Por: Heloisa Gaspar Martins Tavares
A teoria diferenciadora a respeito do estado de necessidade teve origem na Alemanha em 1927.
O ordenamento jurídico alemão previa duas formas de estado de necessidade: a) estado de necessidade jurídico-penal: causa de exclusão da culpabilidade (art. 54 do revogado Código Penal alemão); b) estado de necessidade jurídico-civil: causa de exclusão de ilicitude (arts. 228 e 904 do Código Civil alemão).
Depois da histórica decisão de 11.03.1927, proferida pela primeira câmara do Tribunal de Reich, admitindo um aborto médico para salvar a vida da gestante, a doutrina e jurisprudência alemã passou a construir, sob influências de idéias jusnaturalistas, o estado de necessidade justificante "supralegal", com fundamento no princípio da ponderação de bens e deveres. Esse princípio já se encontrava na legislação civil alemã, para atos defensivos ou agressivos dirigidos contra coisas. Pondera-se os bens e deveres em conflito; o que for reputado de menor valor pode ser licitamente sacrificado para proteção do de maior valor.
O princípio da ponderação de bens e deveres tem incidência apenas no estado de necessidade justificante, posto não conseguir fundamentar a impunibilidade do fato necessário quando esses bens e deveres sejam de igual valor (vida contra vida, no exemplo da tábua de salvação) ou quando o bem sacrificado seja maior do que o protegido. De sorte que nestas últimas situações, que traduzem comportamento ilícitos, incidem a excludente de culpabilidade – estado de necessidade exculpante. Daí a necessidade do tratamento bifronte dado ao estado de necessidade pela teoria diferenciadora.
Foi nessa época que a jurisprudência alemã passou a admitir, mesmo sem amparo legal, a exclusão da antijuridicidade em determinadas situações de estado de necessidade, consagrando a denominada "teoria diferenciadora", acolhendo duas formas de estado de necessidade, ulteriormente, incorporadas ao texto legal, isto é, estado de necessidade justificante (excludente de ilicitude) e estado de necessidade exculpante (excludente de culpabilidade), assim elucidadas por Assis Toledo:
"o primeiro se configura quando o agente comete o ato para afastar, de si ou de outrem, perigo inevitável para a vida, para o corpo, para a liberdade, para a honra, para a propriedade ou para um outro bem jurídico, se, na ponderação dos interesses conflitantes, o interesse protegido sobrepujar sensivelmente aquele que foi sacrificado pelo ato necessário. O segundo se verifica quando o agente realiza uma ação ilícita para afastar de si, de um parente ou de uma pessoa que lhe é próxima, perigo não evitável, por outro modo, para o corpo, para a vida ou para a liberdade, excluída a hipótese em que o mesmo agente esteja obrigado, por uma especial relação jurídica, a suportar tal perigo e também a de que este último tenha sido por ele provocado". [3] (grifo nosso)
Assim, alguém que invade um domicílio para salvar uma criança que está se afogando na piscina (sacrifício de valor menor para salvar valor maior) estará amparado pelo estado de necessidade como excludente de ilicitude. Já o exemplo clássico do caso de dois náufragos que disputam uma tábua de salvação que suporta apenas uma pessoa e um náufrago mata o outro (sacrifício de valores iguais) para salvar-se de uma situação de perigo atual, que não provocou por sua vontade, caracteriza estado de necessidade exculpante.
Atualmente o Código Penal alemão, vigente desde 1975, adota a teoria diferenciadora, assim como o Código Penal espanhol (Lei Orgânica n. 10/95).
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