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sábado, 12 de janeiro de 2013

LESÃO CORPORAL

Saiu na Folha 5/1/12:

Idosa atropela 11 em pastelaria no litoral
A dona de casa Djaneide de Brito Santos, 26, carregava no colo o filho Willian, de um mês, quando foi atingida por um Honda City que invadiu a calçada e atingiu pelo menos 11 clientes de uma pastelaria, em Caraguatatuba (SP), anteontem.
O carro automático era conduzido pela também dona de casa Serleu Moura, 75, que perdeu o controle do veículo durante uma manobra, causando o acidente. A motorista nada sofreu. Djaneide teve uma fratura na bacia e continua internada, sem previsão de alta. Willian saiu ileso (…)
Segundo a polícia, as outras oito vítimas tiveram apenas ferimentos leves.
À Folha Serleu, que também mora em Caraguá, disse que deve ter havido alguma falha no acelerador. Mas policiais suspeitam que ela pode ter pisado no acelerador em vez do freio (…)
Segundo o delegado-assistente Orley Siqueira, como os ferimentos não foram graves, é necessário que as vítimas façam uma representação. Se isso for feito, Serleu responderá a inquérito por lesão corporal culposa (sem intenção)

Reparem que o delegado diz que só irá investigar se as vítimas pedirem que ele investigue. Isso ocorre por conta da combinação de três leis diferentes:

Primeiro, nosso Código Penal diz que é lesão corporal (leve) ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem” (art. 129). E, logo em seguida, ele diz que para deixar de ser leve e passar a ser grave, a lesão precisa gerar “incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; perigo de vida; debilidade permanente de membro, sentido ou função; ou aceleração de parto”. Isso quer dizer que se a pessoa quis ou assumiu o risco de machucar a vítima, mas o resultado não chegou a ser, no mínimo, um daqueles previstos para se configurar uma lesão grave, a lesão é considerada leve.

Além disso, nosso Código Penal diz que, mesmo que se a pessoa não quis machucar (machucou sem querer porque agiu com negligência, imprudência ou imperícia), ela também pode ser punida (art. 129, §6°). Isso é o que chamamos de lesão corporal culposa. Aqui não interessa a gravidade da lesão, mas a intenção do criminoso.

Já a Lei 9.099/95 (a chamada ‘Lei dos juizados especiais’) diz que “dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas”. Em outras palavras, só existirá um processo se a vítima ou seu representante legal pedir. A ideia é que interessa muito mais à vítima punir o criminoso. Se a vítima perdoar, ele não será punido.
Isso, aliás, é uma exceção. Normalmente o perdão da vítima não tem qualquer influência sobre a decisão de processar o suspeito. Imagine um homicídio, por exemplo. O perdão da família da vítima não impede que o criminoso seja processado. Tecnicamente, os delitos que só são investigados quando a vítima quer são chamados de delitos de ação penal privada, e inclui crimes como a injúria. O segundo grupo é chamado de delitos de ação penal pública, e inclui a maior parte dos crimes.

Por fim, o Código de Trânsito (art. 291) diz que nos crimes de trânsito, quando ocorre uma lesão corporal leve ou culposa, aplicam-se as regras da Lei 9.099/95, ou seja, não há processo se a vítima não quiser. Mas ele faz uma ressalva: se a pessoa estava embriagada ou drogada, estava participando de ‘racha’ ou estava dirigindo em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 km/h, poderá haver processo, independente da vontade da vítima. A ideia é que, embora dessa vez o criminoso (a) não tenha causado uma lesão grave (ou coisa pior), ou (b) tenha causado uma lesão grave (ou pior), mas sem intenção, seu comportamento indica que ele é uma pessoa que não se preocupa com as normas mínimas de segurança e que se ele não for punido agora, ele irá repetir o mesmo erro (ou pior) mais adiante.
Voltando, então, ao caso da matéria acima:
O delegado de fato não irá indiciar a suspeita sem que as vítimas queiram, porque, ainda que as lesões sofridas pela vítima que quebrou a bacia sejam graves (ninguém recupera uma bacia quebrada em menos de 30 dias), o crime foi culposo (a suspeita aparentemente agiu com imperícia). Mas se ele descobrir que ela estava embriagada, drogada, estava participando de um racha com as amigas ou dirigindo 50km/h acima da velocidade permitida no local, então ela responderá, independente da vontade das vítimas.
Mas existe um último detalhe importante: a lei diz que a ação penal é que depende de representação. Ação penal é aquilo que é movido pelo MP no Judiciário. É o processo. Antes dele há o inquérito (a investigação policial), que é de responsabilidade do delegado. A lei não diz que nada a respeito do inquérito. Algumas vezes o delegado terá de iniciar o inquérito para saber quais são as circunstâncias do crime. Por exemplo, às vezes o inquérito será necessário para saber se o criminoso estava embriagado naquele crime culposo. Se estiver, a vontade da vítima não influenciará a existência de um processo.

http://direito.folha.uol.com.br/

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