Autor: Alexis Sales de Paula e Souza
É indiscutível que a maneira pela qual o Estado organiza o seu território e estrutura o seu poder político depende da natureza e da história de cada país. A forma de organização do Estado – se unitário, federado ou confederado – reflete a repartição de competências, que leva em consideração a composição geral do país, a estrutura do poder, sua unidade, distribuição e competências no respectivo território.
No caso específico do federalismo, identificam-se dois tipos básicos. O primeiro é o federalismo por agregação que tem por característica a maior descentralização do Estado, no qual os entes regionais possuem competências mais amplas, como ocorre nos Estados Unidos da América do Norte (EUA). O segundo, é o federalismo por desagregação, onde a centralização é maior. O ente central recebe a maior parcela de poderes, como é o caso da federação brasileira.
Conceito de federação
O Estado Federal é conceituado como uma aliança ou união de Estados. A própria palavra federação, do latim foedus, quer dizer pacto, aliança. Montesquieu, em seu clássico "O Espírito das Leis", escreveu que a república federativa é uma forma de constituição que possui todas as vantagens internas do governo republicano e a força externa da monarquia. Segundo o filósofo, essa "forma de governo é uma convenção segundo a qual vários Corpos políticos consentem em se tomar cidadãos de um Estado maior que pretendem formar. É uma sociedade de sociedades, que formam uma nova sociedade, que pode crescer com novos associados que se unirem a ela."
Ao conceituar federação, Kelsen escreveu que apenas o grau de descentralização diferencia um Estado unitário dividido em províncias autônomas de um Estado federal.
Segundo o ilustre doutrinador, o Estado federal caracteriza-se pelo fato de o Estado componente possuir certa medida de autonomia constitucional. O órgão legislativo de cada Estado componente tem competência em matérias referentes a constituição dessa comunidade, de modo que modificações nas constituições destes Estados podem ser efetuadas por estatutos dos próprios Estados componentes.
Por seu turno, no Estado unitário relativamente descentralizado as províncias autônomas não possuem autonomia constitucional. Sua norma fundamental é prescrita pela constituição do Estado unitário como um todo e só pode ser modificada por meio de uma modificação nessa constituição. As unidades possuem apenas competência para a legislação provincial, dentro do que a constituição do Estado unitário prescrever. A legislação em matérias da constituição é totalmente centralizada, ao passo que, no Estado federal, ela é centralizada apenas de modo incompleto, ou seja, até certo ponto, ela é descentralizada.
Portugal e Espanha são exemplos de estados unitários descentralizados. Em Portugal os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autônomas. O artigo 225 da Constituição Portuguesa estabelece que devido às suas características geográficas, econômicas, sociais e culturais essas unidades possuem autonomia político-administrativa, a qual será exercida dentro dos limites da Constituição Portuguesa e sem afetar a integridade e a soberania do Estado Português.
Já o sistema espanhol é mais flexível que o português. O art. 137 da Constituição da Espanha estabelece que o Estado organiza-se em municípios, províncias e comunidades autônomas. Todos possuem autonomia para gestão de seus interesses. Especificamente em relação às comunidades autônomas, o art. 147 prevê que a norma institucional básica destas unidades será elaborada dentro dos limites da Constituição espanhola e farão parte do ordenamento jurídico do Estado espanhol. No art. 148 a Carta da Espanha enumera as matérias sujeitas à competência das comunidades autônomas.
Dallari ensina que, em qualquer época da história humana, encontram-se referências a alianças entre Estados. Segundo o doutrinador, alguns autores defendem que o primeiro exemplo dessa união total e permanente foi a Suiça. Três Cantões celebraram em 1291 um pacto de amizade e de aliança, formando a Confederação Helvética.
Apesar disso, conforme Dallari, o Estado Federal nasceu com a Constituição dos EUA, em 1787, quando as treze colônias se uniram em um só país para fazer frente às metrópoles da época. Muito embora a Confederação Helvética tenha sido formada em 1291, permaneceu restrita quanto aos objetivos e ao relacionamento entre os participantes até o ano de 1848, quando a Suíça se organizou como Estado Federal.
Em resumo, pode-se afirmar que o Estado Federal é aquele que permite maior grau de descentralização do poder, pois se organiza mediante a coexistência de mais de um centro de poder detentor de autonomia política, administrativa e legislativa. O pressuposto do federalismo é a repartição de responsabilidades governamentais de modo a assegurar a integridade do Estado nacional frente às inúmeras disputas e desigualdades regionais.
O federalismo não nasce da mesma forma em todos os países. Cada Estado tem uma história que caracteriza o seu tipo de federação. Kelsen escreve que só é possível reconhecer um Estado federal pelo conteúdo de sua constituição positiva concreta, no caso de a essência do Estado federal ser concebida com um grau particular e uma forma específica de descentralização. A partir desse ponto de vista, Kelsen pontua que o modo de criação do Estado é irrelevante: quer tenha ele passado a existir por meio de um tratado internacional (estabelecendo a constituição federal) entre Estados até então soberanos, i.e., Estados Subordinados apenas à ordem jurídica internacional, ou pelo ato legislativo de um Estado unitário transformando-se em Estado federal através do aumento do seu grau de descentralização.
Ao analisar o contexto histórico dos dezesseis países que adotaram o federalismo, José Luiz Quadros de Magalhães identificou três matrizes segundo o nível das relações intergovernamentais entre os entes federados: "a) o federalismo dual, modelo original dessa forma de organização elaborada e implementada nos EUA; b) o federalismo centralizado, transformação do modelo dual em que as unidades subnacionais se tornam, praticamente, agentes administrativos do governo central, como no período das medidas de intervenção do New Deal e; c) o federalismo cooperativo, em que as unidades subnacionais e o governo nacional têm ação conjunta e capacidade de autogoverno, como na Alemanha."
José Afonso da Silva ensina que o grau de descentralização do poder é fixado na Constituição de cada Estado. O autor denomina de federalismo centrípeto, se a concepção constituinte inclinar-se pelo fortalecimento do poder central; de federalismo centrífugo, se a Constituição fixar-se na preservação do Poder Estadual e Municipal; e, finalmente, de federalismo de cooperação, se o constituinte optar pelo equilíbrio de forças entre o poder central e local.
Nas Resoluções de Kentucky de 1798 e 1799, Thomas Jefferson estabelece a importância da descentralização do poder, num federalismo centrífugo, como instrumento de reconhecimento, valorização e institucionalização da formação natural de comunidades, verbis:
As Constituições brasileiras de 1891, 1937, 1946, 1967 e 1988 afirmaram a forma republicana do Estado. No entanto, o desenvolvimento do processo histórico da estrutura política do Estado brasileiro revela um processo cíclico de centralização do poder. A forma unitária do Estado monárquico é a gênese de uma tradição política centralizadora, que mitigou todas as iniciativas de descentralização.
Durante o período colonial o Brasil foi dividido administrativamente em capitanias, as quais foram transformadas em províncias em 1821. Com a independência, a Constituição de 1824 manteve as mesmas divisas entre as províncias e não alterou os seus poderes. De fato, a Carta de 1824 previa que os governos das Províncias seriam seriam presididos por pessoas nomeadas pelo Imperador
e que todo cidadão tinha o direito de intervir nos negócios da sua localidade, nas Câmaras dos Distritos e no Conselho Geral da Província
. As Câmaras dos Distritos tinham a competência de gerir a economia dos municípios.
Por seu turno, os Conselhos Gerais das Províncias tinham competência para aprovar normas específicas para gerir os negócios da Província.
Em 1831, D. Pedro I abdica do trono, em meio ao movimento das elites agrárias regionais contra o excessivo centralismo do monarca. A movimentação pela maior descentralização e a criação de um regime provincial continuou até que em 1834, por intermédio de Ato Adicional, foi aprovada a Lei n.º 16, de 12/8/1834, que emendou a Constituição do Império para criar uma Monarquia representativa. Adaptando princípios federalistas, os Conselhos Gerais das Províncias foram substituídas por Assembleias Legislativas
. Essa mudança aumentou a descentralização do Estado brasileiro, garantindo às Províncias funções executivas e legislativas. Alguns historiadores chegaram a conceber, em face da evidente descentralização após 1834, o surgimento de um "Império Federado".
Com a Proclamação da República em 1889, os movimentos contrários à política do governo imperial foram definitivamente vitoriosos. O Governo Provisório expediu o Decreto nº 1, de 15/11/1889, instituindo a federação, transformando as antigas Províncias em Estados membros e criando os "Estados Unidos do Brazil".
O Governo Provisório obrigou nos arts. 6º e 7º do Decreto n.º 1, de 1889, as antigas Províncias transformadas em Estados membros a integrar a nova federação.
Posteriormente, a Constituição de 1891 trouxe no art. 1º a República Federativa como forma de governo e a regra da união perpétua e indissolúvel dos Estados membros. A Carta também instituiu o patrimônio de cada unidade federativa e adotou na repartição constitucional de competências a técnica de poderes enumerados e reservados. Os poderes dos Estados membros em matéria tributária foram fixados na Constituição, porém permitiu-se aos entes no art. 65 exercer "todo e qualquer poder, ou direito que lhes não for negado por clausula expressa ou implicitamente contida nas clausulas expressas da Constituição" . A Carta de 1891 manteve a obrigação dos Estados membros de formarem a federação brasileira, independentemente da vontade das populações locais, e previu, no art. 6º, a possibilidade de intervenção da União nos entes federados para garantir à força a manutenção da federação.
Nos anos 30, durante o período Vargas, observou-se a volta do centralismo, com a restrição da autonomia administrativa e política dos Estados membros. O Decreto n.º 19.398, de 11/11/1930, dissolveu o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas Estaduais e as Câmaras Municipais, cassou os mandatos de todos os Governadores e Prefeitos e nomeou interventores em cada Estado membro. O Decreto também previu a competência dos Interventores Estaduais para nomear os Interventores nos municípios. Dos atos dos Interventores Estaduais só cabia recurso ao Presidente da República. interessante observar que apesar de todo o centralismo, o Decreto n.º 19.398 fez questão de manter em vigor as Constituições e as Leis Estaduais, de reforçar a autonomia financeira dos Estados membros e de garantir que a nova constituição a ser elaborada manteria o sistema federativo.
Outorgada por Getúlio Vargas, a Constituição de 1937 manteve no art. 21 a competência remanescente dos Estados membros e ampliou as hipóteses de intervenção da União nos entes federados. Havia, também, um dispositivo que previa a transformação do Estado membro em território da União se não fosse capaz de arrecadar receita suficiente para manutenção dos seus serviços, por três anos consecutivos.
A Constituição de 1946 devolveu formalmente a autonomia administrativa e política aos Estados membros. Isso, no entanto, foi novamente afetado pelo Golpe Militar de 1964. A Constituição de 1967/1969 construiu um federalismo meramente nominal, pois a competência da União era de tal forma dilatada que pouco restava para os Estados federados.
Sobre a Constituição de 1988, José Afonso da Silva escreve que a nova Carta buscou resgatar o princípio federalista e estruturou um sistema de repartição de competências que tentou refazer o equilíbrio das relações entre o poder central e os poderes estaduais e municipais.
No entanto, a par de resgatar o princípio federalista, a Constituição de 1988 centralizou na União a maioria das competências. Com efeito, o rol dos artigos 21 e 22 é tão extenso que deixa pouca margem para os Estados membros.
Além disso, o art. 25 previu que os Estados membros "organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem", observados os princípios da Constituição. Quanto a isso, a doutrina identifica dois tipos de normas presentes nas Constituições Estaduais, as de reprodução obrigatória e as de imitação.
As normas de reprodução obrigatória são aquelas cuja inserção na Constituição Estadual é compulsória. Nesse caso, a tarefa do constituinte estadual limita-se a inserir aquelas normas no ordenamento constitucional do Estado membro, por um processo de transplantação. Já as normas de imitação representam aquelas cujo conteúdo é idêntico às das regras constitucionais federais, mas não há obrigatoriedade de sua reprodução nas Constituições dos Estados membros. Nesses casos a adesão é voluntária.
O problema reside no fato de que o conceito jurídico de norma de reprodução obrigatória é indeterminado e que a jurisprudência acaba por determinar no caso concreto. Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), os limites constitucionalmente estabelecidos para o poder constituinte estadual determinam que um núcleo central da Constituição Federal seja obrigatoriamente reproduzido na Constituição do Estado membro.
O federalismo nos EUA não surgiu como no Brasil. Naquele país a federação teve origem centrífuga, pois garantiu a maioria das competências dos Estados. As colônias britânicas aliaram-se, declararam-se independentes e celebraram entre si um tratado internacional, em 1777, criando uma Confederação e União Perpétua para preservar a independência. O tratado, no art. 10, reservava aos Estados tudo o que não fosse expressamente outorgado aos Estados Unidos, verbis: "Art. X. The power not delegated to the United States by the Constitution, nor prohibited by it to the states, are reserved to the states respectively or to the people".
O artigo 2º do referido Tratado previa ainda a possibilidade de dissolver o vínculo Confederativo pelo exercício do direito de secessão, verbis: "Art. II. Each state retains its sovereignty, freedom and independence, and every Power, Jurisdiction and right, which is not by this confederation expressly delegated to the United States, in Congress assembled."A confederação só desapareceu com a ratificação da Constituição Republicana de 1789 que criou a federação e extinguiu a possibilidade de secessão.
No Brasil, ao contrário dos EUA, partiu-se de uma ordem centralizada, que era o Estado unitário do período imperial, para uma ordem federativa de divisão de poderes e competências em 1889, num processo centrípeto. A conversão do Estado unitário em Estado federado foi um processo lento e gradual. Houve uma adaptação dos princípios e instituições federalistas, de modo a manter os interesses e privilégios das elites agrárias, industriais e burocráticas, que organizaram a independência e controlavam o Império.
A ideia de descentralização administrativa no Brasil era antiga e retrocedia ao início da colonização. Os Forais de Capitania já previam a possibilidade de se adquirir "direitos, foros, tributos e coisas que na dita terra se hão de pagar". Como se observa, as reivindicações de descentralização do poder tinham suporte na realidade administrativa brasileira. Chegamos mesmo a ter uma monarquia com ares de federação, com o Ato Adicional de 1837.
Apesar disso, a experiência brasileira sempre foi marcada por um forte centralismo, que provocava a dependência dos entes subnacionais ao governo central. O discurso de Rui Barbosa no Congresso Nacional, intitulado "Organização das Finanças Republicanas", proferido em 1890, resume bem o pensamento dos formadores da federação brasileira, verbis:
Senhores, não somos uma federação de povos até ontem separados, e reunidos de ontem para hoje. Pelo contrário, é da união que partimos. Na união nascemos. Na união se geraram e fecharam os olhos nossos pais. Na união ainda não cessamos de estar. Para que a união seja a herança de nossa descendência, todos os sacrifícios serão poucos. A união é, talvez, o único benefício sem mescla, que a monarquia nos assegurou. E um dos mais terríveis argumentos, que a monarquia ameaçada viu surgir contra si, foi o de que o seu espírito centralizador tendia a dissolver a união pela reação crescente dos descontentamentos locais. Para não descer abaixo do Império, a República, a Federação, necessita de começar mostrando-se capaz de preservar a União, pelo menos tão bem quanto ele. Quando, sob as últimas trevas do regímen extinto, começou a alvorecer entre nós a aspiração federalista, o mais poderoso espantalho agitado pela realeza contra ela era a desintegração da pátria, a dissolução da nossa nacionalidade pelo gênio do separatismo inerente, segundo os seus inimigos, à forma federativa. Esse receio foi o grande embaraço, que obstou por longo tempo o bom êxito das esperanças republicanas; e, se hoje o rumo de nossos primeiros passos não desvanecer essas apreensões; se as primeiras medidas adotadas pelo Congresso não demonstrarem que o mais firme dos nossos propósitos é manter inteira, incólume, indivisível, sob um forte governo nacional, a grande pátria brasileira, então a república terá sido a mais dolorosa de todas as decepções para os amigos do país.
A Constituição Federal de 1988 definiu no art. 3º a base do Estado federativo brasileiro, a partir de uma matriz cooperativa de repartição de competências, em que coexistem competências privativas, concorrentes e suplementares entre os entes federados, tanto nos aspectos legislativos, quanto nos aspectos administrativos e tributários.
Miguel Reale ensina que na construção do Estado Brasileiro o legislador pátrio concebe três círculos distintos de ação que se completam e se integram, "formando, no seu todo, a República Federativa do Brasil, segundo os princípios do chamado federalismo cooperativo, ou integrado".
Sobre o conceito de autonomia, a Ministra Carmem Lúcia ensina que o termo, em sua etimologia, significa "a faculdade conferida ou reconhecida a uma entidade de criar as suas próprias normas. Daí o entendimento mais comumente aceito no Direito de constituir autonomia a capacidade política de uma entidade para governar-se a si mesma segundo leis próprias, criadas em esfera de competência definida por um poder soberano".
Todavia, não basta a previsão constitucional de um federalismo cooperativo. Para que estados e municípios tenham real autonomia política, é necessário que possuam autonomia administrativa e financeira. Em outras palavras, a existência real da autonomia depende da existência de recursos suficientes e não sujeitos a condições, para que possam desempenhar suas atribuições. Sem recursos suficientes a autonomia existirá apenas no papel.
O Ministro Celso Mello, no julgamento da ADI 507-3/DF, ensinou que no modelo federal de Estado existe um antagonismo entre a tendência à centralização e o movimento de descentralização e, em razão disso, o Estado federal não se apresenta uno e nem uniforme. Conforme o Ministro o "Estado Federal exprime, no plano da organização jurídica, a síntese que decorre de dois movimentos que se antagonizam: a tendência à unidade ou à centralização, que se rege pelo princípio unitário, e a tendência à pluralidade, ou à descentralização, que se funda no princípio federativo. Do maior ou menor equilíbrio entre esses dois princípios, resultará, em cada hipótese, um modelo diverso de Estado Federal, quer caracterizado por um grau de maior centralização, quer tipificado por um coeficiente de maior descentralização relativamente ao exercício do poder político".
Se por um lado a Constituição de 1988 significou a possibilidade de fortalecimento de um pacto federativo, por outro também é verdade que as instituições, por conivência ou por incapacidade, não foram capazes de frear a voracidade centralista da União. Não se vê no Poder Central vontade política de criar um equilíbrio federativo efetivo, que estabeleça a capacidade financeira dos 27 Estados membros e dos 5.507 Municípios brasileiros, de maneira a criar um padrão mínimo de igualdade na prestação dos serviços.
Essa voracidade centralista tem sua expressão maior na fixação dos tributos e na repartição das receitas. Com efeito, a Carta de 1988 adotou o critério de fixar em rol taxativo os tributos que Estados e Municípios podem instituir e cobrar. Já para a União a Constituição reservou no artigo 154 a competência residual de criar outros impostos além dos relacionados no art. 153. Como se não bastasse, a Carta submeteu os impostos estaduais e municipais a regramento a ser editado pela União, conforme se observa no art. 155, incisos III e IV do § 1º, incisos IV, V e XII do § 2º e § 6º, e no art. 156, § 3º.
Visando corrigir as desigualdades regionais do Brasil e atendendo ao federalismo cooperativo prescrito no art. 3º, a Constituição previu nos arts. 157 a 162 a repartição de receitas como maneira de dividir o produto da arrecadação de forma equilibrada entre os diversos entes da federação. A Carta estabeleceu a distribuição de percentuais da receita da União com o Imposto de Renda (IR), com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e com a contribuição de intervenção no domínio econômico prevista no § 4º do art. 177.
A fórmula de partilha das receitas tributárias criada pelo constituinte originário não funcionou. A União, num processo iníquo, foi substituindo os impostos que é obrigada a repartir com Estados e Municípios por contribuições que não estão sujeitas a essa partilha. Essas contribuições, muitas vezes, possuem identidade de fatos geradores de impostos de Estados e Municípios, contrariando a repartição de competências da Constituição. Com isso, criou-se um desequilíbrio em prol da União, que passa a deter a primazia na Federação brasileira, o que conduz a uma tendência crescente de supressão da autonomia dos Estados e Municípios e de centralização de poder, em evidente desrespeito ao pacto federativo.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), observam-se duas coisas, a saber.
Primeiro, a União arrecada cerca de 70% dos tributos no Brasil. Em 2008, os tributos federais totalizaram R$ 739,68 bilhões (70%), os estaduais R$ 270,12 bilhões (25,56%) e os municipais R$ 46,84 bilhões (4,43%). Em 2009, a proporção não se alterou. Os tributos federais representaram 69,54% (R$ 759,88 bilhões) do total arrecadado, enquanto os tributos estaduais representaram 25,88% (R$ 282,73 bilhões) e os municipais 4,58% (R$ 50,05 bilhões).
Segundo, o potencial arrecadatório das contribuições é muito maior do que o dos impostos federais. De acordo com dados do IBPT, em 2008 a União arrecadou com contribuições 60% a mais do que arrecadou em impostos. Em 2009, essa proporção aumentou para 76%, .
Depreende-se dessa análise que se tem no Brasil um federalismo que tende ao centralismo ou, como dizem alguns, um federalismo unitário, pois a falta clareza quanto às competências, vez que estas se entrelaçam ou se superpõem, permite à União abocanhar cada vez mais competências. Com isso, o ente Central estabelece cada vez mais condições que precisam ser cumpridas pelos Estados membros.
É essencial conferir aos Estados e Municípios a capacidade de formular e implementar políticas públicas. Sem equilíbrio entre autonomia política/administrativa e autonomia financeira, a ideia de pacto federativo é vazia, ou, como diriam alguns, um "federalismo a brasileira.Parte inferior do formulário
fonte:
http://jus.uol.com.br/revista/texto/17486/a-origem-do-federalismo-brasileiro