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sábado, 12 de janeiro de 2013

ADVOGADOS

Saiu na Folha de  3/1/13:
Advogados negam defesa a acusados de estupro na Índia
Advogados do tribunal de Nova Déli, na Índia, anunciaram ontem que se recusam a defender os seis suspeitos de terem agredido e estuprado uma estudante de fisioterapia de 23 anos que morreu no sábado.
O caso chocou o país, e a brutalidade das circunstâncias envolvendo o ataque contra a jovem acendeu um debate público a respeito da sistemática violência contra as mulheres na Índia, onde um caso de estupro é registrado a cada 20 minutos.
‘Decidimos que nenhum advogado se apresentará para defender os acusados da violação porque seria imoral defender o caso’, disse Sanjay Kumar, membro da Ordem dos Advogados do distrito de Saket, no sul da capital. Segundo Kumar, os 2.500 advogados registrados na região decidiram ‘permanecer à margem’ para assegurar que haja uma ‘justiça rápida’, o que significa que defensores públicos representarão os suspeitos”.

O artigo levanta dois pontos importantes em uma democracia: o papel do advogado e o papel da associação que os gere (no caso do Brasil, a OAB).
Quando um advogado defende um cliente, ele o representa, mas isso não significa que ele concorda com o cliente, que ele endossa o que o cliente fez, ou que gosta do cliente. O advogado não é amigo do cliente. Pelo contrário: ele é um prestador de serviço e, embora estejam do mesmo lado no julgamento, estão de lados opostos na relação comercial que estabelecem entre si.
É fácil transferir do acusado para seu advogado nossa revolta natural por um crime. Afinal, o acusado está calado quase todo o tempo, enquanto o advogado o está defendendo abertamente quase todo o tempo. Mas o que o advogado está fazendo não é endossando a conduta do cliente: apenas tentando proteger seus direitos.
Tampouco podemos confundir a representação ou defesa com dizer que é inocente. Mesmo porque muitas vezes o réu será confesso, como é o caso dos réus acima. Seria contraprodutivo ter o réu se dizendo culpado e seu advogado dizendo que ele é inocente. Nesses casos, cabe ao advogado tentar minimizar a pena do réu, fazer com que a pena seja proporcional ao delito, que a punição seja pelo crime cometido, que o cumprimento da pena seja digno e conforme a lei, e assim por diante. O advogado está lá também para guiar seu cliente no mundo de leis que o réu provavelmente desconhece.

Se nos crimes revoltantes o papel do advogado pode ser incômodo, imagine o cenário contrário: seria igualmente incômodo se não houvesse acusação só porque o réu é alguém de quem quase todo mundo goste. Para que o julgamento tenha a mínima chance de ser justo, ambos os lados precisam ter pessoas que entendam as leis que serão usadas no processo. Isso não garante que o resultado seja justo, mas a ausência de defesa e acusação garante que o resultado seja injusto.
Isso não quer dizer que o advogado tenha a obrigação de defender qualquer cliente. Uma das primeiras coisas que um bom estudante de direito deve compreender é quais são seus limites. Alguns se sentirão confortáveis defendendo homicidas, mas não se sentirão bem ao participarem de um divórcio. E vice-versa. É uma questão meramente pessoal. E se o advogado não está preparado para representar um cliente acusado desse ou daquele crime, ele deve recusar-se não só para proteger sua integridade emocional, mas também para proteger o interesse do acusado. Afinal, você gostaria de ser representado por alguém que não deseja representá-lo?
Mas isso não é a mesma coisa de uma associação de classe dizer que nenhum prestador de serviço deve prestar serviço ao réu. Há uma diferença enorme entre um advogado tomar uma decisão pessoal - de cunho íntimo - e uma associação impor uma limitação coletiva, de cunho político. Se os 2,5 mil advogados acima, individualmente, se recusaram a defender os réus porque acham seus crimes abjetos demais, isso é aceitável. É decisão de cada um e ninguém pode ou deve forçá-los a defender os réus. Se eles, depois de tomarem essa decisão individualmente, pedem para sua associação comunicar isso em seus nomes, isso também é aceitável. Mas não cabe à associação fazer um julgamento de valor no lugar de seus associados ou, pior, impedí-los de representar os acusados. Seu papel é justamente o contrário: proteger o direito daqueles que se disponham a defender os réus, apesar dos riscos que correrão.

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