Autor: Luiz Otavio de O Amaral | |
Os conceitos acima são idênticos ? Se são diversos, como defini-los, ou seja, quais seus limites essenciais (teóricos e até territoriais) ? Como, enfim, distinguí-los entre si ? Qual a natureza dessa trindade federal no Brasil ? Por que essa trindade é sempre fugidia ? Enfim, Brasília, Plano Piloto, DF, Capital federal, do Brasil... existem de onde até aonde ? Certa vez fui chamado a discutir com adolescentes de uma conhecida escola particular da Asa Sul o tema “o DF”. Tema esse só aparentemente fácil. È onde moramos ! È a capital do Brasil ! È Brasília !..., diziam os estudantes. Mas uma indagação trouxe a sempre contornada e jamais resolvida confusão: “professor, quando volto do ‘Parkshoping’ vejo placas indicando que Brasília fica pra lá.!! Aí eu fico confuso! Ali, onde eu estava, o que é, se não é Brasília?” De outra feita, uma interessada professora do GDF também propôs esse desafio: o hino oficial é de Brasília ou do Distrito Federal ? A esfinge permanece ainda indecifrada: “o governador é de Brasília ou do DF ?” Por que a Universidade Católica de Brasília, está em Taguatinga (que não é considerada Brasília). São perplexidades mais recentes (art.18, CF/1988) numa questão sempre muito indecifrável e que não se restringe apenas à semântica, nem tampouco é meramente acadêmica, posto que tem implicações cotidianas na vida de muitos. Nada resolve, pelo menos tecnicamente, o lugar comum: “o DF é um Estado e também um Município”, ora o que há é tão-só acumulo de competências jamais de pessoas. Ademais, aqui esse enfoque é de interesse mediato, eis que o imediato é a localização física da capital federal, da sede administrativa, do domicílio da pessoa União/República Federativa do Brasil, interna e externamente. Município anômalo, para Hely L. Meirelles; para Ruy o DF era um “semi-Estado, um quase-Estado, um Estado que não dispõe de sua própria constituição.”; para José Afonso da Silva é uma autarquia territorial; para Manoel Ferreira Filho é uma circunscrição territorial assemelhada aos Territórios Federais; para outros juristas o DF é: mais que um município e menos que um Estado (p.ex. Pontes, Diogo Figueiredo, Sepulveda Pertence...). Enfim, o DF é uma pessoa jurídica sui generis, todos concordam. A questão impõe um breve histórico sobre a doutrina do Estado federal. O vocábulo Federal, derivado do Latim ‘foederare’ (=unir, legar por aliança), é empregado na técnica do Direito Público, enquanto organização do Estado, como a união indissoluvelmente instituída por Estados independentes ou da mesma nacionalidade para a formação de uma só entidade soberana. Na federação, embora não se evidencie um regime unitário, há um laço de unidade entre as diversas coletividades federadas, de modo a mostrá-las, em suas relações internacionais e mesmo em certos fatos de ordem interna, como um Estado único. Entre os entes da federação (na CF/1988: União, Estados, DF e municípios) não há hierarquia, mas coordenação harmônica de poderes distribuídos pela Carta Magna da federação. Há, assim, um só Estado soberano/federal (a União) e Estados-membro/federados, ambos são titulares do poder para produzir o Direito (competência legislativa, para Kelsen). Com efeito, o que mais caracteriza o regime federativo é a coexistência de um centro de poder político (nacional/federal/soberano) e de outro centro local/federado/autônomo. Como se vê na federação tradicional só há dois centros de poder político: a União e o Estado-membro, o município não é ente federativo, inexiste na federação, mas pode existir no estado subunidade, sendo pois mero ente integrante do Estado-membro, não da federação. A federação (tanto quanto o presidencialismo) nasce por um lado como prática política concebida pelo espírito genial dos pais da nação norte-americana (Hamilton, Jay, Madison, 1787/1778) para prevenir os vícios do poder absoluto que tanto incomodaram os que embarcaram no MayFlower para fundar a Nova Inglaterra no continente americano; mas por outro lado, também federação facilitaria a sustentação política da nova organização estatal por parte de ex-colônias e sobretudo viabilizava a ratificação da constituição (também experiência inovadora) então proposta. Assim, pois, a federação, a separação dos poderes do Estado são aplicações práticas da Teoria do checks and balances. Como vimos, há dois Estados autônomos (e logo dois governos) dentro da mesma federação: o Estado central/geral que, pelo menos, territorialmente é uma abstração, eis que se os Estados-membro/locais têm base territorial o mesmo não ocorre com o estado soberano (o federal, a União). E assim sendo, a sede desse governo geral não tem como não ficar localizada em território de outro ente político (em um dos Estados-membro). Em 1783 o Congresso que preparava a futura constituição norte-americana, instalado na Philadelphia, foi cercado por amotinados que pretendiam impor-lhe seus interesses. O governo local não tomou as providencias devidas e a população da cidade também se pôs contra o Congresso constituinte. A situação foi salva por tropas enviadas por Washington e o congresso teve que retirar-se para Princeton onde foi abrigada no prédio da universidade local. Logo esse fato fez com que os constituintes concebessem um território neutro (art. I, Seção 8ª, n.17, CF/EUA/1787). O governo federal precisava ter sua casa, dizia João Barbalho (in CF/1891). Nascem, assim, as idéias de um território neutro, de um distrito federal (conceitos mais ligadas à base territorial) e de capital federal (mais voltada para a conceituação de centro administrativo, de centro/cabeça da administração federal, da União). É que, assim como as províncias (no Estado unitário/império), os Estados-membro (na república/federação) carecem de base territorial para sediar suas administrações centrais/capitais (ié, gerências principais dessas unidades geográficas: província/Estado-membro, que são subdivisíveis em municípios e esses em distritos) a União/Estado federal, também daquela base para instalar sua própria administração (a máxima do país). Como se vê, tanto a federação, quanto o Estado unitário são fenômenos sempre relativos: não há absoluta descentralização, nem tampouco absoluta concentração de poder político, mas sim equilíbrio entre os entes da federação. No Brasil imperial não havia discriminação entre a administração geral do Império e a administração local da província do Rio de Janeiro onde se instalava-se o Império. O Brasil era então um Estado unitário - em que as províncias (ex-capitanias) eram mais ou menos segmentos locais do governo central. O Ato Adicional nº 12, de 12/08/1834 então estatuía que “a autoridade da Assembléia Legislativa da Província em que estiver a Corte não compreenderá a mesma Corte, nem o seu Município.” (art.1º). Esse dispositivo desligou a cidade (conceito urbanístico) do Rio de Janeiro da Província (conceito político-adm./forma de organização do Estado) de mesmo nome, instituindo o que se chamou de município neutro (município era então mera seção da administração da província) Já com o Brasil República, presidencialista e federativa, sob a Constituição Federal de 1891 (art.2º) é que o antigo (do Império/Estado unitário) município neutro vem de se converter no então denominado Distrito Federal (da república/federativa) que passa a ter existência formal (jurídica). O grande Carlos Maximiliano, sempre refutou a denominação de distrito porque esse não é circunscrição autônoma, na técnica administrativo-política brasileira, sendo parte do município cujo dirigente é indicado pelo prefeito. O DF então era um município (art. 66, CF/1891), seguindo a pureza original da teoria federal, tanto assim é que ao cuidar dos municípios a CF/1891 diz: “Uma lei do congresso organizará o município no Distrito Federal.” (art. 67, § ún.). Na Constituição de 1934 o DF elegia seu prefeito e sua Câmara municipal. Embora dito no art.15 que o prefeito seria nomeado, o art. 4º (c/c art.3º, §3º) das Disposições Transitórias, garante que o legislativo municipal elegerá o primeiro e os demais serão eleitos pelo povo do Rio de Janeiro. Era a autonomia política e administrativa chegando ao Rio de Janeiro enquanto sede da federação. Todavia na Constituição Polaca de 1937, o DF (art.30) atinge a máxima insignificância político-administrativa na República; situação essa pior que a do Império, em que havia pelo menos um legislativo local, o Conselho Municipal. Já encerrada a ditadura, a CF/1946 retoma a autonomia do DF menos quanto a eleição popular do seu prefeito que restou ainda nomeado pelo Presidente da República (art. 87, IV), mas dispunha 50 vereadores eleitos (art. 11, § 2º, I, e IV, Dispos. Transit.). A Emenda Constitucional nº 2, de 03/07/1956 reabilitou a eleição popular do prefeito do DF que seria eleito, juntamente com o Presidente da Republica, em outubro de 1960. Entretanto tal Emenda jamais teve eficácia. Mudada, então, a capital federal para o planalto Central, surge a Lei nº 3751,13/04/1960 que em flagrante inconstitucionalidade (desconhece aquela Emenda incorporada ao texto magno) restabelece a nomeação, ad nutum, do prefeito do DF. A Constituição de 1967 (art.17, § 2º), manteve o titulo de prefeito do DF (e não do Rio de Janeiro, de Brasília) como já era tradição de nosso federalismo. Só em 1969, via Emenda nº 01/1969 (aliás, ‘emendão’, eis que maior que o texto emendado por isso mesmo alguns a consideram uma nova Carta), é que essa tradição é rompida e o prefeito, num passe de mágica dos juristas de plantão, foi chamado de governador do DF em dupla incoerência. A uma, porque deseduca o povo, que perde a intuitiva/natural noção/conhecimento das instituições fundamentais em meio a tantas modificações desnecessárias. A dois, porque se prefeito nomeado já não convencia, pior então é governador-preposto. Na atual Constituição, retoma-se o modelo mais democrático já praticado entre nós, ou seja, o da CF/1934. Há legislativo e governador eleitos diretamente. Essa constituição inova profundamente. Faz do município, expressamente, um ente federal, elevando bastante seu potencial administrativo-político com tratamento específico (um Capítulo exclusivo, sendo que antes o município quase inexistia nas constituições brasileiras) na Constituição Federal tanto quanto o Estado-membro. O DF também foi bastante elevado no plano federativo. Se antes mais se aproximava do município, agora é quase um Estado-membro. Assim, refere-se a CF/1988 à vedação do DF dividir-se em municípios o que pressupõe sua natureza de Estado-membro. È administrado por governador (já era assim na EC nº1/1969). O Legislativo do DF é composto por deputados e não por vereadores. Conquanto mais para Estado-membro que para município. O DF é regido não por Constituição, como os Estados, mas por lei orgânica como os municípios. Embora deputados distritais não há Assembléia legislativa, mas Câmara (tradicionalmente de vereadores/municipal) legislativa. A fonte de onde nascem todas as pessoas, ou seja, todos os sujeitos de direito (o ser humano e outros entes personalizados), o Código Civil (art.13, II e 40 do futuro CCB) o DF é pessoa jurídica de direito público interno, dentre as de natureza política (ié, que detêm parcelas do poder político nacional) ao lado da União, dos Estados e dos municípios. São só essas as pessoas políticas existentes no Brasil. Só o DF é, assim, ente jurídico personalizado e unidade da federação, ao lado da União e dos Estados e dos municípios (esse desde a CF/1988) em nossa prática federativa. Brasília é só um conceito urbanístico, eis que tão-só uma cidade e tal conceito só tem relação com qualquer pessoa jurídica política enquanto base territorial-urbana, ou seja, sede sobretudo municipal.A principal cidade costuma ser a sede do município; o principal município, a sede do Estado-membro, ou da União. Como se vê, não há governador ou mesmo prefeito de cidade, mas de Estado-membro ou de município. Não há, tecnicamente, governador de Brasília (sem governo ficaria, então, Taguatinga, Planaltina...??). O prefeito/governador sempre foi, expressamente designado em todas nossas constituições, como sendo do DF, jamais de Brasília. Tampouco Brasília é a capital federal, salvo se nela estiver abrangida toda a área do DF, incluindo as cidades satélites. A desapropriação do quadrilátero realizada no planalto central para instalação (física/cidades) da pessoa jurídica DF (e não da cidade Brasília) teria sido exorbitância e um desvio de finalidade (ié, sediar a capital federal) se a capital restar restrita ao Plano piloto e cercanias, o que ensejaria, em tese, a retrocessão das áreas não utilizadas como capital federal. Em nenhum dos textos constitucionais que tivemos há um despropósito técnico como o inscrito no art.18, § 1º da CF/1988, ou o art. 6º, da Lei Orgânica do DF (e não de Brasília) que diz ser “Brasília a capital da União” quando devia ter mantido nossa tradição e a correção técnica, dizendo: “O Distrito Federal é capital da União”, declaração essa expressa desde 1937 (art.2º, CF 1967/69) em que pese verdade óbvia. Vale dizer: o DF só existe para ser capital federal, para garantir base territorial segura à administração da federação. Respondendo as indagações iniciais: Brasília é só uma cidade (uma bela cidade!), a pessoa jurídica e política que serve de centro político à União/Federação, ou seja, de capital federal é o DF e não Brasília (que é o núcleo urbano mais importante do DF, onde física/predialmente funciona o governo federal). Aquele centro de compras está, assim, localizado certamente no DF e condicionalmente em Brasília também, se for ela do tamanho do DF, não se limitando ao Plano Piloto e cercanias (como parece entender a Universidade Católica de Brasília). Taguatinga não é Brasília e a Capital federal é mais que Brasília, é todo o DF. Creio que a esfinge, agora, está decifrada.È hora, então, de uma boa adequação, pelo menos, nas placas indicativas no DF para não deseducar o povo e complicar mais ainda a missão dos professores. (jan. 2001). |
terça-feira, 3 de maio de 2011
BRASÍLIA, DISTRITO FEDERAL, CAPITAL FEDERAL
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário