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quinta-feira, 21 de abril de 2011

PRESIDENCIALISMO

Autor: Ricardo Aguiar

Políticos de expressão, como o governador Tasso Jereissati (PSDB), jornalistas e cientistas políticos acreditam que há uma origem comum nas graves crises políticas enfrentadas pelo país. O suicídio de Vargas, em 1954, a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, a queda seguinte de João Goulart, e até mesmo as dificuldades atuais do presidente Fernando Henrique Cardoso teriam como causa básica o sistema presidencialista brasileiro. Tal sistema provocaria um insolúvel conflito entre os Poderes Executivo e Legislativo, emperraria a administração, mas não o fisiologismo. O sistema teria de ser reformado urgentemente ou substituído pelo parlamentarismo.

Mas um estudo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-Fapesp e coordenado pelos cientistas políticos Argelina Cheibub Figueiredo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Fernando Limongi, da Universidade de São Paulo (USP), com pesquisadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), põe em xeque essas análises. Não só haveria diferenças fundamentais entre o presidencialismo do período de 1946 a 1964 e o atual, formado a partir da Constituição de 1988, como o sistema em vigor, do ponto de vista da governabilidade, teria mais virtudes do que defeitos, ao garantir ao Executivo liberdade de traçar e dar andamento a seus planos e de compor com o Congresso uma relação sobre bases partidárias, que dispensa o fisiologismo.

Algumas descobertas e conclusões importantes já são reveladas pelas fases iniciais do projeto temáticoInstituições Políticas, Padrões de Interação Executivo-Legislativo e Capacidade Governativa : 1) O Congresso não constitui uma instância institucional de veto à agenda do Executivo; 2) o Executivo, sob o presidencialismo, pode dispor de recursos institucionais que induzam os parlamentares a cooperar com o governo e a sustentá-lo; 3) o governo organiza o apoio à sua agenda legislativa (a pauta dos projetos e das reformas de seu interesse) em bases partidárias no Congresso e, desta forma, repete moldes muito similares àqueles encontrados em regimes parlamentaristas ao comprometer partidos, que recebem pastas na administração federal e não parlamentares individualmente, com os planos do governo; 4) os governantes recentes, ao contrário do que se propala, têm tido considerável sucesso naCâmara e no Senado, ainda que não tenham conseguido aprovar tudo o que quisessem; 5) a concentração de poderes no Executivo brasileiro é institucional, caracterizando, portanto, um sistema distinto do "presidencialismo imperial" de base personalista, tido como peculiar dos sistemas políticos da América Latina.

A pesquisa teve início em abril de 1997, com financiamento de R$ 110 mil da Fapesp, e será concluída em março de 2001. O trabalho envolve cerca de dez profissionais, dos coordenadores a bolsistas nos níveis de doutorado, mestrado e graduação, contando também com a colaboração de pesquisadores de outras instituições nacionais e estrangeiras. A pesquisa buscou como fonte básica de informações, no lugar de entrevistas e arquivos dos jornais, o extenso e altamente organizado banco de dados do Congresso.

Os primeiros estudos já produziram o livroExecutivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional , publicado pela FGV, de autoria de Argelina e Limongi. Esse trabalho, que analisa a relação entre os dois Poderes no período de 1989 a 1999, é ponto de partida para as etapas em andamento, que visam a comparar esta "nova ordem" com o sistema presidencialista multipartidário do período de 1946 a 1964 e com o regime democrático de outros países da América Latina. O tema, como destacam os coordenadores do projeto, não é algo periférico no interesse da sociedade e dos cidadãos, já que "o padrão de inter-relação destes Poderes define a própria capacidade do governo em governar".

Algumas das revelações da pesquisa já provocam polêmica entre especialistas no país e no exterior. De acordo com Argelina, predomina a visão de que "o presidencialismo multipartidário é um sistema caótico que torna qualquer país ingovernável, e nosso trabalho mostrou que tal generalização não se sustenta, pois há diferentes tipos de presidencialismo". Na introdução do livro publicado, essa tese é reforçada: "Vale notar que a literatura especializada tende a descartar a possibilidade de que coalizões partidárias em apoio ao Executivo se formem e funcionem a contento sob o presidencialismo". Portanto, não haveria, no atual sistema, conflito infindável entre Executivo e Legislativo, que acarretasse crises institucionais de tempos em tempos.
Engrenagem

São destacados dois importantes fatores na dissecação da engrenagem que sustenta a vida política nacional desde a última Constituição. O primeiro é a concentração de poderes do presidente, a partir dos chamados poderes de agenda, reunidos aí o direito do chefe do Executivo de editar Medidas Provisórias, de pedir urgência para a votação de projetos e de ter poder, exclusivo, para a iniciativa legal em áreas fundamentais, como a tributária e a do Orçamento. O segundo ponto é a revelação de que, no interior do Congresso, os grandes jogadores são os partidos políticos, que da esquerda à direita, contam normalmente com uma bancada fiel. Trata-se da disciplina, que vai do PT ao PPB.

Dessa forma, o comportamento dos parlamentares não seria determinado unicamente pela forma de governo e pelas leis eleitorais e partidárias, como destacam os coordenadores. As bases para a estruturação das bancadas, que garantem a disciplina nas votações, vêm do controle exercido pelos líderes dos partidos sobre a agenda dos trabalhos, afirmam eles. As regras internas da Câmara e do Senado permitem esse controle.

Estatísticas elaboradas, com dados de 1989 a 1999, revelam que tanto nos governos de José Sarney, de Fernando Collor, de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso a média, por partido, de fidelidade dos parlamentares em relação aos líderes é constante. A disciplina média do plenário da Câmara dos Deputados é de 89,9%. Dos sete maiores partidos, o PMDB é o menos disciplinado, mas ainda assim apresenta disciplina média em torno de 85%. No PT as médias de votação dos deputados em conformidade com os líderes é próxima a 100%.
Líderes

"A literatura assume que a lei eleitoral não confere aos líderes o controle sobre os mecanismos usuais de sanção por meio dos quais a disciplina costuma ser obtida", critica o texto do livro. As regras que fortalecem o papel dos líderes são fundamentais nessa engrenagem de poder. Verificou-se que os presidentes organizam ministérios em bases partidárias e as coalizões tendem a funcionar dessa forma no Congresso. "Durante o período investigado, os presidentes contaram, em média, com os votos de nove entre dez parlamentares dos partidos-membros da coalizão presidencial", ilustra o texto.

"No Congresso, há blocos ideológicos e os partidos funcionam como partidos", observa a coordenadora. Essa realidade reduziria o poder individual do parlamentar e inibiria sua capacidade de atuar em favor de sua "clientela eleitoral". A cooptação de aliados do governo não se daria, portanto, na negociação com cada um dos 513 deputados ou dos 81 senadores, o que significa um duro golpe no fisiologismo tradicional. Mas não se pode dizer que o Congresso está alijado das decisões políticas nacionais ou que o Executivo possa impor sua vontade sobre a maioria dos parlamentares.
Parlamentarismo

Esses dois fatores descritos permitem resultados políticos surpreendentes. "O poder de agenda do presidente e o controle do processo interno no Legislativo, por meio da disciplina partidária, produzem efeitos semelhantes ao do sistema parlamentarista", afirma Argelina, ao lembrar que o controle pelo Executivo da pauta do Legislativo, assim como o processo de centralização das decisões, são pontos considerados como peculiaridades do parlamentarismo.
Os dados da pesquisa apontam para uma performance legislativa dos governos recentes comparável à dos países parlamentaristas. O sucesso pode ser medido pela proporção de projetos de leis de iniciativa do Executivo aprovados no mesmo ano em que foram apresentados. No Brasil, de 1989 a 1998, este índice foi de 68%. Na Alemanha, parlamentarista, no período de 1971 a 1976, este índice de sucesso foi de 69,2%, na Inglaterra, berço deste sistema, de 93,2%, e no Canadá, de 71%.
No Brasil, a dominância do Executivo - a proporção de leis do Executivo sobre o total de leis sancionadas (excluídas as de iniciativa do Judiciário) também se assemelha aos países parlamentaristas. Assim como na Inglaterra na década de 70, cerca de 84% das leis sancionadas desde 1989 foram projetos propostos pelo Executivo. Os coordenadores defendem que essa situação já produziria os efeitos buscados pelos que, em nome de maior governabilidade, propõem mudanças na legislação eleitoral e partidária para reduzir o número de partidos e o acesso ao Legislativo.
1946

O grau do sucesso recente do Executivo é distinto do medido no período de 1951 a 1964, quando o índice de leis apresentadas pelo presidente e aprovadas no mesmo ano foi de apenas 16,7%. Os primeiros levantamentos mostram que há distinção inequívoca entre os modelos de governo de 1946 a 1964 e o atual. "Por serem sistemas presidencialistas multipartidários, as pessoas tendem a tratar como se fossem a mesma coisa, mas não são", ressalta a coordenadora. Os principais argumentos estão, como diz, nas mudanças feitas pela Constituição de 1988 na distribuição de poderes entre o Legislativo e o Executivo. "O período atual é de preponderância do Executivo", acrescenta Argelina.
Outra diferença está na ausência, no passado, do direito hoje exclusivo do presidente de ter a iniciativa em matéria orçamentária, por exemplo. Quem prepara o Orçamento e pede verbas suplementares para esta ou aquela área é o governo. "No sistema que teve início em 1946, os deputados podiam fazer pedidos de recursos suplementares ao Orçamento e tinham estes pedidos aprovados", conta a professora da Unicamp.
O poder do presidente de editar as Medidas Provisórias é também uma novidade do sistema. Todos os presidentes lançaram mão desse poderoso instrumento legislativo. Fernando Henrique Cardoso usou-o de forma mais sistemática e regular, editando a média de 2,8 novas MPs por mês, e foi o campeão das reedições. Igualmente aqui o estudo procura destacar as contrapartidas que o Legislativo pode obter desta ação. "A edição de MPs não significa necessariamente confronto entre Executivo e Legislativo. Em governos de coalizão, poderes institucionais de agenda podem facilitar e preservar acordos entre o governo e sua maioria parlamentar ", observa a pesquisadora. "Em alguns casos, há, por exemplo, o interesse de sua base parlamentar de proteger-se da impopularidade de terminada decisão."
Países

O projeto vai comparar a dinâmica da democracia brasileira com o sistema presidencialista de cinco países latino-americanos (Chile, Venezuela, Costa Rica, Argentina e Colômbia) e de dois países europeus, França e Portugal, onde vigora o regime conhecido como semipresidencialista (para outros trata-se do parlamentarismo, mas com chefe de Estado eleito por votação direta). A base desses trabalhos é esta convicção de que o padrão de relações entre o Executivo e o Legislativo depende dos poderes legislativos outorgados ao Executivo e da organização interna do Congresso.
O trabalho vai terminar nas vésperas da largada da campanha pela sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso, cujo primeiro turno de votação está marcado para outubro de 2002. Os tucanos acalentam o sonho de ver instalado no país em 2006 o sistema parlamentarista. O debate sobre sistemas de governo tende a crescer menos de dez anos depois do plebiscito que deu vitória ao presidencialismo por 37 milhões de votos contra 16,5 milhões de votos a favor do parlamentarismo.
Perfil :

Argelina Maria Cheibub Figueiredo é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo e PhD em Ciência Política pela Universidade de Chicago
Projeto :Instituições Políticas, Padrões de Interação Executivo-Legislativo e Capacidade Governativa

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