Autor: Ana Claudia Santano,
A partir deste cenário acima esboçado, se verifica que a questão encontra-se em patamares extremamente polêmicos.
A partir deste cenário acima esboçado, se verifica que a questão encontra-se em patamares extremamente polêmicos.
Primeiramente, irei expor os argumentos que sustentam a necessidade da cláusula de barreira no sistema brasileiro.
Um dos maiores fundamentos para se aplicar a cláusula de barreira é a clara existência de “legendas de aluguel”, as quais contribuem para o enfraquecimento do sistema político brasileiro, bem como proliferam a cultura do clientelismo no governo.
Neste sentido, Nelson Jobim, ao defender a cláusula de barreira no seu parecer n° 36, para a Revisão Constitucional de 1993, faz o seguinte comentário:
... as recentes discussões no Congresso Nacional em torno da Lei de Partidos indicam que é prudente estabelecermos um requisito mínimo para o registro dos partidos no Tribunal Superior Eleitoral. Desta forma, não se impede a livre criação de partidos, apenas se condiciona a participação em eleições a uma representatividade mínima, expressa mediante o apoiamento do eleitorado a ser definido em lei. (...) Realmente, não se justifica a representação, na Câmara dos Deputados, de um partido que não tenha obtido apoio de significativa parcela do eleitorado, como reflexo do interesse despertado por suas propostas. Tal preocupação se traduz, também, na intenção de erradicar as ditas ‘legendas de aluguel’, que desmoralizam nossas instituições políticas. Enfrentar este problema é enfrentar a questão crucial da governabilidade, ou seja, da capacidade de um governo ser obedecido sem violentar as regras do jogo democrático e sem proporcionar uma ruptura por parte de um ou outro fator social ou político. Se é necessário que todos os setores sociais estejam representados nas instituições políticas nacionais, por outro lado, é fundamental que abandonemos o pluripartidarismo irresponsável e procuremos viabilizar a formação de maiorias consistentes que possam apoiar um programa de governo. Nessa mesma linha de fortalecimento das instituições por meio de partidos realmente representativos da sociedade, estabelecemos a exigência de uma representatividade mínima para a apresentação de candidatos à Presidência da República. Essa exigência coincide com o requisito de apoiamento do eleitorado para a representação partidária na Câmara dos Deputados. Com tal medida, esperamos contribuir para o fortalecimento dos partidos políticos e da instituição presidencial, evitando que aventureiros venham, eventualmente, a ocupar a mais alta Magistratura da Nação.
Ricardo Rodrigues acompanha este pensamento: “Acreditam os simpatizantes da cláusula de barreira que sua aplicação no sistema proporcional viria a fortalecer os partidos políticos, hoje enfraquecidos pela prática do voto personalista, erradicaria as chamadas ‘legendas de aluguel’, e contribuiria para a governabilidade do país”.
Severino Coelho Viana faz uma dura crítica sobre este ponto:
A ridicularidade de atuação inescrupulosa de maior ênfase ocorre no seio dos minúsculos partidos políticos, denominados de nanicos, pois detêm uma míope densidade eleitoral, mas decisivos na aprovação dos projetos governamentais, quando são transformados em “legenda de aluguel”, a fim de obterem negociatas por meios inidôneos, como sejam, designação de apadrinhados nos altos escalões governamentais, troca de favores pessoais, liberação de recursos financeiros para promoção de campanhas eleitorais, que não chegam ao alcance do povo, além da existência de propinas que servem de trampolim para o enriquecimento ilícito da cúpula partidária. Por tudo isso, termina levando a ruína o arcabouço ideológico do sistema democrático.
Deste modo, se verifica que o problema gerado pela existência de “legendas de aluguel” realmente se constitui em um forte argumento para se defender a aplicação da cláusula de barreira no Brasil.
Todavia, há outros argumentos que também merecem ser abordados.
Ricardo Rodrigues, citando Scott Mainwaring, afirma que:
... o fato de o Brasil não contar com uma cláusula de barreira é a principal razão para o país ter um número exageradamente alto de partidos no Congresso, especialmente para um sistema presidencialista. A ausência de uma tal barreira à entrada facilita o processo de mudança freqüente de partido porque minimiza os riscos de formação de partidos personalistas através da reunião de pequenos grupos dissidentes.
Também neste pensamento, José Antônio Giusti Tavares diz que:
A introdução de uma cláusula de exclusão uniforme em todo o país, definida por um percentual de cerca de 5% por cento dos votos para cada uma das circunscrições eleitorais estaduais, se os Estados forem estabelecidos como colégios eleitorais, ou para o conjunto do país, se for instituído um colégio nacional único para eleição da Câmara dos Deputados, constitui uma exigência fundamental que, realizada, asseguraria ao mesmo tempo maior rigor e efetividade à representação proporcional numa república federativa como o Brasil.
Outro argumento muito utilizado é a necessidade de cumprimento do art. 17, inciso I da Constituição Federal de 1988, o qual exige que o partido político tenha caráter nacional.
Nesta linha de raciocínio, a Advocacia Geral da União se pronunciou, quando se manifestou na ADIn n° 1354-8/DF, que atacava a existência da cláusula de barreira na lei n° 9096/95:
... E não se diga que a verificação do caráter nacional, no art. 13, era desnecessária porque já teria sido feita de acordo com o § 1° do art. 7° da mesma lei. Não. Embora ambos artigos tenham a mesma finalidade, a verificação se dá em momentos diferentes. A comprovação prevista no art. 7°, § 1°, se faz necessária, para que o partido possa registrar-se no Tribunal Superior Eleitoral. Mas, para cumprir o mandamento constitucional há de o partido comprovar que é nacional no ato de registrar seus estatutos e continua nacional ao longo de sua existência. A exigência do art. 13 serve precisamente a isso. É verificação periódica e automática do cumprimento do dispositivo constitucional. Portanto, não apenas ele é pleno de constitucionalidade como ainda exerce papel verificador da observância de preceito constitucional.
Assim, se acredita que, com a aplicação da cláusula de barreira, se cumpra com o disposto no art. 17, I da Constituição Federal de 1988 de forma mais satisfatória, evitando a existência de partidos regionais, que muitas vezes representam “instrumentos de caciques e oligarquias regionais”.
Contudo, mesmo em face dos mais diversos argumentos que julgam a cláusula de barreira como sendo um mecanismo necessário a ser implantado no sistema brasileiro, uma grande parte da doutrina acredita que tais alegações não procedem, repudiando a cláusula de exclusão.
Um dos fundamentos para este repúdio é o fato de que o constituinte ordinário não colocou nenhuma barreira para a organização e funcionamento dos partidos políticos, procurando garantir a mais ampla liberdade de criação e incorporação de partidos políticos, através do art. 17, §2°.
Com isto, o constituinte delegou a tarefa de regulamentar o art. 17, IV para o legislador infraconstitucional.
Ocorre que, segundo os argumentos que não concordam com a cláusula de barreira, a lei n° 9096/95 extrapolou os limites concedidos pela Carta Maior, pois disciplinou a atuação do parlamento de modo que compromete a liberdade de criação e inserção de partidos no cenário político brasileiro.
Uma das opiniões que entendem desta forma é a de Orides Mezzaroba, que faz o seguinte comentário:
Questiona-se a autorização constitucional para que o legislador ordinário condicionasse o funcionamento parlamentar dos partidos políticos ao cumprimento de determinados requisitos impostos por uma cláusula de barreira. (...) este, no entanto, não foi o caso do art. 13 da Lei n° 9096/95, de 19 de setembro de 1995, que, utilizando-se de mecanismo temerário no jogo democrático, como a cláusula de barreira, acabou vinculando o funcionamento parlamentar dos partidos políticos à conquista de um apoio mínimo de votos a serem obtidos em eleições gerais para a Câmara dos Deputados. Além do que, tal exigência acabou ferindo o princípio constitucional, contido no caput do art. 17, que garante serem livres a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos.
Assim, o autor sustenta que o art. 13 da Lei n° 9096/95 é inconstitucional.
Outro argumento para contestar a constitucionalidade do referido dispositivo legal é o fundamento exposto pelo Partido Social Cristão – PSC, no seguinte sentido:
O Art. 17, da Constituição Federal, consagra a liberdade para a criação dos partidos políticos. O seu § 1°, assegura-lhes autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, entre outras atribuições. Em nenhum momento a Letra Constitucional estabelece partidos de 1° e 2° categorias. Ao contrário, determina em seu art. 5°, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Portanto, quando o legislador infra-constitucional cria normas díspares para iguais perante a lei, ele fere frontalmente a Lei Maior, com a agravante de ser em benefício próprio e de seus partidos políticos, com manifesto desrespeito às minorias e flagrante intenção de se eternizarem no poder .
Embora o E. Supremo Tribunal Federal ainda não tenha se pronunciado definitivamente sobre a constitucionalidade do art. 13 da Lei n° 9096/95, tendo em vista que a ADIn n° 1351-3/DF ainda carece de julgamento, o fato é que este ponto do “domínio do poder” é um dos mais fortes fundamentos para se excluir a cláusula de barreira do Brasil.
O entendimento de Ricardo Rodrigues se corrobora neste sentido, quando o autor se pronuncia da seguinte forma: “(...) quanto maior a exigência da barreira, mais difícil fica para os partidos pequenos terem acesso à repartições das vagas parlamentares”.
Este argumento dá a impressão que a instauração da cláusula de barreira aniquilaria os principais fundamentos da democracia representativa pluripartidária, pois impediria que as mais diversas correntes ideológicas existentes na sociedade o acesso a uma efetiva influência na tomada de decisões políticas.
Partindo desta premissa, Orides Mezzaroba faz a seguinte consideração: “Já a imposição das cláusulas de barreira vão contra a vontade do legislador constituinte que desejava a liberdade partidária, além de ferir parte da principiologia basilar do Estado Democrático, tais como o princípio da igualdade e do pluripartidarismo, enquanto plena realização da idéia, também constitucional, de pluralismo político”.
Questionada sobre a sua opinião sobre a cláusula de barreira, Argelina Figueiredo faz o seguinte comentário:
Em princípio, sou contrária, pois não vejo como definir um patamar que o partido deva atingir para obter representação parlamentar. Determinar 1% ou 5% seria algo totalmente arbitrário e não diz nada a respeito da natureza da representação. Há outros aspectos no funcionamento do sistema político que podem levar ou não um partido ao parlamento. Acho, por exemplo, que podemos mudar a legislação para a formação de partidos, tornando-a mais rigorosa. Mas, uma vez formado o partido, não se deve estabelecer barreiras, porque pode surgir um partido que represente legitimamente um determinado segmento social, mesmo que não cresça ao longo do tempo. Sobre isso, se houvesse cláusula de barreira, o PT não teria se tornado um partido tão importante no sistema político brasileiro. Na verdade, se em 1982 a cláusula de 5% existente não tivesse sido suspensa, somente o PMDB e o PDS seriam representados no Congresso.
Em palavras mais extremas, Wanderley Guilherme dos Santos expõe o seu entendimento:
É dificílimo justificar qualquer legislação extinguindo partidos ou impondo barreiras à representação. A pedra fundamental do sistema representativo estipula que os eleitores não podem transferir a seus representantes senão aqueles poderes que possuem. Entre estes não se inclui o de determinar a eliminação de outros partidos ou o de obrigar à migração partidária candidatos eleitos por partidos diferentes dos seus. Se se oferecer como pretexto para a violência a falha em alcançar algum patamar de votos, então a violência tem nome: tirania da maioria no primeiro caso; estelionato eleitoral, no segundo.
Os ataques à cláusula de barreiras dos partidos políticos são de pesada expressão, pois muitos destes partidos estão correndo o risco de perder todas as conquistas que conseguiram em sua história nestas eleições de 2006.
Somente como exemplo da “revolta” dos partidos arriscados com a aplicação da regra, se observe esta manifestação do PCdoB:
A história da cláusula de barreira remonta a ditadura militar de 1964 que a impôs. Com a conquista da liberdade em 1985, ela foi abolida pelo Congresso Nacional quando foi extirpada como parte fundamental do “entulho autoritário”. Contudo, o governo Fernando Henrique Cardoso desenterrou esse entulho e, contra a democracia, fez vigorar novamente essa tal cláusula. Por outro lado, trata-se de uma medida “importada”, uma cópia mal feita de um sistema que existe na Alemanha – numa realidade muito diferente da nossa.
Contudo, é perfeitamente compreensível que os pequenos partidos políticos reajam desta forma, ainda mais neste ano.
Outra questão que também é levantada pelos críticos da cláusula de barreira é o fato de que não se pode dizer que todos os pequenos partidos são efetivamente “legendas de aluguel”.
Wanderley Guilherme dos Santos faz uma dura crítica neste ponto:
Outro argumento pragmático consiste em acusar os partidos pequenos de alugar legendas a candidaturas aventureiras; exterminá-los corresponderia a saudável profilaxia do sistema partidário. Insisto, porém, em lembrar que Fernando Collor de Mello foi candidato do PRN, tanto quanto Jânio Quadros foi do PTN (ou terá sido PDC?) e Fernando Henrique Cardoso do PSDB. Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello foram candidatos das coalizões que os elegeram e sustentaram no Congresso enquanto, é claro, não se meteram em trapalhadas. Dito de outra maneira, não fossem o PRN e o PSDB, respectivamente, Collor e F.H. Cardoso, e o PFL não teria chegado ao poder.
Isto faz com que não se negue totalmente a existência da cláusula de barreira, mas que se defenda a sua relativização ou reformulação, adequando o mecanismo para a realidade brasileira.
Neste sentido, Katia de Carvalho diz que:
Se considerarmos os partidos que seriam excluídos pela aplicação da lei, ao lado de diversas siglas desconhecidas, que existem apenas a serviço de projetos políticos pessoais e pouco nobres, encontraríamos também partidos ideológicos de longa história, como o PCdoB e o PPS, este sucessor do antigo PCB, o PSB que já participava da cena política antes de 1964, bem como o PV, partido novo, mas de conteúdo programático e projeção internacional, e o PTB, um dos protagonistas do período democrático de 1946 a 1964.
Acompanhando este raciocínio, Antônio Octávio Cintra afirma que:
No caso brasileiro, o problema se complica pela existência de pequenas legendas cuja existência parece justificar-se apenas em termos de negociação de tempo de rádio e televisão. Contudo, como outras pequenas legendas veiculam opções ideológicas legítimas, qualquer legislação restritiva com relação às primeiras legendas, afetará também as segundas, o que tem dificultado regular a matéria.
Ainda seguindo esta linha, Antônio Augusto de Queiroz faz a seguinte observação:
A regra [atual cláusula de barreira] realmente é muito dura. Um partido sem funcionamento parlamentar, mesmo com representantes eleitos na Câmara dos Deputados, não teria acesso aos recursos do fundo partidário, ao horário eleitoral gratuito, à participação na direção da Casa e das Comissões, entre outras prerrogativas indispensáveis a disseminação da doutrina e até à sobrevivência dessas agremiações.
Acompanhando o autor acima, Wanderley Guilherme dos Santos complementa:
Mesmo em seu caso extremo, partidos que possuem somente um representante no Congresso têm direito à mesma tolerância e respeitabilidade reservadas a partidos maiores. Cada representante de um partido de 100 deputados é curador da mesmíssima legitimidade implícita no mandato do representante solitário. Os outros 99 membros do partido não lhe acrescentam nada em dignidade, embora possam ser utilíssimos para ampará-lo em ilícitos. (...) Um deputado equivale a 1 sobre 513 avos de poder parlamentar; não produz instabilidade alguma. Mas corresponde a 100% da representação de quem nele votou.
Aliada a estes argumentos, a aplicação fictícia da regra nas eleições passadas faz com que o cenário político fique ainda mais complicado.
Analisando as eleições de 2002, Katia de Carvalho diz que: “Caso o disposto no art. 13 da Lei dos Partidos Políticos já estivesse em vigor hoje, somente sete dos atuais partidos teriam funcionamento parlamentar, a saber, PT, PFL, PMDB, PSDB, PPB, PSB e PDT. Vê-se, de pronto, que a medida não se reveste de instrumento saneador do sistema partidário, mas, em verdade de uma cláusula de extermínio”.
Este número se repete na análise de Orides Mezzaroba, enfocando as eleições de 1998.
Assim, se observa como é controvertida a questão da aplicação do referido mecanismo no ordenamento eleitoral brasileiro.
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