Páginas

terça-feira, 3 de maio de 2011

FRAGMENTAÇÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA X CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA

Autor: Ana Claudia Santano,

Muito se discute sobre os verdadeiros efeitos causados pelo pluripartidarismo, instaurado pela Constituição Federal de 1988, conjuntamente com o sistema proporcional de votos para o parlamento brasileiro.

Analisarei argumentos que criticam o modelo adotado no Brasil, bem como fundamentos que sustentam a sua manutenção.

Atualmente, 29 partidos políticos estão registrados no E. Tribunal Superior Eleitoral. Destes 29 , 19 foram fundados a partir da década de 90, ou seja, não possuem uma grande história na política brasileira.

Como há uma grande “variedade” de partidos políticos, muitas vezes o eleitorado se confunde com tantas siglas, não sabendo sequer o seu significado.

A discussão inicia-se no próprio sistema pluripartidário, adotado na Constituição Federal de 1988, aliado ao sistema proporcional de eleições para o parlamento brasileiro.

Realmente, não se pode discordar que a verdadeira intenção da Carta Constitucional de 1988 - a de democratizar o sistema de governo brasileiro – foi um ato nobre, instituindo o sistema proporcional como forma de permitir a representação das mais diversas correntes existentes na sociedade. Também, não se pode dizer que o sistema pluripartidário não atenda a este propósito, já que permite a estas correntes sociais se filiarem a partidos que mais representem seus pensamentos e suas posições.

O sistema proporcional efetivamente é o sistema mais democrático que existe, e prova disto são os posicionamentos da doutrina, que expressam este pensamento.

Norberto Bobbio diz que o sistema proporcional baseia-se na democracia de massas e na ampliação do sufrágio universal, se devendo criar espaço para todos os interesses de um organismo social, dando a todos os eleitores o mesmo poder, através do voto com o mesmo peso.

Já Maurice Duverger diz que “o primeiro efeito da representação proporcional é, pois, sustar qualquer evolução para o bipartidarismo: pode-se considerá-la, a esse respeito, um freio poderoso”.

A partir dessas considerações, se tem que o sistema proporcional é um sistema aberto e flexível por natureza, favorecendo e estimulando a fundação de novos partidos, acentuando, desse modo, o pluralismo político da democracia partidária. Como conseqüência desse sistema, a vida política passa a ser mais dinâmica e se abre à circulação de idéias e de opiniões, impedindo uma rápida e eventual destruição do sistema partidário, como pode ocorrer em alguns casos em que se adota o sistema majoritário, levando quase todas às vezes a um bipartidarismo.

Como esse sistema pretende facilitar a representação das minorias no parlamento, também se impede, indiretamente, de excluir grupos políticos que, sem maiores alternativas, poderiam causar problemas para o governo, se infiltrando por outros meios. Pelo sistema proporcional, não há necessidade desta clandestinidade.

Foi justamente por esta concepção que a Constituição Federal de 1988 elegeu o sistema proporcional como o modelo para a eleição dos representantes do Congresso Nacional.
Para se atingir este fim, a Constituição Federal de 1988 previu também o sistema pluripartidário para ser aplicado no Brasil, no artigo 17.

Assim, aliando o sistema proporcional ao pluripartidarismo, seria possível de dar guarida às diversas correntes ideológicas existentes, já que somente poderão ser eleitos candidatos filiados a algum partido político, nos termos do art. 14, §3, V da Constituição Federal de 1988.

Mas este fato ocasionou um grande transtorno para o sistema brasileiro: houve uma proliferação de partidos políticos no Brasil, até pela facilidade que havia para se criar partidos políticos. Tal fato é inegável.

Esta proliferação não obedeceu somente aos ditames democráticos insculpidos na Constituição Federal de 1988. A criação desenfreada de partidos políticos foi motivada por interesses obscuros de partes da sociedade, que sequer defendiam uma ideologia ou um pensamento político determinado, mas que estavam visando vantagens que, através de um partido político, conseguiriam obter com certa facilidade.

José Antônio Giusti Tavares faz a seguinte afirmação sobre este ponto:
... a criação de novos partidos tem sido poderosamente estimulada por dois arranjos institucionais: de um lado, o regimento interno da Câmara atribui, ao partido que possui o mínimo de um centésimo dos membros daquela Casa, instalações, equipamentos, empregos, assistência e, enfim, os privilégios que são concedidos aos partidos nela representados; de outro, os preceitos sobre a propaganda partidária gratuita, no rádio e na televisão, superprivilegiam até recentemente os partidos minúsculos e inexpressivos.
Desta forma, se verificou no Brasil um processo de fragmentação do sistema partidário parlamentar, conjuntamente com a evidência de existência de partidos regionais, em claro desrespeito ao caráter nacional que o partido político é submetido pela Constituição Federal de 1988.

Neste sentido, José Antônio Giusti Tavares diz que:
... como a elevação do número de partidos com representação parlamentar minúscula, inferior a 10% das cadeiras, coexistindo com o surgimento de partidos médios e com a perda de densidade das representações dos maiores partidos, incrementa não só o índice simples ou absoluto de fragmentação, mas também o índice que mede a magnitude relativa da fragmentação frente à fragmentação máxima possível.
A fragmentação partidária dentro do Congresso Nacional tem gerado reflexos extremamente negativos para o Brasil. Analisando tais reflexos, Ricardo Rodrigues afirma que:
Como os sistemas de representação proporcional tendem a fomentar a proliferação extremada de partidos políticos, é muito comum, por exemplo, o problema da fragmentação do sistema pluripartidário. Tal fragmentação, caracterizada pelo pluripartidarismo exacerbado, com um número elevado de partidos pequenos, muitos deles de ‘legendas de aluguel’, traz embutido o potencial de minar o consenso parlamentar e influir negativamente na governabilidade de um país.

Sobre isto, Celso Ribeiro Bastos também afirma que:
Nos sistemas multipartidários, não necessariamente, mas quase sempre, o partido vitorioso nas eleições não detém a maioria do Parlamento. Abre-se, então, um complexo jogo de negociações tendentes a aglutinar dois ou mais partidos que venham a possibilitar o exercício do governo. (..) Acontece, entretanto, que estas vantagens têm o seu custo. Em primeiro lugar, aumentam os poderes dos representantes do povo, na medida em que é livre o jogo de coligações por eles levadas a efeito que vai determinar a formação da maioria parlamentar, (...) De outra parte, estas coligações vêm muitas vezes acompanhadas de uma indesejável instabilidade, já que, formadas pelos próprios partidos, podem também por eles ser desfeitas a qualquer momento. Esta circunstância é grave tanto no presidencialismo como no parlamentarismo. (...) No presidencialismo, o esfacelamento partidário leva à inevitável fraqueza do órgão legislativo, que pode mais facilmente se ver atingido nas suas imunidades, privilégios e competências. Isto quando não se dá o inverso (...), por falta de maioria no Legislativo, o Executivo se vê a braços com a impossibilidade de exercer plenamente a função governativa em razão da obstrução aos seus projetos de lei.

Concordando com esta posição, Severino Coelho Viana diz que:
O pluripartidarismo poderá ser causa de instabilidade política, uma vez que o partido governista não alcançando a maioria necessária de representatividade no parlamento, urge que se forme um governo de coalizão. É tanto que, quanto maior a divisão de forças políticas menor será a possibilidade de um partido único conseguir mais da metade das cadeiras do órgão parlamentar que permitiria constituir um governo politicamente homogêneo.

Em estudo solicitado pela Câmara dos Deputados, Antônio Octávio Cintra faz a seguinte exposição, ao comentar os prós e os contras da reforma política atualmente em trâmite no Congresso Nacional:

Um quadro partidário fragmentado, com inúmeras agremiações, oferece ao eleitor um panorama confuso, que dificulta um dos papéis que se esperam da organização partidária, a saber, uma simplificação do processo de escolha pelo eleitor. Trata-se, na democracia representativa, de ter pessoas que falem pelas outras – os representantes – e se estas se organizam em partidos, mais fácil fica para o eleitor fazer a delegação. Se o monopartidarismo preclui escolha, pois só abre uma opção, demasiada fragmentação partidária, por outro lado, leva ao que os franceses chamam ‘embarras du choix’, a perplexidade na escolha pela superabundância de oferta.

Desta forma, se verifica que houve uma distorção da aplicação do sistema representativo, baseado no pluripartidarismo, o que acabou por tornar o pluripartidarismo em multipartidarismo.

Ocorre que muitos doutrinadores entendem que este multipartidarismo é necessário para a concretização da democracia no Brasil, pois além de permitir os pequenos partidos o acesso ao poder , faz com que o Congresso Nacional represente as diferentes correntes de pensamento político existentes no país, pelo menos na teoria.

Kátia de Carvalho faz o seguinte comentário nesta linha: “O pluralismo político, um dos cinco princípios fundamentais insculpidos no art. 1° da Constituição Federal, e a principal viga de sustentação da democracia representativa, na esfera parlamentar, funda-se não apenas pela convivência entre partidos de significativa densidade eleitoral, mas, sobretudo, pelo respeito ao direito de existência das minorias”.

Wanderley Guilherme dos Santos não acredita que a fragmentação política se dê com a existência de inúmeros partidos. Assim, o autor fundamenta o seu pensamento da seguinte forma:

Fragmentação político-partidária não resulta de excessivo ou reduzido número de partidos, mas da distribuição do poder parlamentar entre estes partidos, expresso em cadeiras conquistadas. Um sistema bipartidário pode atingir o máximo de fragmentação desde que cada partido controle aproximadamente 50% da representação. (...) Em contrapartida, um sistema pluripartidário será muito pouco fragmentado enquanto houver concentração de poder parlamentar em um ou dois partidos.

Este é o argumento mais utilizado para se criticar a aplicação da cláusula de barreira no ordenamento jurídico brasileiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário