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terça-feira, 10 de maio de 2011

Ignorância da Lei?

Autor: Lourival J. Santos
 
No sistema legal brasileiro há princípio segundo o qual ninguém pode se eximir de cumprir a lei alegando o seu desconhecimento.
Tal preceito foi herdado do direito romano “ignorantia legis neminem excusat” e a sua razão é a exclusão da possibilidade de que alguém, ao cometer qualquer ilícito, civil ou criminal, possa invocar em sua defesa o desconhecimento da existência de lei que o proíba, o que, em verdade, seria letal à estabilidade do grupo social.
Ainda que se não possa evidentemente presumir que todos conheçam todas as leis em vigor, principalmente neste País de altíssimo índice de inflação legislativa, algumas normas legais, a exemplo da Constituição Brasileira, que é a lei fundamental do Estado, não podem ser ignoradas, principalmente pelas pessoas que têm, por ofício e mister, o dever de manejá-las e observá-las, atenta e rigorosamente, no cotidiano de suas funções, como é o caso dos nossos governantes e representantes dos Poderes Legislativo e Judiciário.
Como escreveu Rui Barbosa: “O ato legislativo é o querer expresso da legislatura, ao passo que a Constituição é o querer expresso do povo”.
Pois bem, a Constituição Federal de 88 definiu o Brasil como Estado Democrático de Direito e instituiu, como princípio fundamental consentâneo com esse modelo político, a liberdade da expressão das atividades intelectual, artística, científica e de comunicação, sem qualquer censura ou barreira.
Portanto, a ninguém é dado olvidar que os atos censórios foram varridos do atual sistema legal brasileiro.
Contudo, as manifestações do Executivo e de algumas alas do Legislativo em defesa da aprovação de normas como a Lei da Mordaça ou o projeto de lei sobre o Conselho Federal de Jornalismo, cujo texto visa disciplinar e tutelar a liberdade da atividade de comunicação, são evidências claras de ignorância, pelos poderes constituídos, da existência de princípios constitucionais pétreos a obstar seus intentos.
Outras pérolas dessa incongruente dislexia constitucional também podem ser observadas em leis como a eleitoral, cuja análise será muito própria em razão de estarmos em pleno ano eletivo.
O artigo 45 da Lei nº 9.504/97, que regula as eleições, estabelece diferença de tratamento entre mídia impressa e eletrônica, no tocante à divulgação de matérias jornalísticas de natureza eleitoral, mesmo sendo ambas veículos de comunicação social sobre os quais a Constituição Federal dispensou tratamentos semelhantes.
O legislador ignorou o princípio constitucional da isonomia, pelo qual todos são iguais perante a lei e deverão ter o mesmo tratamento.
A situação agrava-se quando o legislador prevê que as mesmas matérias jornalísticas que são livres para a mídia impressa não poderão ser veiculadas pela internet.
Outro ponto interessante da lei eleitoral é aquele que proíbe a divulgação de título de programa de televisão ou rádio coincidente com o nome ou pseudônimo de qualquer candidato escolhido em Convenção, ainda que o programa seja preexistente a tal escolha. A coincidência, segundo a lei, poderá determinar a proibição da transmissão do programa radiofônico ou televisivo.
Mais uma vez o legislador demonstrou ignorar o princípio constitucional que consagra a liberdade da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, sem qualquer censura ou obstáculo.
Para culminar esta série de desatinos legiferantes, o artigo 53 da referida lei eleitoral estabelece expressamente que não serão admitidos cortes instantâneos ou qualquer tipo de censura-prévia nos programas eleitorais gratuitos. É como se o legislador desconhecesse o Texto Constitucional, a ponto de crer ainda na existência da censura e, então, por mera liberalidade, optasse por condescender em proibi-la no texto daquela lei ordinária, o que é absurdo.
Não há necessidade de se fazer outros comentários sobre este ponto.
Na conta do Judiciário, ainda que se constituam exceções, poderão ser debitadas algumas lamentáveis posturas censórias no campo da comunicação, tanto em decisões sobre assuntos ligados à propaganda eleitoral quanto ao jornalismo comum.
É de se destacar casos que se tornaram emblemáticos no campo da censura, como o da revista “Você S/A.”, do “Jornal Correio Braziliense” em razão de críticas jornalísticas ao candidato ao Governo de Brasília ou da Rede Globo, que foi impedida de divulgar notícias sobre o então Governador Fluminense, entre outros.
Enquanto isso, seguem os nossos políticos, em suas indefectíveis campanhas, a pregar com veemência a liberdade de expressão sem censura, o respeito à dignidade humana, a valorização da cidadania, etc., etc., etc.

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