã clube, que viaja trás dela pelo Brasil, sendo agredidos pelos policiais. Tendo se aproximado do palco, os policiais foram xingados pela cantora de ‘cavalo’, ‘cachorro’ e ‘filho da puta’. ‘Sobe aqui’, dizia Rita a eles, desafiando-os. Ela fez o show até o final, quando foi levada à delegacia.
O boletim de ocorrência foi tipificado como ‘desacato’ e ‘apologia ao crime ou ao criminoso’ (art. 287 do Código Penal). ‘A sensatez falou mais alto no momento, por isso a polícia não parou o show’, disse o tenente-coronel Adolfo Menezes, responsável pelo policiamento do show

O que é desacato?

Chamar uma pessoa de ‘cavalo’, ‘cachorro’ ou qualquer outro termo pejorativo, com o intuito ou assumindo o risco de ofender aquela pessoa, é crime. Chama-se injúria. Mas se eu digo para o lutador de boxe que ele é ‘forte como um cavalo’ e ele, orgulhoso, me mostra os músculos flexionados, ou se eu tomo o sorvete de minha namorada e ela brinca: ‘cachorro, você sempre escolhe o maior’, não há crime. Isso porque nesses dois casos não houve o intuito de ofender (e nem se assumiu o risco de ofender), e o destinatário não se sentiu ofendido. Para que haja a injúria você precisa da combinação das duas coisas: intenção/assumir o risco mais vítima se sentir ofendida.

Mas se eu chamo um policial de ‘cavalo’ ou ‘cachorro’ por causa de sua função como agente do Estado, o crime passa a ser outro: o desacato. No desacato a ofensa não é destinada à pessoa, mas ao cargo da pessoa. No caso da matéria acima, por exemplo, se os soldados não tivessem sido reconhecidos como tais (se não estivessem uniformizados, por exemplo), eles jamais haveriam sido xingados. Logo, a ofensa é feita em relação ao seu cargo e, portanto, passa a ser desacato.

A ideia por trás do desacato é proteger não o indivíduo, mas o respeito que se deve ter às funções públicas.
Mas apenas o servidor público no exercício de sua função pode ser desacatado. A expressão ‘exercício de sua função’ é essencial aqui. Ela significa, entre outras coisas, que o servidor precisa estar agindo dentro da lei. Se ele está agindo ilegalmente e você o ofende, você não o está desacatando porque ele não está no exercício de sua função. Logo, no caso citado pela matéria, só haverá desacato se os soldados estavam no show legalmente como representantes do Estado (a tal da 'carteirada', por exemplo, não é legal), e se, além disso, estavam agindo de acordo com o que a lei e as normas de conduta de sua função determinam.
Apologia ou incitação?
A matéria acima também cita o crime de 'apologia de crime ou criminoso'.
Ao contrário do que muita gente acredita, o consumo de entorpecentes – inclusive maconha – no Brasil ainda é crime. Só não é apenado com pena de prisão, mas a pessoa ainda é punida de outras formas.
Pois bem, enaltecer, louvar ou elogiar o uso de drogas – mesmo a maconha – é fazer a apologia de crime, e isso é um crime em si, previsto no artigo 287 de nosso Código Penal, chamado de apologia de crime ou criminoso, cuja a pena chega a até 3 meses.

Mas se a pessoa diz ‘vai, usa a maconha’ ou ‘fuma um baseado’, o crime passa a ser outro, mais grave, chamado de ‘incitação ao crime’, previsto no artigo 286 do Código Penal, e cuja pena chega a 6 meses.
Reparem que há uma diferença sutil, mas importante. Enquanto fazer apologia é enaltecer ou elogiar algo, incitar é induzir ou instigar alguém a fazer alguma coisa.

Segundo a maior parte dos juristas, há mais uma diferença importante entre esses dois crimes: na apologia, o criminoso faz menção a um fato passado. É impossível eu elogiar ou enaltecer um crime que ainda não aconteceu. Já na incitação ao crime, a pessoa se refere a um fato futuro. Você não pode incitar (induzir ou instigar) alguém a fazer alguma coisa que já aconteceu. Não teria lógica.
Logo, dizer ‘vai ali no canto fumar uma maconha’ não pode ser considerado apologia, primeiro, porque isso não é um elogio ou algo parecido e, segundo, porque não se está elogiando um crime já acontecido (passado), mas incitando o cometimento de um crime que ainda precisa acontecer (futuro). Instigar alguém a cometer um crime é, portanto, incitação ao crime.
Na prática, os processos contra esses dois crimes (que são julgados pelos juizados especiais criminais, que eram antes chamados de 'pequenas causas') acabam nem sequer sendo levados adiante (é o que se chama de sursis processual, quando o processo é suspenso antes da sentença, sob a condição do beneficiado não voltar a cometer outro delito). E, mesmo se forem levados adiante, a pena acaba sendo apenas de multa ou, quando muito, a prestação de serviço à comunidade.

ADVOGADOS

Saiu na Folha de  3/1/13:
Advogados negam defesa a acusados de estupro na Índia
Advogados do tribunal de Nova Déli, na Índia, anunciaram ontem que se recusam a defender os seis suspeitos de terem agredido e estuprado uma estudante de fisioterapia de 23 anos que morreu no sábado.
O caso chocou o país, e a brutalidade das circunstâncias envolvendo o ataque contra a jovem acendeu um debate público a respeito da sistemática violência contra as mulheres na Índia, onde um caso de estupro é registrado a cada 20 minutos.
‘Decidimos que nenhum advogado se apresentará para defender os acusados da violação porque seria imoral defender o caso’, disse Sanjay Kumar, membro da Ordem dos Advogados do distrito de Saket, no sul da capital. Segundo Kumar, os 2.500 advogados registrados na região decidiram ‘permanecer à margem’ para assegurar que haja uma ‘justiça rápida’, o que significa que defensores públicos representarão os suspeitos”.

O artigo levanta dois pontos importantes em uma democracia: o papel do advogado e o papel da associação que os gere (no caso do Brasil, a OAB).
Quando um advogado defende um cliente, ele o representa, mas isso não significa que ele concorda com o cliente, que ele endossa o que o cliente fez, ou que gosta do cliente. O advogado não é amigo do cliente. Pelo contrário: ele é um prestador de serviço e, embora estejam do mesmo lado no julgamento, estão de lados opostos na relação comercial que estabelecem entre si.
É fácil transferir do acusado para seu advogado nossa revolta natural por um crime. Afinal, o acusado está calado quase todo o tempo, enquanto o advogado o está defendendo abertamente quase todo o tempo. Mas o que o advogado está fazendo não é endossando a conduta do cliente: apenas tentando proteger seus direitos.
Tampouco podemos confundir a representação ou defesa com dizer que é inocente. Mesmo porque muitas vezes o réu será confesso, como é o caso dos réus acima. Seria contraprodutivo ter o réu se dizendo culpado e seu advogado dizendo que ele é inocente. Nesses casos, cabe ao advogado tentar minimizar a pena do réu, fazer com que a pena seja proporcional ao delito, que a punição seja pelo crime cometido, que o cumprimento da pena seja digno e conforme a lei, e assim por diante. O advogado está lá também para guiar seu cliente no mundo de leis que o réu provavelmente desconhece.

Se nos crimes revoltantes o papel do advogado pode ser incômodo, imagine o cenário contrário: seria igualmente incômodo se não houvesse acusação só porque o réu é alguém de quem quase todo mundo goste. Para que o julgamento tenha a mínima chance de ser justo, ambos os lados precisam ter pessoas que entendam as leis que serão usadas no processo. Isso não garante que o resultado seja justo, mas a ausência de defesa e acusação garante que o resultado seja injusto.
Isso não quer dizer que o advogado tenha a obrigação de defender qualquer cliente. Uma das primeiras coisas que um bom estudante de direito deve compreender é quais são seus limites. Alguns se sentirão confortáveis defendendo homicidas, mas não se sentirão bem ao participarem de um divórcio. E vice-versa. É uma questão meramente pessoal. E se o advogado não está preparado para representar um cliente acusado desse ou daquele crime, ele deve recusar-se não só para proteger sua integridade emocional, mas também para proteger o interesse do acusado. Afinal, você gostaria de ser representado por alguém que não deseja representá-lo?
Mas isso não é a mesma coisa de uma associação de classe dizer que nenhum prestador de serviço deve prestar serviço ao réu. Há uma diferença enorme entre um advogado tomar uma decisão pessoal - de cunho íntimo - e uma associação impor uma limitação coletiva, de cunho político. Se os 2,5 mil advogados acima, individualmente, se recusaram a defender os réus porque acham seus crimes abjetos demais, isso é aceitável. É decisão de cada um e ninguém pode ou deve forçá-los a defender os réus. Se eles, depois de tomarem essa decisão individualmente, pedem para sua associação comunicar isso em seus nomes, isso também é aceitável. Mas não cabe à associação fazer um julgamento de valor no lugar de seus associados ou, pior, impedí-los de representar os acusados. Seu papel é justamente o contrário: proteger o direito daqueles que se disponham a defender os réus, apesar dos riscos que correrão.

ABUSO

Saiu na folha de 16/12/11:
"Vídeo mostra maus-tratos contra yorkshire em GO; polícia investiga
A Policia Civil de Formosa (GO) instaurou um inquérito para investigar uma denúncia de maus-tratos contra um cachorro da raça Yorkshire, praticados por sua dona, uma enfermeira de 22 anos. Algumas cenas da agressão foram divulgadas na internet."

Animais não têm direito. Isso mesmo: do ponto de vista jurídico, animais não têm direito. Apenas pessoas (físicas ou jurídicas) têm direitos. Animais são, para as leis brasileiras, ‘objetos’. Direitos são exercidos sobre eles, mas eles mesmo não têm qualquer direito.
Mas isso não quer dizer que eles possam ser maltratados. Isso porque nós possuímos direitos. Nós individualmente e nós como coletividade.
A dona do cachorro tem direitos sobre ele. Como dona, pode vende-lo, doa-lo etc. Esse é um direito dela (individualmente). O dono da vaca pode vende-la para o abatedouro, se quiser. E o dono do abatedouro pode mata-la e vender a carne. Isso porque essas condutas são seus direitos e não vão contra os nossos direitos como sociedade.
Mas a dona de um animal não pode machuca-lo porque seu direito como dona não se sobrepõe ao nosso direito como sociedade; e, como sociedade, não toleramos crueldade contra animais. Se o dono do abatedouro resolver matar a vaca de uma forma cruel, ele também estará cometendo um crime (é por isso que a forma de abate é controlada pelo governo).
Primeiro vem nosso direito como sociedade de viver em um país no qual animais não são tratados de forma cruel, e só depois vem o direito do dono do animal.
E para proteger esse nosso direito coletivo, criamos leis que proíbem que os animais sofram crueldade, e pune quem os maltrata.
A lei que pune quem é cruel com um animal é a 9.605/98. Em seu artigo 32 ela diz que “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos” sujeita o criminoso a uma pena de detenção que varia entre três meses a um ano, e multa. E se o animal morre, a pena aumenta de um sexto até um terço, ou seja, passa a variar entre três meses e meio (105 dias), e um ano e quatro meses (16 meses).

Embora a lei diga que a pessoa possa ser presa, na prática, porque a pena é baixa, essa prisão é convertida em penas restritivas de direito, como a prestação de serviço à comunidade. Ou seja, a pessoa é condenada mas não é presa.
Mas existe um outro detalhe interesse nessa história: uma suspeita foi identificada e seus dados pessoais foram postos na internet. Milhares de pessoas passaram a ameaça-la online. Bem, quem comete um crime deve responder à Justiça. E se não gostamos das leis que punem os criminosos, precisamos mudar nossos congressistas para que façam leis diferentes (não cabe à Justiça mudar as leis, mas apenas aplica-las. É o Congresso Nacional que faz nossas leis penais). Mas não podemos corrigir um crime com outro. Por exemplo, quem está ameaçando a mulher suspeita está cometendo um crime, chamado de 'Ameaça', e que está lá no  artigo 147 de nosso Código Penal: “ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa”. Reparem que a lei disse que a ameaça pode ser feita por qualquer meio, o que inclui a internet. Além disso, dizer que vai matar alguém é um mal injusto.
E a questão fica ainda mais complicada: quem identificou a suspeita e colocou seu endereço online com o propósito de que ela realmente seja agredida ou morta pode estar sendo partícipe em um crime de lesão corporal ou mesmo homicídio, se ela vier a ser agredida ou morta. Na internet, como na vida real, devemos tomar cuidado com nossas ações, reações e palavras (ah! Não adianta usar anonimato: quando você posta um comentário online, seu computador deixa impresso algo chamado IP - Internet Protocol -  que é único e pode identificar de onde veio tal comentário).

DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS E AGRAVOS



 
Saiu na Folha  em 05/09/07:

"O presidente Lula foi derrotado por Amaral em primeira e segunda instâncias, em SP. Seus advogados apresentaram agravo para que o STJ reavaliasse a questão, pedindo ainda que a execução, para cobrança dos R$ 90 mil, fosse suspensa.
Há alguns dias, Direito 'negou provimento' ao agravo. A decisão ainda não foi divulgada. Os advogados de Lula vão recorrer para que a questão seja avaliada pela Terceira Turma do STJ.
A decisão de Direito, que deve ser publicada hoje no Diário de Justiça, deve causar uma saia justa em sua posse no STF. É que Lula confirmou presença na cerimônia para prestigiar o seu, digamos, 'algoz'.”

Entender esse erro é um pouco mais complicado do que os outros, mas vamos tentar.

Um magistrado toma dois tipos de decisão durante um processo: aquelas que põe fim ao processo (as sentenças e acórdãos) e as que não põe fim ao processo (as chamadas decisões interlocutórias). Contra as primeiras, cabem a apelação ou os recursos especial (se a questão é levada ao STJ) e extraordinário (se a questão é levada ao STF). Contra as decisões interlocutórias, cabem os agravos (de instrumento e regimental).
Na questão acima, o texto dá a entender que houve um recurso contra o acórdão do TJ de SP, pois diz que o agravo foi contra a derrota sofrida na segunda instancia e,ainda(e esse “ainda” é que causa o erro) contra a execução para a cobrança do dinheiro (“O presidente Lula foi derrotado por Amaral em primeira e segunda instâncias, em SP. Seus advogados apresentaram agravo para que o STJ reavaliasse a questão, pedindo ainda que a execução, para cobrança dos R$ 90 mil, fosse suspensa.”).
O recurso decidido pelo STJ foi um agravo (“Há alguns dias, Direito "negou provimento" ao agravo”), logo não foi um recurso contra a decisão final da segunda instancia. Ou seja, o recurso não foi contra a decisão do TJ de SP que disse que Fulano ofendeu Beltrano.
Não acompanho e não conheço o caso, mas se precisar chutar, essa é minha explicação: houve um agravo contra uma liminar que obrigaria o pagamento dos R$90mil antes que a questão final fosse decidida.
Uma outra explicação possível é que o agravo era o que chamamos de “agravo retido”, que é um recurso contra uma decisão que não põe fim ao processo, mas que só é julgado depois que a questão final é decidida, se houver uma apelação. É como se uma das partes dissesse: “não concordo com essa decisão interlocutória, mas não vou parar o processo para debatê-la agora. Contudo, reservo-me o direito de trazer esse assunto à tona se, na sentença, o resultado final do processo for influenciado por essa decisão interlocutória com a qual não concordo”.
O resultado é que ficou parecendo que o nomeado decidiu uma causa contra aquele que o está nomeando para um cargo melhor. Mas, se a decisão foi apenas um agravo, o que ele fez foi muito mais resolver uma divergência a respeito do andamento do processo do que dizer que Fulano ofendeu Beltrano.

ACUSAÇÃO

Saiu na Folha de 4/8/11:
A investigação sobre a morte do administrador de empresas Vitor Gurman, 24, se transformou numa guerra de versões de testemunhas.
Pessoas ouvidas pela polícia têm apresentado relatos conflitantes a respeito de quem dirigia o Land Rover que o atropelou no dia 23, na Vila Madalena, bairro da zona oeste de São Paulo.
Estavam no jipe a nutricionista Gabriella Guerrero Pereira, 28, e o engenheiro Roberto de Souza Lima, 34 (…)
Ontem, mais testemunhas falaram à polícia sobre o acidente da rua Natingui.
Uma delas confirmou a versão segundo a qual Gabriella estava ao volante.
Outras duas, no entanto, disseram que o motorista era o seu namorado. Essas testemunhas participaram de uma acareação e voltaram atrás em suas versões.
Uma quarta testemunha ouvida ontem disse que estava de moto quando cruzou com o jipe pouco antes do acidente. Ela afirma ter visto ao volante um homem pardo e sem barba. Lima tem pele clara e barba (…)
O advogado da família Gurman, Alexandre Venturini, afirmou ontem que seus clientes estão interessados apenas em esclarecer o que ocorreu naquela noite

Para a acusação, pior do que não ter nenhuma testemunha é ter várias testemunhas que se contradizem. Já para a defesa, interessa ter testemunhas que se contradizem. Quanto mais elas se contradisserem, mais fácil é a absolvição do(s) suspeito(s). Isso porque cabe à acusação provar que o acusado é culpado. À defesa, basta criar a dúvida. As pessoas quase sempre se esquecem disso: a defesa não precisa provar que seu cliente é inocente. Ele e todos nós já somos inocente até que se prove o contrário. Para a defesa, basta criar dúvidas no argumento da acusação. E poucas coisas são melhores para a defesa do que ter testemunhas que se contradizem, enchendo a cabeça dos jurados e do juiz de dúvidas sobre a tese defendida pela acusação.
Em teoria, as testemunhas são imparciais. Elas estão lá para relatarem o que viram e não para estarem do lado dessa ou daquela pessoa. Ainda que elas sejam chamadas de ‘testemunhas de acusação’ e ‘testemunhas de defesa’, isso é só porque quem pede que elas estejam presentes é a acusação e a defesa. Mas não quer dizer que elas possam mentir em favor dessa ou daquela parte. Se mentirem, são processadas por falso testemunho (que em filme americano é chamado de perjúrio).
No caso da matéria acima, ambas as pessoas que estavam no carro têm a mesma versão: ela estava dirigindo. As testemunhas é que têm versões diferentes. Algumas dizem que ela dirigia, outras dizem que ele dirigia.
Ora, então não seria mais simples se a justiça acreditasse na versão de quem estava dentro do carro e aceitasse que era ela quem estava dirigindo? Afinal, ela confessou, e a confissão é a rainha das provas, não?
Não! Isso é mais um dos mitos do direito. E o caso acima é um exemplo perfeito para mostrar como confissões podem não ser verdadeiras. (Repito: podem. Ninguém – exceto os dois – sabe quem estava dirigindo).
Quem confessou pode estar mentindo. Mães confessam para ‘livrar a cara’ dos filhos. Presos confessam para, como dizem os policiais, ‘comprar cadeia (ou ‘cana’)’, que nada mais é do confessar um crime que não cometeu para conseguir alguma vantagem entre os outros presos ou simplesmente evitar ser morto por outro preso (ou polícia), que foi de fato quem cometeu o crime. Algumas pessoas confessam porque estão loucas ou porque ‘acham’ que cometeram um delito (o exemplo das testemunhas na matéria acima mostra como é simples as pessoas interpretarem a realidade de forma errada). O caso da namorada acima pode ser um caso em que alguém confessa para ‘livrar a cara’ de outra pessoa. Afinal, se era ele quem estava dirigindo, ele cometeu um crime muito grave, pois estava embriagado. Mas se era ela, ela pode alegar que apenas perdeu o controle do veículo enquanto o conduzia sobriamente. Sua pena seria muito menor.
Mas no caso da matéria acima a questão é ainda mais complicado porque quem for julgar precisa estar convencido sobre a identidade de quem estava dirigindo. Afinal, se os jurados (ou o juiz, se não for parar no tribunal do júri) tiver dúvida (ainda que pequena) sobre quem de fato estava dirigindo, o acusado será absolvido. Isso porque, na dúvida, é melhor absolver um culpado do que condenar um inocente. É o que em juridiquês chamamos de in dubio pro reo (‘na dúvida, que se decida sempre a favor do réu’).

E uma vez absolvido em um processo válido, quem foi absolvido não poderá ser julgado novamente. Por isso é essencial achar o culpado ‘de primeira’.

E qual é a punição do passageiro do carro? Independente se o passageiro estava bêbado ou sóbrio, ele(a) não cometeu nenhum crime (exceto se incentivou ou agiu de forma a causar o acidente). Do ponto de vista jurídico, o passageiro é uma segunda vítima do motorista, podendo, inclusive, processar o motorista pelos danos causados no acidente. E o Ministério Público poderá processar o motorista não só pela morte do pedestre, mas também pelas lesões sofridas pelo passageiro. Em outras palavras, embora ambos estivessem dentro do carro no momento do acidente, do ponto de vista jurídico eles estão, em teoria, de lados opostos: um causou dano material e moral, além de ter cometido um crime. O outro, sofreu dano material e moral, além de ter sido vítima de um crime.

A DETERMINAÇÃO DA PENA E O SISTEMA TRIFÁSICO

Saiu na Folha da 28/1/11:

A professora de matemática Cristiane Teixeira Barreiras, 33, presa no dia 27 de outubro acusada de manter um relacionamento com uma aluna de 13 anos, foi condenada a 12 anos de prisão por estupro de vulnerável. A decisão é do juiz Alberto Salomão Júnior, da 2ª Vara Criminal de Bangu, no Rio.
Na sentença, o juiz afirma que a acusada não negou ter vivido um relacionamento com a adolescente e que os encontros com a aluna ocorriam em um motel e no carro da professora. Cristiane dava aula numa escola municipal em Realengo.
Segundo o magistrado, ‘a menor reiterou com desenvoltura a prática criminosa’ e chegou a declarar ‘que sentia grande amor pela acusada e pretendia com a mesma viver por toda a vida’.
Na denúncia do Ministério Púbico estadual, Cristiane Barreiras foi acusada de cometer o crime por mais de 20 vezes. A pena para estupro de vulnerável, segundo a nova lei de crimes sexuais, varia de 8 a 15 anos de reclusão.
Na decisão, o juiz ressaltou que ‘a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade da agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima, não autorizam a fixação da pena em patamar superior ao mínimo’. No entanto, justifica que ‘a pena foi aumentada pela metade em função do reiterado e impreciso número de vezes que a conduta delituosa foi cometida’.
A defesa da ré disse que vai recorrer e pedir a pena mínima. ‘Ela é ré primária e confessou o crime. Houve um excesso de pena’, afirmou o advogado Ronaldo Barros


Já usamos esse texto para falar de dois assunto diferentes – estupro de menores e sistemas jurídicos. Hoje vamos usá-lo para falar de um terceiro assunto: a determinação da pena.
Quando um magistrado precisa determinar a pena de um réu, ele faz três análises diferentes, uma depois da outra. É o que os juristas chamam de sistema trifásico de determinação da pena.
Na primeira fase, ele estabelece a pena-base. E como é que ele faz isso? Ele faz isso olhando justamente o que foi citado na matéria: ‘a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade da agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima’. 

O jornalista colocou essas aspas como se fossem as palavras do juiz. Na verdade, ele apenas copiou, palavra por palavra, o artigo 59 de nosso Código Penal, que diz como o juiz deve estabelecer a pena-base de um condenado. Esse é um dos artigos mais conhecidos do direito brasileiro Quem acompanha jornais populares ou programas de TV policias, frequentemente verá o preso entrevistado dizendo que tem ‘um 59 favorável [ou bom]’. Ele também está se referindo a esse artigo, que obriga o magistrado a olhar como o réu e a vítima agiram, e quais as razões e consequências do crime.

Por exemplo, a lei diz que matar alguém (homicídio simples) gera uma pena de 6 a 20 anos. Mas ‘matar alguém’ pode ser matar um ladrão que invadiu sua casa ou matar um pai de família no trabalho porque ele chegou 5 minutos atrasado na reunião. Óbvio que o segundo crime gera uma repulsa muito maior do que o primeiro. Graças aos artigo 59 o juiz vai poder determinar uma pena-base maior para o segundo crime (digamos, 20 anos) do que para o primeiro crime (digamos, 6 anos).

Reparem que na matéria acima o juiz diz que, analisando o artigo 59, ele está convencido de que a professora deve ser condenada à pena mínima possível para aquele crime (“não autorizam a fixação da pena em patamar superior ao mínimo”).

Depois de estabelecida a pena-base, contudo, ele ainda tem duas outras fases: ele ainda precisa checar se houve atenuantes ou agravantes (segunda fase), e, depois disso, se houve causas de diminuição ou aumento da pena (terceira fase). Ou seja, ele vai precisar/poder ajustar a pena-base duas vezes até chegar à pena final.

E foi justamente isso que ele fez na matéria acima. Olhando os elementos do artigo 59, ele determinou que a pena-base seria de 8 anos, mas a pena final foi aumentada para 12 anos porque, segundo o artigo 71, houve o que chamamos de crime continuado, que é quando o agente comete crimes da mesma espécie (no caso acima, estupro de vulnerável) de forma que as condições de tempo, lugar ou maneira de execução indicam que os crimes seguintes são continuação do primeiro. Em outras palavras, embora elas tenham se relacionado dezenas de vezes, o juiz a condenou a apenas um crime (o primeiro estupro) e disse (sem usar essas palavras) que ele achava que o crime havia sido muito pouco grave e por isso a pena-base seria a menor possível (8 anos). Mas, em seguida, ele foi obrigado a aumentar a pena pela metade por causa dos estupros subsequentes que, na opinião dele, eram apenas continuação do primeiro. O crime continuado permite um aumento da pena entre um sexto e dois terços. O magistrado optou pela metade (mais 4 anos).

E reparem que a defesa diz que a pena foi muito alta porque o juiz não levou em consideração nem a primariedade nem a confissão. A primariedade* não não é mencionada pela lei como relevante para a determinação da pena, mas seu contrário (a reincidência) é uma agravante. Já a confissão é uma atenuante, sim, mas apenas quando ela é feita de forma espontânea (ou seja, quando ela admite prontamente que cometeu o crime).

AUXÍLIO AO SUICÍDIO

Saiu na folha em 28/10/11:

"Tetraplégico encomenda o próprio assassinato ao irmão
O tapeceiro Roberto Rodrigues de Oliveira, 22 anos, foi preso anteontem, em Rio Claro (173 km de SP), acusado de ter matado o irmão tetraplégico, em um assalto simulado, com dois tiros à queima-roupa.
Segundo a polícia, o crime foi encomendado pela própria vítima, Geraldo Rodrigues de Oliveira, 28 anos - que não suportava viver sem poder mexer os braços e as pernas.
Segundo o delegado Marcos Fuentes, Geraldo perdeu os movimentos do pescoço para baixo há dois anos, quando Roberto desafiou o irmão a disputar um racha entre moto e carro (…)
Segundo ele, a vítima vivia dizendo ‘nem me matar eu consigo’ (…)
A conduta dele, segundo ela, foi causada ‘pelo enorme sofrimento do irmão, que clamava pela morte, que foi uma forma de libertação’"
Já vimos aqui que, pela lei brasileira, o suicídio não é crime e por isso ninguém é obrigado a viver. Mas ajudar alguém a morrer é crime. A questão é saber qual crime.

Se uma pessoa ‘apenas’ ajuda a outra a morrer – por exemplo, colocando a agulha na artéria e deixando com que o suicida aperte o êmbolo da seringa para injetar o medicamento –, ela estará cometendo um crime chamado auxílio ao suicídio. Mas se ela mata a pessoa que queria morrer – por exemplo, apertando ela mesma o êmbolo da seringa – o crime passa a ser outro, ainda mais grave: o homicídio.
Mas e se o morto queria morrer e pediu para morrer? Não importa: embora ele tenha o direito de tirar sua própria vida, ele não pode passar essa ‘responsabilidade’ para uma terceira pessoa. Se a terceira pessoa ajudá-lo, ela terá cometido um crime. Mesmo que o suicida tenha deixado uma carta avisando que autorizou ou pediu para que fosse morto.

Pois bem, então quer dizer que o juiz fica de mãos amarradas quando alguém em estado terminal pede ajuda para morrer? Mais ou menos. Embora ele tenha que condenar o réu em um dos dois crimes descritos acima, ele pode aplica uma pena menor se ele estiver convencido de que quem matou ou ajudou a morrer foi movido por um relevante valor moral. Isso é o que em direito se chama de atenuante. Diz nosso Código Penal, em seu artigo 65, III, 'a', que o juiz deve atenuar a pena que for aplicada ao réu sempre que o criminoso houver “cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral”.

Mas há dois detalhes: primeiro, a lei não diz quanto da pena será atenuada. É algo subjetivo, que só o juiz poderá decidir baseado no caso verdadeiro. E, segundo, para alguns juízes matar alguém a pedido da própria vítima ou ajudá-la a morrer pode ser algo moralmente relevante se a vítima estava sofrendo; mas para outros juízes, não. Em outras palavras, tanto a decisão de aceitar a alegação de que houve um motivo moralmente aceitável quanto a quantidade de pena que será atenuada são subjetivos e vão depender da interpretação de cada juiz em cada caso, e a bem da verdade, alguns magistrados podem entender que matar alguém que está pedindo para morrer ou ajudar essa pessoa a morrer é justamente o oposto de algo moralmente relevante: é matar alguém que, por conta de sua depressão, estava especialmente indefeso.

CONVÊNIO

Convênio é o acordo firmado entre duas entidades públicas ou entre uma entidade pública e outra particular, para a realização de um objetivo de interesse comum dos partícipes. O convênio se rege pelo artigo 116 da Lei nº 8666/93, "no que couber", segundo sua própria expressão.

Os convênios acadêmicos internacionais são estabelecidos por instituições formadoras ou serviços de saúde. É importante salientar que o aluno pode procurar os docentes de sua unidade de ensino e demonstrar interesse por determinada universidade estrangeira. Se for de interesse da USP e da universidade estrangeira, o convênio poderá ser assinado.

Com o objetivo de facilitar a negociação com parceiros internacionais, a CCInt-USP oferece alguns modelos dos documentos que poderão ser assinados.

Visando a cooperação com instituições de outros países, a CCNInt-USP disponibiliza três tipos de modelos de documentos a serem utilizados como meio de firmar essa cooperação. São eles:

  • Protocolo de Intenções: Um Protocolo de Intenções, por definição, não gera obrigações por nenhuma das partes envolvidas. Ele existe para que os parceiros registrem oficialmente suas intenções de estabelecer uma cooperação.
  • Acordo: O acordo é um documento que estabelece e define obrigações entre as partes, visando o cumprimento de um objetivo proposto.
  • Convênio: Assim como o acordo, o convênio estabelece obrigações das partes envolvidas, visando o alcance de um objetivo comum através do cumprimento de metas específicas e de um plano de trabalho bem definido. O objetivo do convênio, assim como o objeto, deve ser claramente definido.