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quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

PRESUPOSTOS PROCESSUAIS


 

Por: João Ricardo Alves de Oliveira


1. Noções Gerais

O processo, instrumento estatal de composição de litígios, da mesma forma que a ação deve preencher determinadas condições para que exista, possui requisitos para que possa ser considerado existente. Mais que isso, além de sua existência, deve preencher requisitos que permitam o seu desenvolvimento válido e regular, uma vez que é o instrumento pelo qual o direito de ação é exercido. Esses requisitos de existência e de validade são chamados de pressupostos processuais, e se subdividem conforme abaixo:

- Pressupostos processuais de existência: a doutrina elenca dentre os pressupostos processuais de existência: a petição inicial; juiz regularmente investido na jurisdição; citação; e, por fim, a capacidade postulatória.

- Pressupostos processuais de validade: a doutrina, em relação aos pressupostos processuais de desenvolvimento válido do processo, não se restringe a apontá-los, fazendo também competente divisão destes, em objetivos e subjetivos. Em relação aos pressupostos de validade objetivos, estes se subdividem em positivos e negativos. São pressupostos objetivos a competência absoluta; petição inicial apta; ausência de coisa julgada; ausência de litispendência; ausência de perempção. Em contrapartida, são pressupostos subjetivos: juiz imparcial; intimação obrigatória do Ministério Público, quando deva atuar no feito; ausência de colusão entre as partes etc.

Cumpre observar a questão prática que envolve a subdivisão dos pressupostos processuais. Com efeito, estes se subdividem em pressupostos de existência e validade em razão de haver, ante a ausência destes, conseqüências diversas, a depender justamente de sua natureza jurídica, conforme adiante se verá. Assim, a título de exemplo, a ausência de pressupostos de existência leva, por óbvio, à inexistência do processo, ocorrendo apenas um simulacro deste, e tal vício é corrigido pela ação denominada querella nulitatis insanable.

2. Pressupostos Processuais de Existência

2.1. Petição inicial

Em razão do princípio da inércia da jurisdição, que determina o início do processo, em regra, somente por iniciativa das partes, faz-se necessária a petição inicial, documento pelo qual o autor invoca a prestação jurisdicional.A partir da inicial o processo será regido pelo princípio do impulso oficial. Note-se que a aptidão da inicial, diferente de sua simples existência, configura pressuposto objetivo positivo de validade. Por fim, em determinados casos, excepcionalmente previstos em lei, é dado ao juiz, de ofício, a possibilidade de iniciar relações jurídicas processuais sem que haja ofensa à inércia da jurisdição, a exemplo da abertura de inventário, declaração de falência (se não presentes os pressupostos da concordata preventiva), a execução penal e a concessão de habeas corpus.

2.2. Juiz regularmente investido na Jurisdição

Com efeito, para que o processo exista, é necessário que seja proposto perante juiz regularmente investido na jurisdição, pois de nada adiantaria submeter a lide a um juiz já aposentado, por exemplo, ou a alguém que não ocupe o cargo de juiz, preenchidas as regras de investidura.

2.3. Citação

A citação torna efetivo o processo existente, como relação angular entre as partes e mediação do juiz, exercendo a jurisdição, conforme dito. Todavia, a citação deve ser válida, ou seja, exige que estejam presentes os seus requisitos intrínsecos (conteúdo mínimo), bem como seus requisitos extrínsecos (formalidades essenciais), para que efetivamente forme o processo.

2.4. Capacidade processual e capacidade postulatória

Por capacidade processual entende-se a capacidade de exercício do direito de invocar o Judiciário para a resolução da lide. É também conhecida como capacidade de fato, capacidade de exercício, ou legitimatio ad processum. Como pressuposto da capacidade de exercício, temos a capacidade de direito, também conhecida como capacidade de aquisição, capacidade de vir a juízo, ou legitimatio ad causam, deferida a todos aqueles que possuem personalidade civil, ao menos via de regra. Com efeito, dizemos, via de regra, porque o Código, de forma a atender princípios tais como o da segurança nas relações jurídicas, isonomia e inevitabilidade da jurisdição, por vezes, confere legitimidade ad causam e processual, ativa e passiva, a entes despersonalizados, tais como as universalidades de bens (massa falida e espólio) e as sociedades de fato (artigo 12 do Código de Processo Civil).

Abaixo, segue organograma diferenciador das expressões utilizadas pela doutrina majoritária:

Capacidade de direito
Capacidade de fato
Capacidade de estar em juízo
Capacidade processual
Capacidade de aquisição de direitos
Capacidade de exercício
Legitimatio ad causam
Legitimatio ad processum

Em relação à capacidade postulatória, também inserida pela doutrina majoritária como pressuposto de existência do processo, em que pese às suas peculiaridades, esta justifica-se em razão de a lei exigir, em regra, a interposição de peças processuais por quem possua conhecimentos técnico-jurídicos, de modo a prestigiar a importante função de advogado, declarada pelo texto constitucional como função essencial à justiça, e de forma a possibilitar, em razão de utilização de conhecimentos técnicos, otimização do instrumento estatal de composição de litígios. Fins de registro, salienta-se que em determinados casos a lei autoriza o início de processos por atuação exclusivamente das partes, a exemplo do que ocorre com os juizados especiais, nas causas de até 20 salários mínimos.

2.5. Conseqüências da ausência de pressuposto de existência

Os pressupostos de existência, quando ausentes, por óbvio, causam a inexistência do processo, havendo apenas um simulacro deste. Esse controle é feito pelo juiz, incidentalmente, no decorrer do feito, e por ser matéria de ordem pública todos são reconhecíveis de ofício. Todavia, em razão de ser o representante do Estado-juiz um ser humano, podem ocorrer, e de fato ocorrem, erros no trâmite, e, por vezes, um processo que sequer deveria existir chega a seu final, com sentença. Assim, às partes é conferido um instrumento, uma ação para a correção de tal vício, denominada querella nulitatis insanable. Essa ação possui natureza declaratória da inexistência do feito, processa-se perante o juiz de primeiro grau pelo rito ordinário, admitindo, por conseguinte, ampla dilação probatória, e não se submete a prazo prescricional. Essa última afirmação talvez seja a mais importante a respeito do instituto. Com efeito, entendimento jurisprudencial sumulado pelo Pretório Excelso determina que atos constitucionais, inexistentes, não se convalidam no tempo.

3. Pressupostos Processuais de Validade

Conforme dito, os pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo são exigidos, pois não basta que o processo exista, uma vez que é o instrumento pelo qual o direito de ação se desenvolve. Logo, faz-se necessário que durante toda a marcha, disposições legais e assecuratórias de prerrogativas que o Estado de Direito confere ao cidadão sejam observadas. Os pressupostos de validade se subdividem em objetivos e subjetivos. Por sua vez, os pressupostos de validade objetivos são classificados em positivos e negativos.

a) Positivos (intrínsecos)

São aqueles pressupostos que devem necessariamente ser observados, no bojo do feito, sob pena de nulidade do processo. São eles:

- Petição inicial apta: conforme dito, a petição inicial é simultaneamente requisito de existência (bastando que exista), e também pressuposto de validade, pois deve, em uma segunda análise, assim subdividida somente para fins didáticos, ser apta a instaurar o feito e prosseguir a marcha, com determinação da citação do réu.

- Competência absoluta: com efeito, só se considera válido um processo quando corra perante juiz absolutamente competente para o julgamento da lide atribuída àquele feito, em razão da necessidade de observância do princípio da eficiência, que atinge todo o Estado. Assim, ao contrário da incompetência relativa, que se considera sanada quando não argüida, a incompetência absoluta do juízo contamina o feito de nulidade inafastável, a exemplo de um juiz da vara da fazenda pública que julga determinada ação de investigação de paternidade, de competência das varas de família, em regra.

b) Negativos (extrínsecos)

Diz-se pressuposto negativo, pois é a sua inexistência que determinará a validade do processo. Diz-se extrínseco, pois é observado fora da relação jurídica processual que se objetiva validade, ou seja, fora destes autos. Por esses motivos, a doutrina os denomina pressupostos processuais de validade objetivos negativos. São eles:

- Ausência de coisa julgada: para que o processo se desenvolva validamente, a lide proposta não deve ter sido definitivamente julgada em seu mérito anteriormente, por isso é que se exige como pressuposto negativo a ausência de coisa julgada. Define-se coisa julgada a qualidade dos efeitos de uma sentença tornarem-se imutáveis, sem possibilidade de mais recurso.

- Ausência de litispendência: verifica-se a litispendência quando duas demandas idênticas tramitam simultaneamente, mas sem julgamento definitivo, devendo a demanda proposta em último lugar ser extinta. Assim, para que se considere válido o processo, deve haver ausência de litispendência, ou seja, ou inexiste, ou, caso tenha existido, esteja definitivamente liquidada.

- Ausência de perempção: por perempção entende-se a perda do direito de ação conferido ao autor contumaz, assim considerado aquele que reiteradamente incorre em erro. Quando o autor deixar que, por erro seu, o processo seja extinto por três vezes sem julgamento do mérito, a quarta tentativa de ver sua lide julgada não será admitida pelo Estado-juiz, todavia, tais prerrogativas poderão continuar sendo alegadas em defesa. Para que seja o processo considerado válido, portanto, não deve ter ocorrido o instituto da perempção.

3.1. Pressupostos processuais de validade subjetivos

- Juiz imparcial: para que o processo seja válido deve haver imparcialidade do juiz, pois é da natureza da Jurisdição Estatal a sua higidez, de forma a atender ao princípio da igualdade. Existem dois graus, ou formas de imparcialidade: suspeição e impedimento. Quando verificado um destes vícios pelas partes, caso não sejam reconhecidos de ofício pelo magistrado do feito, há a possibilidade de controle incidental deles, por meio de exceções. Após o fim do processo, o controle será o mesmo de todos os pressupostos processuais de validade, conforme adiante se verá.

- Intimação obrigatória do Ministério Público, quando deva atuar no feito: O Ministério Público deve atuar em determinados casos, conforme expressa disposição legal, em razão do interesse em litígio ou em razão da qualidade especial de determinadas partes, a exemplo dos incapazes. Quando não intervir como parte nestes feitos, deverá atuar como custos legis, expressão latina que define “fiscal da Lei”, devendo para tanto, ser intimado de todos os atos do processo. Desse modo, prevê o texto do diploma processual que, quando a lei determinar a participação obrigatória do Ministério Público, a ausência de usa intimação contamina o feito de nulidade insanável (artigo 84 do Código de Processo Civil).

- Ausência de colusão entre as partes: em razão de princípios informadores do processo, como a probidade e a boa-fé, para que um processo se revista de validade, é estritamente necessário que ajam as partes com boa-fé, sem o conluio fraudulento para fraudar a lei ou terceiros, pena de rescisão do julgado.

4. Conseqüências da Ausência de Pressupostos de Validade

Os pressupostos processuais de validade, se não verificados, levam o feito à nulidade absoluta. O controle pode ser realizado pelo juiz mesmo de ofício, uma vez que este é o senhor do feito. Caso não seja verificada a irregularidade dos pressupostos antes do trânsito em julgado da sentença, sendo argüida somente após seu trânsito em julgado, a solução de tal incongruência será diversa daquela apontada aos pressupostos de existência.

O meio de declaração de nulidade do feito por ausência dos pressupostos processuais de validade que o código prevê é a ação rescisória. Por meio desta as partes ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal que declare nulo o feito em que foi verificado o pretenso vício. Seu prazo de interposição é de dois anos contados do trânsito em julgado da sentença do processo irregular. Após o decurso deste lapso, in albis, a decisão não poderá mais ser modificada, ao menos de acordo com a maioria da doutrina e da jurisprudência. Nesse caso, ocorrerá o que a doutrina denomina coisa julgada soberana, uma vez que não será passível de desconstituição por qualquer meio processual.

 

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