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terça-feira, 10 de maio de 2011

A ignorância da lei

Autor: Rui Rangel

As leis saem em cascata, são muitas e exageradas, são confusas, pouco pensadas e estudadas, e têm uma técnica deficiente. Legisla-se a propósito de tudo e de nada, a um ritmo alucinante. As novas tecnologias de acessibilidade informativa (acabou em papel o Diário da República), não oferecem garantias e segurança, tornando mais difícil a publicidade das leis e o seu acesso. Qualquer dia a ignorância da lei tem de aproveitar o cidadão para legitimar as justificadas insuficiências de conhecimento. Porque qualquer dia, somos todos ignorantes.

Hoje venho falar-vos de um princípio geral de Direito que está previsto na lei civil, que tem como matriz jurídico-cultural o fundamento de que a ignorância da lei não serve ou não aproveita a ninguém. Ninguém pode fazer - se valer do argumento da ignorância da lei para daí tirar proveito próprio. Ou seja, nenhum indivíduo se pode escusar das suas responsabilidades com base na desculpa de que não conhece a lei. Este princípio, que é percebido e assumido pelo povo e tem raízes muito antigas, desde o direito românico, começa a fazer pouco sentido e a estar em causa. Mesmo antes da lei escrita ele já pairava sobre a cabeça do indivíduo. Todavia, com a organização do Estado moderno a lei escrita passou a ser um pilar essencial para a transparência e para a publicidade da política legislativa de qualquer governo, daí a `obrigação’ da não ignorância da lei.

Esta relação contratual, de compromisso por acção ou por omissão, impõe ao cidadão o dever de se manter actualizado acerca das leis que fazem parte do ordenamento jurídico e ao Estado o dever ético de fazer leis simples, de qualidade e tecnicamente bem feitas, de forma a que seja fácil e acessível o seu conhecimento.
E é nesta partilha de responsabilidades que o princípio segundo o qual a ignorância da lei não serve a ninguém’ começa a evidenciar sérios problemas que podem afectar a eficácia do edifício legislativo.

O Estado não tem cumprido com a sua parte, exige o que não dá.

As leis saem em cascata, são muitas e exageradas, são confusas, pouco pensadas e estudadas, e têm uma técnica deficiente. Legisla-se a propósito de tudo e de nada, a um ritmo alucinante, agravado agora pelas muitas directivas comunitárias. As novas tecnologias de acessibilidade informativa (acabou em papel o Diário da República), não oferecem garantias e segurança, tornando mais difícil a publicidade das leis e o seu acesso.

Acresce que o acesso via internet é pago. O cidadão ou paga ou não tem acesso, apesar de estar obrigado a conhecer as montanhas de leis que são feitas e que mudam de repente o sentido das coisas, sendo apanhado de surpresa. Vivemos debaixo de um manto excessivamente garantístico.

Ninguém pode acompanhar e manter - se actualizado com esta `diarreia’ legislativa, que num dia diz uma coisa e no outro já diz coisa diferente.

Qualquer dia a ignorância da lei tem de aproveitar o cidadão para legitimar as justificadas insuficiências de conhecimento. Porque qualquer dia, somos todos ignorantes.

Fonte:CORREIO DA MANHÃ | 04.05.2009

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