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sábado, 9 de abril de 2011

A Grundnorm defendida por Kelsen

Autora: Susana Rocha França da Cunha Lima
Diante de uma visão formal-jurídica, cada Estado é um sistema, com interdependência e unicidade. Logo, a norma fundamental hipotética de um determinado sistema não excede um outro.

O ilustre mestre de Viena estabeleceu a proposição básica de uma norma fundamental com o intuito de responder a todos os seus questionamentos quanto ao fundamento de validade da pluralidade das normas que regulam a conduta dos homens num determinado sistema, mas que não tenha sido editada por nenhum ato de autoridade; como também, o que estabeleceria a hierarquia existente entre essas normas. Tratando-se de uma norma suposta, não imposta.
Assim, "o fato de alguém ordenar seja o que for não é fundamento para considerar o respectivo comando como válido, quer dizer, para ver a respectiva norma como vinculante em relação aos seus destinatários. Apenas uma autoridade competente pode estabelecer normas válidas e uma tal competência somente se pode apoiar sobre uma norma que confira poder para fixar normas. A esta norma se encontram sujeitos tanto a autoridade dotada de poder legislativo como os indivíduos que devem obediência às normas por ela fixadas."
Contudo, ao se buscar o fundamento de validade de uma norma, há a necessidade de se estabelecer qual a mais elevada. Para isso, "ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada, o fundamento da sua validade já não pode ser posto em questão. Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma fundamental (Grundnorm)."
Assim, segundo a lógica jurídica:
Segundo a teoria kelseniana, a natureza do fundamento de validade distingue-se por dois distintos sistemas de normas: estático e dinâmico.
"As normas que estatuem como criar outras normas, isto é, as normas-de-normas, ou proposições-de-proposições, não são regras sintáticas fora do sistema. Estão no interior dele. Não são metassistemáticas. Apesar de constituírem um nível de metalinguagem (uma linguagem que de diz como fazer para criar novas estruturas de linguagem) inserem-se dentro do sistema. Em rigor, uma norma N é metaproposição face à norma N’, esta norma N’, face à N" é, por sua vez, metaproposição. Assim, a posição que uma norma ocupa na escala do sistema é relativa. Pode ser, a um tempo, uma sobrenorma e uma norma-objeto. Essa relatividade está expressa nos conceitos de criação e de aplicação: criar uma norma N" é aplicar a norma N’; criar a norma N’ é aplicar a norma N° . A norma N° , que funciona como a última no regresso ascendente, é a norma fundamental, que não provém de outra norma, que é norma de construção sem ser aplicação. O outro limite extremo encontra-se no ato final de execução da conseqüência jurídica, que não dá margem a nenhuma outra norma. O dever-ser alcançou, então, o último grau de concrescência, com a determinação individualizada do pressuposto e da conseqüência."
"O sistema de normas do tipo estático afirma que a conduta dos indivíduos por elas determinada, é considerada como devida (devendo ser) por força do seu conteúdo: porque a sua validade pode ser reconduzida a uma norma a cujo conteúdo pode ser subsumido o conteúdo das normas que formam o ordenamento, como o particular ao geral."
 Contudo, para Kelsen a norma fundamental pode fornecer o fundamento de validade das normas por ela baseadas, mas não o seu conteúdo de validade, tratando-se de um sistema dinâmico.
No tipo dinâmico, "a norma fundamental limita-se a delegar numa autoridade legisladora, quer dizer, a fixar uma regra em conformidade com a qual devem ser criadas as normas deste sistema. A norma que constitui o ponto de partida da questão não vale por força do seu conteúdo, ela não pode ser deduzida da norma pressuposta através de uma operação lógica. Esse conteúdo apenas pode ser determinado através de atos pelos quais a autoridade a quem a norma fundamental confere competência e as outras autoridades que, por sua vez, recebem daquela a sua competência, estabelecem as normas positivas deste sistema."
Dessa forma, a teoria da pirâmide jurídica idealizada por Kelsen, consubstanciada em seu sistema normativo dinâmico, "não pretende construir uma fotografia da realidade e da gênese das normas que compõem uma ordem, mas sim ser um método para ordenar logicamente os comandos jurídico-positivos convetendo-os em um todo sistemático e unitário, dando-lhes, assim, a razão lógica de sua validade formal."
Temos a seguinte lição de Norberto Bobbio:
                              Então, "a norma fundamental, como condição da possibilidade do conhecimento dogmático do Direito (sua função gnoseológica) é, sintaticamente, proposição situada fora do sistema de Direito positivo. Quando Kelsen diz, repetidamente, que não é norma posta (estatuída por uma autoridade ou pelo costume), mas pressuposta, podemos traduzir isso em termos de Lógica moderna: a norma fundamental é uma proposição de metalinguagem; não está ao lado das outras proposições do Direito positivo, não proveio de nenhuma fonte técnica; carece de conteúdo concreto e, relativamente à matéria das normas positivas, é forma condicionante delas (forma cognoscente, hipótese epistemológica)."
  " (...) dado o poder constituinte como poder último, devemos pressupor, portanto, uma norma que atribua ao poder constituinte a     faculdade de produzir normas jurídicas: essa norma é a norma fundamental. A norma fundamental, enquanto, por um lado, atribui aos órgãos constitucionais poder de fixar normas válidas, impõe a todos aqueles aos quais se referem as normas constitucionais o dever de obedecê-las. É uma norma ao mesmo tempo atributiva e imperativa, segundo se considere do ponto de vista do poder ao qual dá origem ou da obrigação que dele nasce. Essa norma única não pode ser senão aquela que impõe obedecer ao poder originário do qual deriva a Constituição, que dá origem às leis ordinárias, que, por sua vez, dão origem aos regulamentos, decisões judiciais, etc. Se não postulássemos uma norma fundamental, não acharíamos o ubi consistam, ou seja, o ponto de apoio do sistema. E essa norma última não pode ser senão aquela de onde deriva o poder primeiro."
Por conseguinte, a Grundnorm não pertence ao direito positivo, pois não foi estabelecida pelo órgão da comunidade jurídica. Não sendo prevista em nenhum código, por não estabelecer direitos e nem obrigações, como também, pelo fato de não basear-se nos alicerces de normas anteriores, nem possuir fundamentos de nenhuma norma superior. Trata-se portanto, de uma norma idealizada pelo teórico do direito com a prerrogativa indispensável para o conhecimento do direito, logo, ao estabelecê-la o pesquisador do direito não estará usufruindo da autoridade de legislar.
Segundo Kelsen, "a Grundnorm é jurídica, no sentido de ter funções jurídicas relevantes, tais como a de fundamentar a validade objetiva do significado subjetivo dos atos de vontade criadores da norma e a de fundamentar a unidade de uma pluralidade de normas. Dentro do sistema tem ela, portanto, uma dupla função constitutiva: a de dar unidade e a de dar validade a um sistema de normas."
Ao tentar explicar a necessidade da busca por um ponto de partida que desencadeará na condição de validade do sistema normativo construído pelo cientista do direito, o Mestre de Viena sofre influência de Kant. Por considerar ser próprio da razão a ânsia de descobrir a condição suprema, que não tenha sido condicionada por nenhuma outra. Sendo assim, o jurista, intencionado ou não, se vê obrigado a eleger uma norma fundamental ao estudar o direito, a fim de justificar a validade da ordenação jurídica por ele analisada. Contudo, a Grundnorm não é elaborada de forma arbitrária, pois nasce de uma necessidade imanente da ciência jurídica de estipular em que resulta a observação dos fatos que estão sendo estudados.
Então, para a teoria kelseniana, o teórico do direito ao estabelecer a norma fundamental, afirma que a validade de uma norma decorre do que, historicamente, o constituinte originário determinou como sua manifestação de vontade; uma vez que, é a partir da primeira Constituição(a principal) que vão decorrer os fundamentos de validade das normas que compõem o ordenamento jurídico. Constitui-se numa norma jurídico-positivada pelo primeiro constituinte, não possuindo fundamento de validade em nenhuma norma anterior, sendo o seu caráter normativo extraído da norma básica, a norma fundamental.
"A decisão do estudioso do direito está condicionada por uma base de cunho nitidamente sociológico. Se ele tiver, por exemplo, como finalidade a construção de um sistema de normas jurídicas para reger um Estado republicano, terá de procurar uma hipótese científica que seja capaz de concebê-lo como jurídico, não podendo, evidentemente, enunciar tal hipótese da seguinte maneira: "Devemos obedecer ao monarca". Essa formulação careceria totalmente de sentido para fundar a validade do sistema jurídico de uma República."
A norma hipotética fundamental, apenas, poderá ser alterada em decorrência de uma revolução ou golpe de Estado, pois a norma básica que fundamenta a validade da ordem jurídica vigente é alterada pela mudança brusca dos conceitos e regimes antes estabelecidos. Competindo ao jurista, ao se estabelecer a nova ordem jurídica reportar-se a norma fundamental que ficou oculta, a fim de perpetuar o que foi estabelecido para a atual primeira Constituição histórica. Isso não significa que a revolução ou o golpe de Estado irão figurar a Grundnorm, mas sim, o seu antecedente.

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