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quarta-feira, 15 de junho de 2011

A FILOSOFIA DO DIREITO NA IDADE MODERNA

A história da Filosofia moderna do Direito é a do jusnaturalismo moderno, que tem início no século XVII, com Hobbes e Grotius. Se, na Antigüidade clássica, a fundamentação do Direito Natural tinha como referência a natureza e suas leis, de tal modo que não seria demais afirmar que as mesmas leis que valiam para o cosmos, para os animais e plantas deveriam valer também para os homens.
Na Modernidade, a novidade será a separação dessas instâncias, com a afirmação de que o homem possui uma natureza específica, distinta da das demais criaturas e que, portanto, por isso mesmo, requer um tratamento diferenciado, porque é governado por
leis próprias. O jusnaturalismo moderno, portanto, fundamentará o direito na natureza de um homem  racional e passível de socialização, quer esta esteja inscrita de maneira inata na sua natureza, quer se apresente como uma espécie de superação dos obstáculos que sua natureza individual não consegue  superar. Por essa mesma razão, poderíamos denominar o Direito Natural moderno de Direito Natural racional, já que tem como referência a natureza racional do homem, fundadora das leis que deverão comandar o direito, a moral e a política. Daí resultará um outro traço do jusnaturalismo moderno, o da aplicação do modelo geométrico de demonstração para a descoberta das leis do Direito Natural e Civil que poderão ser derivadas dos primeiros princípios estabelecidos como axiomas do Direito Natural.
 Na definição que nos dá desse direito, Grotius afirma que contém princípios não certos e imutáveis, que nem mesmo Deus pode mudá-los, do mesmo modo que não pode fazer com que dois mais dois não sejam quatro. No seu tratado O Direito da guerra e da paz, ele nos diz ainda que a expressão “direito” está ligada necessariamente ao que é justo, e que a guerra justa é o que podemos fazer em relação aos nossos inimigos sem cometer injustiça. Evidentemente, o que é justo deve referir-se necessariamente à natureza racional e sociável do homem, é o que resulta da demonstração geométrica. Além disso, se o Direito Natural diz respeito exclusivamente ao mundo dos homens, não podemos dizer, por exemplo, que algo seja justo para os homens e para outros animais. O que importa é o que é justo no quadro de referências da natureza racional e sociável do homem e o que podemos inferir dos primeiros princípios do Direito Natural pela aplicação do modelo geométrico.

Segundo Grotius, tudo o que pudermos deduzir para o estabelecimento da justiça e das leis, pela aplicação do modelo geométrico, deverá ser necessariamente aceito por todos, como uma exigência da própria razão. Esse procedimento encontrará seu ponto culminante em Descartes, e, posteriormente, o veremos aplicado por Hobbes, Pufendorf, Locke e outros pensadores da tradição jusnaturalista. Mas a grande empreitada de Grotius será a de constituir todas as questões relativas ao Direito num grande sistema. Proeza coroada de êxito, pois todo o pensamento jurídico moderno tomará o Direito da guerra e da paz como a grande referência para se
pensar o Direito e será matéria obrigatória em todos os cursos de Direito das universidades européias no final dos séculos XVII e XVIII. Michel Villey, em Formação do pensamento jurídico moderno, considera Grotius o legislador da Europa moderna, não só por ter conseguido estruturar todo um sistema coerente sobre o Direito, estabelecido como um conjunto de regras extraídas pela demonstração racional segundo o modelo geométrico, mas também por ter construído as bases para o Direito subjetivo, que terá sua expressão mais elaborada
com Kant. Ao mesmo tempo em que afirmava a fonte do Direito na razão humana, Grotius também  atribuía ao jurista um papel muito definido nos negócios que diziam respeito à justiça não só internamente, nos negócios de cada país, mas também na ordem internacional. Papel fundamentalmente prático, que envolvia uma ação constante em busca da paz, contra as injustiças, principalmente aquelas provenientes da violência da guerra. Se nos ativermos às três regras fundamentais do Direito, veremos que Grotius constrói não um sistema especulativo sobre o Direito, mas eminentemente prático. Essas regras, resumidamente consistem no seguinte: abster-se religiosamente dos bens pertencentes a outros, manter sempre a palavra dada e reparar qualquer dado causado. Máximas extraídas da tradição estóica, mais precisamente, de Cícero. O que implica que o Direito estará vinculado necessariamente à moral.
Quando Villey se refere a Grotius como o legislador da Europa Moderna, ele tem em mente o caráter sistemático que o Direito assumirá a partir de então. Reduzir o Direito a um sistema significa também que, doravante, os juristas terão um corpo de regras muito bem definidas quando tiveram que praticar o seu ofício. E, se as aplicarem bem, terão maiores possibilidades de sucesso e de atingirem o objetivo maior que é o da ação em favor da paz e da ordem públicas. O pai do racionalismo jurídico iria abrir as portas ao positivismo jurídico, que podemos remontar a Thomas Hobbes, segundo o qual a lei é uma ordem do soberano e a fonte maior do Direito.
A remissão do Direito à natureza racional do homem, com Grotius, e o nominalismo hobbesiano, abrindo portas ao positivismo jurídico, constituirão a base, o terreno fértil para o desenvolvimento do Direito subjetivo, fundado na perspectiva do indivíduo, portador de direitos e culminará com as “Declarações dos direitos do homem e do cidadão”.
Segundo Hobbes, pelo contrato, os homens devem abrir mão de seus direitos naturais em favor do soberano,
que não possui nenhum vínculo contratual com seus súditos, mas apenas, pelo ato fundador da comunidade política, passa a ser o representante das ações de todos os contratantes, que se tornam súditos obedientes, podendo gozar com segurança da sua propriedade, bens, fazer comércio e, finalmente, viver em paz. Essa troca de condições, da miséria do estado de natureza, para a de segurança no estado civil, sob a autoridade suprema do soberano, poderia indicar a impossibilidade mesmo do Direito subjetivo permanecer ainda sob o estado civil.
No entanto, o soberano, ao assegurar a todos os súditos os seus direitos fundamentais individuais, com a condição de que todos se submetam à sua autoridade, estabelece uma espécie de ponte entre o Direito Natural e o Direito Civil. Em vez deste ser a negação daquele, eles não se opõem e, tudo o que o soberano fizer deverá estar fundamentado nos princípios do Direito Natural, que são preceitos da razão, cálculos bem acertados com o objetivo de alcançar a paz e a tranqüilidade de todos os membros da comunidade política. Já que o soberano foi instituído como conseqüência da necessidade que todos viam de saírem do estado de natureza, da guerra generalizada de todos contra todos, ele não permitirá, evidentemente, que todos continuem gozando de seus direitos naturais, sobretudo da liberdade, definida como um desejo ilimitado a tudo o que cada um considerar necessário para sua sobrevivência.
No entanto, essa mesma liberdade, contida agora pelo soberano, preservará a possibilidade do desenvolvimento
individual, do comércio, das artes, da indústria, da propriedade, em condições muito melhores do que as do estado de natureza.

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