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sábado, 9 de abril de 2011

CONCEITO DE POVO

Autora : Débora da Silva Roland


Inicialmente, é necessário fazer uma distinção importante acerca de três vocábulos que, usualmente, podem ser confundidos: povo, população e nação. População é um conceito demográfico- matemático, afeito à geopolítica, que significa o conjunto de pessoas habitam certo território numa certa época.
Nação é um vocábulo que invoca certos sentimentos, identidades culturais, sociais e políticas. Nas palavras de Lenio Streck é um conceito "psicossocioantropológico". Jorge Miranda  afirma que "o específico da nação encontra-se no domínio do espírito, da cultura, da subjectividade ... Uma nação não é qualquer grupo cultural, é uma comunidade cultural com vocação ou aspiração a comunidade política". Dessa forma podemos entender como nação uma comunidade que encontra denominadores comuns, tais como, identidade cultural, étnica, lingüística, modos de ver o mundo, entre outros, comunidade disposta a cumprir um único desígnio, um único destino.
A palavra povo é plurívoca, conforme já assinalamos. Assim, os autores que se dedicaram ao estudo do Estado, buscaram definir seu sentido a partir de um ponto de vista próprio. Jorge Miranda  acentua esta multiplicidade de noções:
Há noções de povo que se pretendem só jurídicas: as que remontam às Revoluções americana e francesa e prevalecem nos Estados de Direito de tipo ocidental. Há noções económico-sociais de povo: as que se encontram no marxismo e também, antes deste e com finalidade oposta, as que sustentam o sufrágio censitário. Há noções rácicas de povo: em especial, a da Alemanha nacional-socialista. Há noções ético-históricas ou históricos-orgânicas de povo: as do facismo italiano e do nacionalismo autoritário. E há noções religiosas: as do fundamentalismo islâmico.
Como se percebe da lição do Mestre, é possível depreender várias concepções para a palavra povo. Para H. Kelsen povo "é constituído pela unidade da ordem jurídica válida para os indivíduos cuja conduta é regulamentada pela ordem jurídica nacional, ou seja, é a esfera pessoal de validade dessa ordem". O autor entende que o povo constitui uma unidade jurídica e não natural, pois assim como o Estado tem apenas um território cuja unidade é jurídica, tem apenas um povo. O indivíduo só será considerado pertencente ao povo quando estiver na esfera pessoal de validade de sua ordem jurídica.
R. Zippelius  sufraga o entendimento de que povo é o que vive no território estatal, uma vez que estamos diante de um Estado territorial. "Este conceito de povo do Estado que está sujeito ao poder estatal e o condiciona através da sua obediência não coincide com o conceito de povo, em sentido sociológico, unido por um sentimento de afinidade étnica".
Paulo Bonavides ensina que a palavra povo comporta um significado político, jurídico e sociológico. O conceito político de Povo se refere ao "quadro humano sufragante, que se politizou, ou seja, o corpo eleitoral". Este conceito é resultado de uma concepção recente, uma vez que o absolutismo não conhecia este aspecto, já que só identificava a comunidade estatal como um conjunto de súditos. O conceito jurídico de povo, que para ele é o único a explicar plenamente o conceito de povo, aponta para aqueles "que se acham no território como fora deste, no estrangeiro, mas presos a um determinado sistema de poder ou ordenamento normativo, pelo vínculo de cidadania". Assim, é a cidadania que mostra o vínculo entre o indivíduo e o Estado. No sentido sociológico, povo "é compreendido como toda a continuidade do elemento humano, projetado historicamente no decurso de várias gerações e dotado de valores e aspirações comuns". Este ponto de vista se confunde com o conceito de nação, já apresentado.
Dalmo Dallari também apresenta o conceito de povo do ponto de vista jurídico, compreendendo "o conjunto dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano".
Concluindo, povo é o conjunto de homens e mulheres que se submetem ao mesmo Direito que por sua vez lhes confere a qualidade de cidadão e súdito. Assim, percebe-se que o conceito de povo é permeado por duas faces: uma face subjetiva, quando o que está em evidência é a qualidade de cidadão, e uma face objetiva, quando o que está em evidência é sua qualidade de súdito. Nas palavras de Jorge Miranda  "o povo vem a ser, simultaneamente, sujeito e objecto do poder, princípio activo e princípio passivo na dinâmica estatal".
Não há povo sem organização política, assim como não há organização política sem povo, pois ambos tem a mesma origem. Assim, povo é a dimensão humana do Estado, e a dinâmica entre povo e Estado é tão íntima que é possível afirmar que o povo não subsiste sem a organização e o poder do Estado, de forma que inexistindo um ou outro, levaria ao desaparecimento do povo. Assim, o Estado nasce desta comunidade que irá se transformar em povo, convertendo-se em razão de ser do Estado; o poder político se define em relação ao povo e só então é possível se definir em relação a outros poderes; o poder emerge do povo e precisa ser legitimado por ele, pois o poder se exerce por referência ao povo. Assim, as palavras de Jorge Miranda:
O povo só existe através do Estado, é sempre o povo do Estado em concreto, dependente da organização específica do Estado (e a ela também subjacente). O povo, que nasce com o Estado, não subsiste senão em face da organização e do poder do Estado, de tal sorte que a eliminação de uma ou de outro acarretaria automaticamente o desaparecimento do povo como tal.
Conforme o que se apurou acima, povo é aquele que se submete à vontade do Estado, mas também aquele que participa da vontade comum. Este aspecto dúplice foi observado por Rousseau, que confere dupla qualidade ao povo: a de ser cidadão, pois participa ativamente da formação da vontade comum, mas também a de ser sujeito, pois se submete a esta vontade. A seguir, iremos desenvolver estas noções.

Fonte: http://jus.uol.com.br/revista/texto/5767/a-dimensao-humana-do-estado

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