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terça-feira, 3 de maio de 2011

CONSEQÜÊNCIA INEVITÁVEL DA APLICAÇÃO DA CLÁUSULA DE BARREIRA – AS COLIGAÇÕES

Através do estudo envolvendo a cláusula de exclusão, se verificou que uma das conseqüências mais apontadas pela doutrina em sua aplicação são as coligações partidárias.
Tais coligações, de fato, poderão ter caráter idôneo, ideológico, mas o que se teme é o surgimento desenfreado de coligações oportunistas, vazias e eleitoreiras, criadas tão somente para atingir o percentual estabelecido na cláusula de barreira.

Como o tema não faz parte dos limites do presente trabalho, apenas abordarei como um elemento, para que se permita refletir sobre a matéria.
Sobre o ponto, Katia de Carvalho faz a seguinte consideração: “Em síntese, com exceção do PT, todos os demais partidos de esquerda seriam afetados pela medida, ficariam diante do dilema de optarem por manter a sua identidade ideológica e histórica e perder sua expressão parlamentar, ou se fundirem a outros partidos, como deseja a lei, e perder sua identidade”.
Também sobre o tema, Ricardo Rodrigues diz que:
A cláusula de barreira certamente pode contribuir para minorar o impacto das coligações sobre os resultados eleitorais. No caso da cláusula de barreira incidir exclusivamente nos resultados de cada partido individualmente, as coligações serviriam apenas para formalizar apoios interpartidários e para fins de quociente eleitoral. Caso não atingisse a barreira mínima, o partido ficaria de fora da partilha de assentos, apesar do quociente atingido por sua coligação.
Desta forma, como faz parte de um dos pontos da reforma política, em trâmite no Congresso Nacional, o tema da coligações também é pertinente, ao tratar de federação de partidos.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CLÁUSULA DE BARREIRA DENTRO DAS PROPOSTAS QUE INTEGRAM A REFORMA POLÍTICA

A reforma política em trâmite perante o Congresso Nacional não deixou de versar sobre a problemática da cláusula de barreira.
Como o tema é extremamente controvertido, há alguns projetos de lei de iniciativa da Câmara dos Deputados, que se diferem pela intensidade na modificação da cláusula de exclusão. Estes projetos de lei prevêem o afrouxamento da regra, a sua adequação, e até a sua extinção do ordenamento jurídico brasileiro.
O PL n° 2679/2003, de autoria da Comissão Especial da Reforma Política da Câmara dos Deputados, a partir de uma negociação ampla entre os partidos da Casa, sugere um afrouxamento da regra contida no art. 13 da Lei n° 9096/95.
Este projeto de lei diz que o partido que terá direito ao funcionamento parlamentar nas duas Casas Legislativas Federais será aquele que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados, obtiver o apoio de 2% dos votos apurados nacionalmente, no mínimo, se excluindo os votos brancos e nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados e que eleja pelo menos um representante, em cinco destes Estados.
Todavia, sobre este projeto de lei foi apresentado um substitutivo, de autoria e relatoria do Dep. Rubens Odoni do PT de Goiás, propondo a revogação total do artigo 13 da Lei n° 9096/95, o qual opina, em seu parecer, que o artigo em questão é inconstitucional, por invadir atribuição do Congresso Nacional, já que a matéria abordada no dispositivo legal é sobre funcionamento parlamentar.
Saliente-se que já foi apreciado tal parecer pela Comissão Especial da Reforma Política da Câmara dos Deputados, julgando o PL n° 2679/03 constitucional, e sugerindo a sua aprovação, com o substituto que revoga o art. 13 da Lei n° 9096/95.
Como alternativa, há também na reforma política uma proposta inovadora, que institui a figura da federação de partidos no sistema partidário brasileiro.
Esta federação de partidos é sugerida tanto no PL 2679/03, como em seu substitutivo, em que se insere na Lei n° 9096/95 o art. 11-A, e parágrafos.
Estas disposições envolvendo a federação de partidos dispõe que as pequenas legendas poderão se unir com o propósito de ultrapassar a cláusula de barreira. Esta medida também veio se contrapor à outra sugestão da reforma política, que proíbe coligações partidárias em eleições proporcionais.
Para que os partidos possam se federar, teriam que cumprir as exigências tanto do caput do art. 11-A, bem como seus parágrafos. Assim, os partidos que pretendem se federar, deverão ter elegido representantes em pelo menos cinco Estados e recebido no mínimo 2% dos votos apurados nacionalmente, na última eleição para a Câmara dos Deputados, não contabilizados os votos brancos e nulos. Além disto, os partidos que irão se federar deverão permanecer como tal por no mínimo 3 anos. Caso não atendam a esta exigência, sofreram a penalidade de perda dos direitos de acesso ao fundo partidário e o direito de antena.
Verifica-se desta forma que, mesmo a federação ser composta por diversos partidos de pouca representatividade, eles agirão como se fossem uma só agremiação, não eliminando a sua representatividade dentro das Casas Legislativas.
Ao analisar esta questão da federação de partidos, alguns autores se pronunciam à favor. Porém, como se trata de uma questão polêmica, também atrai críticas.
Um dos autores que são favoráveis à federação de partidos é Orides Mezzaroba, que assim se pronuncia:

... pode-se concluir que com a aprovação da proposta de formação de Federações de Partidos para as eleições proporcionais, a própria Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal reconheceu que as pequenas legendas, de uma forma ou de outra, exercem relevante papel no processo de representação política nacional, não podendo simplesmente serem excluídas do Parlamento.

O autor complementa a sua idéia dizendo que, com esta medida, a CCJ acabou confessando implicitamente que a exigência de cumprimento de requisitos mínimos para se conferir a um partido o funcionamento parlamentar poderá inviabilizar a existência de pequenas legendas, anulando seus objetivos dentro da democracia.
Já Antônio Octávio Cintra entende que a cláusula de barreira, mesmo revogada no substituto ao PL n° 2679/03, acaba retornando ao ordenamento jurídico através da figura da federação de partidos, pois trata-se efetivamente de um dos requisitos para os partidos poderem se federalizar.
Porém, é a favor das federações de partidos, emitindo a seguinte opinião: “A instituição das federações partidárias permitirá aos partidos que se coligam não apenas para vencer a barreira do quociente eleitoral, mas também, por terem afinidade programática e ideológica, estabelecerem uma união mais duradoura em sua ação legislativa, que pode ser prenúncio de uma futura fusão”.
Mas, como dito anteriormente, esta federação de partidos poderá ser vista como uma medida de burlar a cláusula de barreira.
Nesta linha de raciocínio, Josias de Sousa afirma que:
Arma-se nos subterrâneos do Congresso um complô contra a principal novidade das eleições legislativas de 2006: a cláusula de barreira. O mecanismo foi criado para dificultar a vida de legendas sem voto e possibilitar uma drástica redução do número de partidos políticos em funcionamento no país. Para driblar a regra, trama-se a aprovação de um projeto que institui a ‘federação de partidos’.

Desta forma, a imagem de que o Congresso Nacional possa utilizar de suas atribuições para burlar a regra da cláusula de barreira ainda é presente, tendo em vista a falta de consenso sobre a questão ainda.

Frente a tantos argumentos ora expostos no presente artigo, e considerando a falta de consenso sobre o tema, confesso que temo algumas conseqüências que a cláusula de barreira poderá gerar no nosso sistema eleitoral, pois além de ter o poder de macular o sistema proporcional, efetivamente impedindo novas correntes de pensamento virem a compor o alto escalão do governo, pode ser que também esta medida seja de grande valia para a organização de um sistema partidário tão apático quanto o brasileiro.
Assim, expresso o meu posicionamento sobre a matéria, me utilizando de algumas palavras de Giovanni Sartori, as quais, sem dúvida, demonstram a idéia que tenho:
Não é possível estabelecer a priori e de modo genérico qual o limite apropriado [para o percentual da cláusula de barreira], porque a distribuição varia de país para país. Não há dúvida de que abaixo de 3% ou 4% esse limite não faz muito sentido; por outro lado, 10% parece um obstáculo importante. Mas uma exclusão de 5% seria inútil na Polônia , em 1991, e muito eficaz na Itália, em 1993. Seja como for, as barreiras de exclusão, de modo geral, cumprem o seu objetivo. Por outro lado, sua eficácia tem sido exagerada no caso da Alemanha, onde a Sperrklausel não eliminou o neonazismo e o Partido Comunista. Não se tem exata certeza das conseqüências da aplicação da cláusula de barreira no sistema eleitoral brasileiro, até porque tal experiência sequer teve chance de ser analisada empiricamente, já que diversas foram as tentativas de aniquilar suas supostas pretensões.
Embora eu acredite fortemente no poder da democracia e do voto popular, ouso contrariar alguns autores que afirmam ser o povo o verdadeiro juiz de partidos e políticos no Brasil. Este pensamento que atende aos princípios democráticos que se prega, não leva em consideração a realidade do Brasil. É nítido que a população brasileira ainda não dispõe inteiramente de um pensamento crítico a este nível.
Não pretendo reduzir o povo à uma massa manipulada pela política brasileira. Atualmente há mais informação, mais conhecimento sobre política do que havia antes. Todavia, ainda não se tem condições de afirmar categoricamente que há uma democracia consolidada no país.
Todos os argumentos que apresentei, tanto à favor como contra a cláusula de barreira são totalmente procedentes. De fato, ainda é uma questão obscura para a nossa cultura de poucos controles partidários.
Entretanto, irei me posicionar à favor de tal cláusula, pois efetivamente há muitos partidos que definitivamente não possuem sequer um ideal político, mas somente existem para angariar vantagens partidárias legítimas, que devem existir, mas que devem ser disponibilizados somente para os verdadeiros partidos.
Digo isto porque nas eleições de 2006 está claro quais são os partidos sérios, em busca de consolidar seus pensamentos, e quais são aqueles que pretendem apenas tumultuar o pleito eleitoral, manipulados pela oposição frágil atuante no país. Inclusive tal condição se mostra explícita, se analisados os casos mais recentes de corrupção no Congresso Nacional, bem como as denúncias de venda de tempo do horário eleitoral, a despeito de terem um cunho sensacionalista, demonstram a vala moral que se encontra a política brasileira.
Além disto, entendo que o pluripartidarismo não será afetado, pois haverá diversos partidos que ultrapassarão a cláusula de barreira, e não apenas dois. O que se deve manter é o caráter nacional do partido, se evitando partidos regionais, que atuam somente para complicar a composição do Congresso Nacional e servir contra os ditames do sistema proporcional.
Novamente afirmarei que é de suma importância se combater a desproporcionalidade existente na representação política do Brasil. E uma das formas para isto é, certamente, a cláusula de barreira.
Primeiramente, se deve aguardar a ocorrência dos efeitos da regra, para somente após se verificar se este mecanismo é bom ou ruim. O que não se pode é deixar de agir, com receio dos efeitos que podem se gerar.
Desta forma, apenas ao final do pleito deste ano, se poderá afirmar com mais certeza os benefícios ou retrocessos de tal mecanismo, mas sem se aplicar interpretações à lei que afastem-na totalmente de seus propósitos.

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